Visagem

Você acordou cedo. Todos os dias você acorda antes do galo cantar e já está acostumado com isso. Quando você era pequeno seu pai saia cedo para ir trabalhar, trabalho pesado de ir cuidar das poucas cabeças de gado, de ir capinar e arar as plantações de feijão, milho e arroz. Aos poucos você foi aprendendo o ofício. O tempo passou, seu pai morreu e agora é você quem cuida de tudo.

Todos os dias é a mesma coisa: levantar cedo, fazer um café preto e forte, ingerir ele com farinha ou alguma outra coisa e se preparar para um trabalho pesado. Há dias que vem chovendo, o tempo está frio e a vontade de continuar na rede é muito grande. Mas você se levanta deixando a velha rede e o lençol furado para trás.

Agora você está em seu caminho de sempre, uma estrada estreita de terra batida que agora está enlameada. O vento frio das cinco da manhã bate em seu rosto fazendo você lembrar do calor de sua mulher. Agora você tem que trabalhar em dobro porque ela está prenhe do seu primeiro filho.

Você já está bem desperto e praguejando por causa do caminho que está todo encharcado. O cigarro de palha no canto dos seus lábios lhe irradia um leve calor. É uma madrugada triste e solitária. Não era para você ter saído de casa. Será que está com medo? É uma sensação estranha que lhe invade. Uma vontade de dar meia volta e retornar para o aconchego de sua casa pobre. Você nunca se considerou um homem medroso ..., mas você se pega lembrando das histórias que os antigos contavam e que faziam você ir dormir todo enrolado com medo. Sim, é medo que você sente.

O vento frio parece moldar formatos estranhos nas árvores. Siga em frente você se diz. E você segue. Acendendo um outro cigarro o medo parece diminuir. Daqui a pouco amanhece, daqui a pouco ...

Caminhando um pouco mais você tem a nítida impressão de ter visto algo. O que será? O que é isso que está a sua frente? Não dá para ver direito pois está escuro. Você para assustado. Sua mão corre para o facão na cintura. Parece algo esbranquiçado. Não, não, é baixo e atarracado. Parece um pedaço de tronco de árvore. Você não sabe o que é. Jesus, o que é isso? A coisa à frente pula em sua direção. Pula alto e à medida que pula maior ele vai ficando. Seu coração dispara e suas mãos calosas seguram com mais força o facão. A coisa avança em sua direção e pula. Você tenta acertar-lhe com o facão. Em vão, apenas o ar é cortado por sua arma. Algo lhe roçou. Meu Deus, algo lhe tocou! Era algo quente e frio. Você escorrega e cai. Sua queda é feia e você se enlameia todo. Enquanto se levanta pensa na sua mulher prenha e em orações que não consegue se lembrar. Seu facão em sua mão ziguezagueia tentando desesperadamente manter afastado algo que você não consegue ver direito. Cadê aquilo que pulou em cima de você? Sumiu? Meu Deus, meu Senhor, me ajude. Cadê a coisa? Você se desespera olhando enlouquecido para todos os cantos, mas a escuridão limita muito a sua visão e isso lhe assusta.

A coisa sumiu, foi embora tão rápido como surgiu. Você está assustado, suando em pleno frio. Seus olhos procuram desesperadamente em redor tentando ver há algo inominável. Você empreende o caminho de volta para casa. Os movimentos das árvores pelo vento parecem aterradores. Toda hora você se vira volta para trás com medo do que possa ver. A chuva torna a cair. Você volta correndo para sua casa. Com alivio no coração vê a silhueta familiar de sua casa. Sua mulher ainda está dormindo. Você volta para sua rede e se embrulha tremendo dos pés à cabeça. Logo o dia vai amanhecer...

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 25/02/2018
Reeditado em 23/11/2018
Código do texto: T6263517
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.