A FERROVIA


Por mais insano que isso possa parecer, peço que entregue esta carta na rua Capitão Wagner Ribeiro, número 1508, Minas Gerais. Fazem dois dias que cheguei em minas, acredito que minha mulher tenha fugida para esta cidade, mas não tenho certeza, encontrei apenas um endereço que me levou até próximo de uma ferrovia abandonada. O investigador disse que ela levou nosso filho para cá, não sei se está certo, já que descobri estes dias que não mora ou morou ninguém com o nome de minha esposa no local a mais de vinte anos. A senhora que me atendeu no endereço, uma cortesã estranha e pavorosa, cheia de rugas e cega de um olho, avisou-me que na quarta-feira passada tinha visto uma mulher com as mesmas características da minha mulher andando pelos trilhos da ferrovia.
Tinha que ter certeza daquilo. Mas antes que pudesse ir a ferrovia, tive um sonho, do qual não consigo nem descrever, mas atrevo-me a dizer que minha consciência levara-me até os trilhos da ferrovia, acordei entre um punhado de vigas de aço e trilhos enferrujados, enquanto tentava levantar tropecei em um vergalhão e cortei a perna. No sonho, ouvia a voz de minha mulher, vinda de onde meus olhos não podiam enxergar, ela me chamava com veemência, suplicando por ajuda, tentei encontra-la, mas após correr em torno de um quilometro pelos trilhos, encontrei um senhor olhando para a lua, quando o questionei sobre o motivo de estar ali, ele se virou e percebi que aquele homem era eu, só que mais velho e esguio. Vendo aquilo, sai correndo máximo que pude, mas acho que queria-me avisar alguma coisa. Alguns metros depois encontrei um garoto que muito me lembrava de mim na infância, o garoto estava procurando sua bola vermelha, decidi ignora-lo e continuar, e o garoto desapareceu no horizonte dos trilhos. Posso dizer que corro por estes trilhos a uma eternidade, tento acordar, mas não consigo, e aqueles rostos que encontro no caminho são fantasmas retorcidos de meu passado, figuras da minha vida, de momentos mais sombrios.
Não consigo parar de correr agora e a voz de minha esposa me chama, vinda de algum lugar onde nunca poderei alcançar. Peço que alguma alma boa leve esta carta no endereço informado, pois preciso que ela saiba que não estou mais vivo.
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 25/01/2018
Código do texto: T6235947
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