O Ipê ao pôr do sol

Taubaté, 1917

Antônio Lopes de Almeida contempla o belo campo à frente de sua fazenda. Ele sempre amou aquela terra. Todo fim de tarde ele senta-se em sua cadeira de balanço para contemplar o espetáculo que é ver o dia aos poucos se esvaindo e cedendo lugar à noite.

Os últimos raios de sol incidem sobre a paisagem inundando de beleza o morro, o campo e um belo ipê que emprestam uma beleza ímpar àquele lugar. Em pouco tempo a noite chegará e será hora de recolher-se.

Há muitos anos que ele faz isso com rigorosa precisão. É um ato solitário. Mesmo que esteja acompanhado por algum filho ou neto, mesmo que a prosa esteja muito boa, sempre há uma certa melancolia e uma lembrança que o velho Antônio nunca compartilha com ninguém.

Mais um fim de tarde e Antônio encontra-se sentado em sua varanda para apreciar o dia que termina. Esse é um momento em que as preocupações do cotidiano deixam de existir. Seus olhos vagueavam pela paisagem quando seu semblante assume um ar de estranhamento. Uma sensação de que algo está diferente na paisagem à sua frente. Mas o que está diferente? Por mais que tente ele não consegue dizer o que está mudado, apenas sente que alguma coisa está alterada.

Outro final de tarde e mais uma vez a sensação de que algo está diferente na paisagem. Novamente o velho Antônio não sabe dizer o que mudou. Nessa noite ele foi dormir lembrando, como sempre fazia, de fatos que só ele sabia. Como ele gostaria de voltar no tempo e mudar tudo ....

Taubaté, 1867

Como ela era bonita! Seus olhos não cansavam de admirá-la. Ela não deveria ter dezoito anos ainda, sua pele tinha aquele tom aveludado e seus olhos de um castanho profundo que lhe encantava.

Ele era apaixonado por ela, dormia pensando nela e ao longo do dia perdia a conta de quantas vezes se flagrava imaginando ela nos seus braços. Ele sabia que nunca ela seria sua, não da forma como ele imaginava. Ele tinha por ela uma paixão escondida e proibida. Izabel era uma das escravas da fazenda de seu pai.

A paixão e o desejo lhe corroíam a alma. Ele poderia toma-la à força, mas isso não bastaria. Ele queria o amor dela, queria desposá-la, mas seria impossível, pois seu pai jamais aceitaria tal insanidade. Fantasiava Izabel apaixonada por ele, os dois fugindo escondidos na calada da noite para viverem o seu amor em um lugar bem distante. Isso nunca aconteceria, ele era um fraco e jamais enfrentaria seu pai. Seu destino já estava traçado: ele casaria com a filha de algum fazendeiro rico e administraria a fazenda e a tão amada plantação de café de seu pai.

Chorou quando descobriu que Izabel andava se encontrando às escondidas com um outro escravo da fazenda. Chorou mais ainda de desespero e desilusão quando ficou claro que ela jamais se apaixonaria por ele. Passou a odiá-la. Pensou em matar o escravo que ousou roubá-la dele. Pensou em ir embora para São Paulo, mas ele era o primogênito de seu pai e em breve herdaria aquelas terras. Ele se odiava por ser tão fraco e incapaz ...

Ele não permitiria que Izabel fosse de outro homem. Certa noite ele enterrou o seu amor em uma cova funda situada bem no campo à frente da fazenda. Nunca mais Izabel foi vista e durante muito tempo perguntou-se o que teria acontecido a esta. Nunca souberam de fato e Izabel permaneceria enterrada em sua cova. Jamais desconfiaram de Antônio pois sua paixão era escondida de todos, nem Izabel sabia que despertava tanta paixão no filho do dono da fazenda.

Com o passar dos anos ele percebeu que um belo ipê foi crescendo justamente onde Izabel havia sido enterrada. Aos poucos ele foi se afeiçoando aquela árvore. Uma bela árvore como Izabel havia sido ....

Taubaté, 1917

Outro final de tarde e o velho Antônio está mais uma vez em sua melancólica contemplação. Algo está mudado em sua amada paisagem. Mas o que mudou? Tudo está lá como sempre esteve, o campo verde, as árvores, o morro, o ipê ... “Meu Deus, o ipê! ”... é só o que este consegue falar. O ipê estava diferente, parecendo estar mais próximo da casa da fazenda.

O dia seguinte encontra novamente Antônio em sua varanda e mais uma vez com horror ele observa que o ipê está mais próximo. Uma sensação indescritível toma conta de si. Ele decide não falar nada para ninguém pois sabe que jamais acreditariam nele. Ele gostaria de ser uma pessoa mais aberta com os demais, ele nunca foi um homem de falar o que sente. Agora estava muito velho para isso.

Certa vez ele estava com seu filho mais velho na varanda e em meio a conversas variadas percebeu que este nada via em relação à mudança na posição do ipê.

Todas as noites ele ia dormir lembrando do que fizera há cinquenta anos atrás. Todas as noites ele dormia sabendo que sua vida nunca valera a pena.

A cada pôr de sol o ipê sempre ficava mais próximo da fazenda ...

Perto de completar setenta e cinco anos de idade o velho Antônio contempla a beleza do ipê com suas folhas em tonalidades de lilás. Bastaria ele estender a mão que, de sua varanda, ele tocaria em suas folhas. A bela árvore está agora praticamente plantada junto a varanda.

O próximo pôr de sol encontra o velho Antônio morto. Em suas feições um misto de terror e resignação.

Pouco tempo depois, sem que ninguém sequer percebesse, a bela árvore também deixou de existir.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 01/06/2018
Reeditado em 12/07/2018
Código do texto: T6352754
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