Teste de Leitura - A maldição dos Crown

[Escrevi este capítulo para testar a forma de escrita e narração. Caso o feedback seja positivo, continuarei a obra seguindo este "piloto". Espero que ao lerem, deixem opiniões e críticas (positivas ou negativas) sobre o texto. Agradeço desde já.

OBS: O conto ainda não possui título oficial, apenas este provisório.]

CAPÍTULO I

Talvez fosse pelo frio da noite chuvosa. Ou talvez fossem pelas roupas encharcadas. Talvez, quem sabe, fosse devido as altas doses de café bebidas insaciavelmente horas antes. Não se sabia o motivo das mãos trêmulas de Augusto Malone. Observado por seus quatorze, amedrontados, companheiros policiais. Estava em pé, como uma estátua, em frente ao velho galpão de depósito da zona portuária de Portal da Neblina. Segurando em sua mão um revolver carregado e pronto para disparar, olhou com firmeza para seus companheiros, fez um breve sinal com a mão convocando-os para seguir em frente. A noite não lhe ajudou. Nunca lhe ajudara, pra ser sincero. Negra, fria e chuvosa para Malone, como sempre, serviu de cúmplice para a fuga de seu “inimigo invisível”. Seguiram pelo lamacento pátio em direção a porta entreaberta do galpão, de onde se derramava uma tênue luminescência amarelada. Malone estava tão absorto em pensamentos que não percebera o terror no rosto de seus companheiros que a cada passo sentiam vontade de fugir. Policiais comuns destacados para acompanhar o investigador para a quarta denúncia de rituais mágicos, e muitos deles mal sabiam manejar um revolver. Estremeciam ainda mais com o som aterrorizante dos trovões e com os clarões de raios impetuosos. Os céus derramavam uma chuva pesada sobre Portal da Neblina a noite toda, e mesmo as quatro da madrugada ainda estava intensa. O som da água chocando-se com os telhados de telhas de barro vermelhas assustava ainda mais os pobres policiais. Mas nada parecia abalar Malone, nada lhe tirava a concentração em seja lá o que estava pensando, apenas avançava. Trêmulo, mas não de medo. Talvez de angústia, ou de perplexidade por perder novamente os rastros de seu inimigo.

Aproximaram-se do galpão, aparentemente, vazio. A denúncia que os trouxe até o local partiu dos prédios vizinhos relatando sons aterrorizantes e odores nauseabundos em meio a noite chuvosa e barulhenta. Vizinhos ao galpão foram pegos de surpresa enquanto preparavam-se para o incio de uma noite de descanso por coisas estranhas rondando a área. Os sons de passos apressados nos pátios, sons de asas frenéticas, balbucios sinistros, vultos aterrorizantes cruzando entre feixes de luz dos postes, e as misteriosas mariposas brancas colidindo nas janelas da cada prédio. Além das mil vozes, de idiomas desconhecidos, numa orgia sonora partindo das entranhas do galpão.

Eram semelhantes aos quatro últimos relatos, porém, para Malone, este parecia ter logrado êxito em seu propósito.

Empurrou a velha porta de madeira, e deixou ainda mais aquela luz amarelada se derramar para fora do galpão. Olhou decepcionado para o lugar vazio, apenas com os utensílios e símbolos ritualísticos deixados para trás. Inúteis para a investigação, pois acumulavam-se objetos semelhantes nos arquivos de investigação nas delegacias. Logo entraram seus companheiros. Como formigas, invadiram o lugar registrando, fotografando, coletando e preservando áreas. Inutilmente como pensava Malone. Era o quinto local de rituais mágicos flagrado, e nada de útil ou incriminatório havia sido coletado. Para um investigador renomado e de grande fama era terrivelmente perturbador não conseguir elucidar um caso tão direto e recheado de provas. Isso incomodava ainda mais a alma de Malone, que ao longo das investigações definhava seu espirito de justiça.

O maior problema não eram os rituais, ou os incômodos com sons e odores terríveis, mas sim os relatos de profanações em túmulos e roubos de cadáveres que sempre antecediam tais rituais. Para a polícia, havia forte indício de conexão entre os casos. Mas nada podia ser provado, pois nos casos de profanações em cemitérios, nenhuma prova havia sido deixada, além da cova escavada e o caixão vazio aberto ao lado. Mesmo com reforços vigiando alguns cemitérios da cidade, muitas covas foram abertas misteriosamente, mesmo com a presença de policiais nos locais.

A chuva ainda caia lá fora e o frio ainda mais intenso. Estava na porta, olhando para a rua. Para os prédios e para as luzinhas nas janelas que acendiam e apagavam revelando cabecinhas curiosas fitando a operação. A perplexidade em seu rosto era nítido até mesmo para o mais afastado curioso dos prédios vizinhos. Não chorou, talvez, pela falta de motivação em sua alma já desintegrada. A roupa molhada lhe presenteou com um resfriado, e já sentia as dores no corpo cansado. Algo correndo entre as vielas dos prédios lhe chamou a atenção. Uma figura esguia, rápida e sorrateira esquivava-se entre as vielas fugindo da luz dos postes adentrando um pequeno portão mais a frente, sumindo na noite tempestuosa. Malone mal importou-se. Estava cansado e frustrado demais. Virou-se, a fim de encerrar a operação e convocar seus colegas para voltarem à delegacia. Estavam concentrados em suas funções, anotando e fotografando absolutamente tudo. O ânimo e esperança daqueles policiais causava inveja em Malone. Esboçou um pequeno sorriso amarelado para eles, e os chamou.

- Por hoje é só, homens! Não temos mais nada para fazer aqui. - o desânimo na voz era nítido demais. - Vamos voltar, está tarde.

Todos ouvindo consternados com a situação do colega começaram a reunir os equipamentos para partirem. Niels Linsen, um jovem policial entusiasmado com a profissão, auxiliava seu colega que registrava o ambiente com sua câmera. Niels carregava as bolsas e auxiliava no posicionamento da câmera. Quando estavam de saída, Niels acabou deixando cair sobre um recipiente ovalado e raso, contendo certa quantidade de um pó cinza fosforescente, uma peça da câmera, rapidamente abaixou-se e enterrou sua mão naquele recipiente. Ao ver o jovem rapaz “contaminando” uma prova, Malone desesperou-se, seu semblante cansado e desanimado assumiu um aspecto de pavor e receio. Andou rapidamente em sua direção desviando e afastando seus colegas que se dirigiam em grupo para a porta. Malone gritou, chamando atenção de todos, mas era tarde demais. Ao tocar o pó, uma reação, talvez, química ocorreu. O jovem afastou-se do recipiente aos berros erguendo sua mão que desintegrava-se em sangue e algo semelhante a areia. Caiu ao chão e debatia-se agoniado enquanto seu braço, tronco e o resto do corpo eram devorados pela ação daquele pó fosforescente, restando apenas um amontoado de areia e sangue borbulhantes e nauseabundo. Todos olhavam perplexos, amedrontados, petrificados pela horrenda cena. Malone, de olhos esbugalhados, aproximou-se cautelosamente comprovando a morte de seu jovem colega. De repente do meio daquele monte horripilante surgiram milhares de vermes, gordos e amarelados, debatendo-se uns sobre os outros, devoravam aquela massa nojenta e emitiam um som estridente e perturbador. Muitos dos homens mais covardes fugiram porta a fora, alguns mais corajosos e curiosos ficaram com Malone. Os vermes, não encontrando mais nada para devorarem, começaram a devorar uns aos outros, restando apenas um único verme, gordo e robusto, muito maior que os primeiros. Malone sacou seu revolver. Não estava mais trêmulo, e seus companheiros podiam notar claramente algo em seu rosto. Algo que poder-se-ia chamar de “alegria”, ou até mesmo “um brilho de esperança”. Atirou várias vezes no horrendo ser que vazava um líquido branco, mal cheiroso e ácido. Logo não havia mais nada, além de uma mancha escura no lugar em que o verme havia morrido.

A chuva havia cessado, apenas uma garoa muito fina caia como neve lá fora. A névoa estava chegando, como de costume, e a noite ficaria ainda mais escura e densa.

Lacraram o local e reuniram-se em frente ao galpão, quase imersos na densa névoa. Sérios e desnorteados, entreolhavam-se, sem trocar uma única palavra. Até que o silêncio foi quebrado por Malone.

- Não sei por onde começar, sinceramente. Ainda não consigo compreender o que houve aqui. Isso está muito além do que minha mente consegue aceitar. Ainda me pergunto se tudo fora real. Pergunto a vocês, sejam sinceros, também viram o que vi? Preciso saber se não estou enlouquecendo.

Todos, unanimemente concordaram com o que viram, acenando positivamente com a cabeça. Não conseguiam ainda pronunciar nenhuma palavra.

- Precisamos urgentemente nos aprofundar neste caso. Não é mais uma caça a meliantes e garotos praticantes de magias e fantasias. Isto é sério demais. É um risco para toda a sociedade. Se mais dessas coisas aparecerem, seria um caos, uma catástrofe sem tamanho.

Todos concordavam. Olhavam para Malone como se fosse o único em que poderiam confiar e refugiar-se, como se o mundo os quisesse devorar, como fora com seu colega.

- Vamos voltar para a delegacia agora. Guardar o que restou das provas, ligar para a família de Niels, e logo, descansarmos, pois de agora em diante o cerco contra quem fez isso será maior. Procurem não comentar sobre os acontecimentos, avisem seus colegas que fugiram. Não podemos permitir que este lugar vire um ponto turístico. Agora... vamos!

Entraram em seus veículos. Mudos e reflexivos rumaram para a delegacia e logo para suas casas. Não trocaram nenhuma palavra, nem mesmo com suas esposas. Mas o sono não lhes visitou esta noite, e de olhos abertos e mentes borbulhantes passaram em claro, remoendo os acontecimentos. E por fim, a noite de terror se encerrava com a luz amarelada surgindo no horizonte, rompendo a cortina de névoa sobre Portal da Neblina.

Daniel Gross
Enviado por Daniel Gross em 15/05/2018
Código do texto: T6337282
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