O Genocídio das Flores - Última Parte

Minha mãe disse que meu pai foi fechado por um caminhão e o carro capotou. Meus pais tiveram ferimentos leves, eu traumatismo craniano e a Zéfa morreu no local.

Os médicos disseram que, se caso a garota sobrevivesse, dependeria de cuidados especiais por toda a vida. Entretanto, dez anos em coma e quando acordei bastou algumas ressonâncias para constatarem que de forma milagrosa meu sistema nervoso havia se regenerado.

Não vou negar que fui tentada a procurar o cartório a fim de descobrir se aquelas pessoas existiram mesmo. Mas, fui impedida pelo medo da verdade.

O imponente casarão foi vendido. Contudo, o novo proprietário combinou a construção de uma piscina. Não via a hora de partir, porém, teria de ficar até a conclusão da obra.

Eu estava no jardim observando a beleza das congéias que caiam pelo muro como uma cascata de flores. Lembrei-me do anel solitário cuja pedra tinha aquele mesmo tom.

A retroescavadeira trabalhava a todo vapor quando parou e o condutor gritou para os outros funcionários:

_VEJAM O QUE ENCONTREI! HÁ UMA ESPÉCIE DE TÚNEL AQUI EMBAIXO.

Todos correram para a borda da cratera, meu pai deu ordens para que deslocasse parte da estrutura. Foi aquela passagem que nos levou ao porão.

Minha mãe não queria me deixar entrar, mas eu precisava, e, de alguma forma, ela entendeu o quanto. Alguns holofotes foram providenciados e a escuridão deu lugar a um cenário de horror.

Meu pai imediatamente gritou para que alguém ligasse para a Policia.

Enquanto todos estavam perplexos, lembrei-me do Guilherme falando:

"_Antes de sair o Miguel colocou o revólver em cima da mesa, bem ao meu alcance. Acho que ainda queria dizer alguma coisa. Entretanto, preferiu olhar-me bem dentro dos olhos e sorrir.

À principio achei que estavam mortas. Só vendo para ter uma ideia de como aqueles corpos ficaram destruídos.

Peguei a arma: um três oitão preto com cabo de madrepérola. Antes fiz uma oração. Logo eu que nunca acreditei em Deus, peguei-me rezando.

Encostei o cano na testa e senti a frieza do aço. Puxei o gatilho.

O susto jogou-me para trás com cadeira e tudo. O revólver caiu ao meu lado.

O maldito deixou faltando uma munição. Fazia parte da estratégica para que eu sofresse ainda mais.

Quando eu ia pegar a arma para atirar novamente, ouvi a voz da minha mulher:

_ Guilherme, não!"

Agora vendo a posição das ossadas entendo que todos já estavam mortos e não sabiam.

Em um dos esqueletos constatei a perfuração na fronte; ao lado a cadeira caída e o revólver no chão. Pobre Guilherme, achou que faltava uma munição...

Senti um aperto no peito e relembrei toda a cena quando vi os ossos da Dalva em um canto e o da Luisa em cima do sofá. Um pouco mais à frente quase pisei no crânio do Cássio. Fui até o oratório e encontrei o anel; subi a escadaria incrustada na rocha e me dei com a cara na parede: (haviam sido sepultados lá dentro). Voltei sem graça e antes de sair pelo túnel encarei os retratos da família pendurados na parede e senti as lágrimas encharcarem o meu rosto.

Os policiais chegaram e logo isolaram o local com uma fita amarela e preta. Depois dos trabalhos de praxe saíram com todo o material em sacos plásticos; entraram nas viaturas e partiram com as sirenes e os giroflex ligados.

A polícia descobriu que as ossadas eram do Juiz, Guilherme Sampaio e Castro, da mulher e da filha que viveram no início do século passado. Entretanto, acreditava-se que na época deixaram o País. Quanto ao crânio do Cássio, não chegaram a nenhuma conclusão.

Dias depois mostrei o anel à minha mãe, ela me disse que tinha a sensação de que já o tinha visto. Talvez quando lhe coloquei na palma da mão, eu apenas estava nos sonhos dela. Vai saber?

Ficamos mais alguns meses, pois o proprietário optou em transformar o porão recém descoberto em adega.

Descobri mais tarde, através de antigos registros de jornais, que o médico que operou a minha alma e outras figuras influentes da época, foram assassinadas por terem se envolvido em uma "Organização" criminosa.

O Doutor Mizael estava certo quando disse ao Guilherme que eu tinha gravado dentro da minha cabeça uma história linda. Casei, tive filhos, netos e bisnetos. Os momentos de alegria superaram, e muito, os de tristeza.

Talvez eu até já esteja morta; talvez nós todos... e, um dia, quem sabe? Nós, fantasmas, vamos nos encontrar para rir dessa loucura toda que é a vida.

FIM

Luiz Cláudio Santos
Enviado por Luiz Cláudio Santos em 11/03/2018
Código do texto: T6277031
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.