AGONIA
   

   
...foi tremendamente horrível o que aconteceu, após o sexto dia sem nenhuma provisão, sem nenhuma comida ou água, e mesmo depois de termos a coragem – E que deus me perdoe por isso – de comer um homem, continuamos, Michel foi o primeiro a morrer, ainda me lembro de seu rosto, do medo que sentiu antes da morte o encontrar naquele quarto sujo e fedido. Nunca senti sentimento tão excruciante de aflição como naquele momento, ver aquele rosto pendurado sob minhas mãos, deformado pelas queimaduras do sol, mas que um dia representava um homem de patente, justo e acima de tudo, serviu ao meu lado em dezenas de missões. Quando não pude mais aguentar o peso em meus olhos, levantei um pedaço de seda e forrei-o de ponta a ponta. Não esqueci de deixar sobre sua mortalha, a cruz sempre levou no peito, e continuara, sei que vai... Não posso dizer ao certo quantos já se morreram antes de Michel.
   Ramires, tudo começou com aquele homem. Há quase um ano, quando cruzamos o pacifico, algo estava nos seguindo, não tenho certeza desde quando isso começou, mas talvez ele tivesse sido a causa de não conseguirmos nenhum peixe por vários dias, e ainda assim Ramires piorou tudo. Ao entrarmos no circo polar ártico, encontramos com um grupo de pescadores orientais que voltavam para a casa e tendo abordado sua embarcação percebemos algo estranho, todos estavam sofrendo de uma doença estranha, acometida por um tipo de liquido escuro e oleoso que escorria por diversas erupções na pele e principalmente nas costas. Ramires reuniu os oficiais e decidiu que eles ofereciam riscos a tripulação, já que podiam nos infectar. Um dos pescadores suplicou ajuda, mas Ramires lhe cortou a garganta, e fez o mesmo com os outros cinco no barco e em seguida fez com colocassem os corpos dentro do barco e ateassem fogo neles e tenho certeza que de alguma forma aquilo deve ter irritado a coisa.
   Começou com um ou dois desaparecidos, na manhã seguinte foram quatro e depois cinco e depois mais e mais e mais, até que poucos de nos sobressem, nunca descobrimos como ou quando, ainda que estivéssemos em grupo aquela coisa nos atacava, independente se era de dia ou de noite, nem ouvíamos o grito deles, nem um suspiro, nem um pedido de socorro, apenas silencio, mas depois ele não atacou mais desta forma, após vermos a sombra dele na água, aquilo começou a parecer à noite, ele caminhava pelo barco, escondíamos, ou pelo menos tentávamos e aqueles que conseguiam como eu, ficavam para ouvir o grito descarnado daqueles ao qual a coisa conseguia alcançar, gritos de desespero e terror. Talvez tenha se cansado, ou talvez tenha se alimentado tanto que decidiu ver de perto definharmos até a morte, afinal sabia que estávamos sem provisões e a água duraria poucos dias, provavelmente nosso gosto tenha dito a ele sobre o maldito escorbuto.
   Estamos na metade janeiro, não sei dizer ao certo que dia, já que eles também se perderam, junto a fome que sinto agora, poderia até mesmo comer este papel ao qual escrevo em demasiada dificuldade. Olho para a polpa, de frente do mastro e o que vejo é uma imensidão azul, léguas e léguas de azul, vejo também o comandante e poucos marujos caídos sob o convés, alguns talvez já estejam mortos pelo Escorbuto.
   Max saiu para buscar ajuda, mas não voltou. Já fazem semanas, ou talvez meses, não sei mais. Se alguém estiver lendo isso, por favor, peço que saia o mais rápido possível, tem alguma coisa na água, e ela está te observando agora...
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 01/06/2018
Reeditado em 01/06/2018
Código do texto: T6352142
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