HEMORRAGIA

1

Meia noite, que hora agradável, que sensação única e saborosa. O quarto de Dom Cavalcante cheira a charuto e sangue. Na cama gigantesca e redonda, duas adoráveis donzelas, seminuas, seios amostras e pernas entrelaçadas. Elas se beijam e trocam grunhidos. Dom olha da janela a chuva forte que faz daquela noite algo ainda mais extraordinário. Carmelito Cavalcante, um ser que ultrapassa a fronteira da formosura, alto, esbelto, no peito apenas alguns pelos negros e longos cabelos castanhos. Os olhos azuis o deixam ainda mais com um aspecto selvagem, diabólico. Ele fecha devagar as cortinas e se volta para a cama. Bate uma ligeira palma chamando atenção das meninas.

- Hora de ir, garotas.

Uma delas, uma negra linda de cabelos escorrido protesta.

- Mais já, achei que o senhor queria mais diversão, veja.

As duas começam a se abraçar, a se beijarem e para deixar o senhor ainda mais acesso, elas gemem. Carmelito sente seu membro ficar ereto, mais uma vez. Ele não quer mais fazer sexo, mas é mais forte que ele.

- Tudo bem, vocês venceram, mas será a última, certo?

- O senhor não irá se arrepender. - diz a loira de seios fartos.

Enquanto faz sexo com as duas, Cavalcante exibe seu lado tenebroso, seu rosto fica desfigurado, ele se transforma num ser horripilante com seus dentes pontiagudos, até seu tom de pele muda. A mulher negra enquanto pratica equitação no colo de seu mestre exige que o mesmo a queime por dentro com seu sêmen. Carmelito sabe que isso não acontecerá tão cedo. Ele já ejaculou três vezes e se acontecer será em menor quantidade. Ele se esforça, sua respiração se torna pesada. As mulheres não param de esbanjar sensualidade até que o mestre da noite solta seu grunhido. A mulher sente o líquido denso e quente além do normal consumindo-a.

- Argh!

A negra cai de lado segurando sua parte íntima, quase chorando. A outra tenta ajudá-la.

- Amiga, venha, vou lhe preparar um banho.

- Fora, as duas, já. - exige Cavalcante se levantando.

*

Mais uma vez ele está sozinho naquele quarto enorme. Carmelito vai até a janela vestido com seu roupão. A chuva não diminuiu. Como ela lhe traz recordações, boas recordações. O ano era 1788. Ano em que ele conheceu a jovem Carmem, uma linda menina branca de olhos negros. Eles se apaixonaram logo de cara e fugiram da festa de aniversário de seu pai, Dom Nilo. Cavalcante se lembra que Carmem era uma mulher fogosa e dominante. Em todos os encontros o sexo era de direito. Em 1790 Carmem foi morta por um caçador numa emboscada. Ele não pode fazer nada. Foi doloroso vê-la se desfazer em um monte de cinzas. Carmelito acreditava piamente que Carmem seria sua esposa, mas quis o destino que ele a perdesse daquela forma.

2

Depois de um pesadelo Carmelito abre os olhos. Que barulho foi esse? Ele se levanta, coloca seu sobretudo preto e corre até a porta do quarto e aperta o ouvido contra a madeira. Gritos e muito barulho. De repente uma rajada de metralhadora e mais gritos. Dom Cavalcante abre a porta sem fazer barulho e dá de cara com uma de suas garotas.

- Fuja meu senhor, eles estão aqui.

- Sonja, o que houve?

Tarde demais, a mulher se desfaz em cinzas. Carmelito anda apressado corredor a dentro. Uma flecha passa a centímetros de sua cabeça. Atrás uma voz conhecida ordena que ele se entregue.

- Toda a casa está cercada, não adiante fugir Carmelito. - diz Heitor segurando seu arco.

Claro que não. Dom Cavalcante acelera e passa a correr. Outra flecha. Carmelito ganha a cozinha ali ele tenta se armar com alguma coisa. Uma faca de carne, ele a encontra sobre a pia. Heitor aparece na porta esticando seu arco contra o peito do Dom.

- Vai morrer seu diabo.

É incrível a falta de pontaria de Heitor, ele erra mais uma vez e isso lhe custa um corte no braço. O sangue escorre e isso faz com que o vampiro salive. Mais uma tentativa de acertar o monstro.

- Eu preciso de ajuda aqui. - grita para os companheiros.

Nervoso, Dom Cavalcante se transforma num espécie de morcego tamanho gigante. As pernas de Heitor ficam bambas e o pavor toma conta de seu corpo por inteiro.

- Cristo!

Um rapaz com uma metralhadora aparece para dar auxílio ao amigo ferido. Ele dispara na direção do demônio que abre voo batendo com suas asas negras no teto.

- Ele está cercado, atire pelo amor de Deus. - implora Heitor.

Mais uma forte rajada é disparada. Cavalcante tem o corpo perfurado e mesmo assim ele ataca. Seus dentes encontram a carne estressada do jovem da metralhadora. O pescoço é lacerado jorrando sangue nas paredes e até no rosto de Heitor que se urina.

- Me deixe em paz. - grita Dom.

tremendo e sentido que será morto, Heitor se prepara para lançar mais uma flecha. Essa ele precisa acertar, precisa. Ele estica o máximo que pode. Faz uma curta reza. Fecha os olhos e solta. Quando abre lá está o monstro segurando a flecha.

- Não! - se apavora.

Carmelito volta ao seu estado normal. Ele já não é mais aquele bicho horrível de asas enormes. Ele olha para Heitor que cai ajoelhado chorando clamando por sua vida.

- Não sou como vocês que matam suas pressas sem darem a elas uma chance.

- O que disse? - levanta a cabeça.

- O que ouviu. - joga a faca no chão. - Você invadiu minha residência e executou a todos mesmo sob os pedidos de clemência. O que você acha que merece?

Heitor abaixa a cabeça e olha a faca.

- Eu não o matarei, lhe darei uma chance de viver eternamente, assim como eu, o que acha?

- Eu jamais me tornarei um de vocês, jamais, eu prefiro a morte. - rosna.

Os olhos de Dom Cavalcante ficam vermelhos iguais a brasa viva.

- Diante disso não vejo alternativa.

Cavalcante avança pra cima de Heitor que faz um rolamento alcançando a faca. Eles se chocam. Heitor tem o pescoço cravado pelas unhas do vampiro. A faca entra até o cabo no peito de Carmelito. Heitor sente a queimação do ferimento cresce assim como o vampiro. Ambos permanecem naquela posição, olhos nos olhos. As bocas estão abertas, mas não emitem som. Sim, a força humana começa é menor, por isso Heitor aos poucos vai caindo. Seu sangue insiste em molhar a mão do bicho que sente que o seu final também está próximo. Por fim o caçador cai segurando o pescoço. A cada tossida o sangue esguicha. Os olhos esbugalhados indicam o pavor da morte.

Heitor já está morto quando Dom Cavalcante consegue se colocar de pé e arrancar a faca de seu peito. Da ferida uma pequena poeira de cinza começa a brotar. Cambaleante ele anda até os cômodos onde há corpos e montes de cinzas espalhados.

- Sonja. - grita. - Eduarda. - grita mais forte.

Com uma mão no ferimento da faca ele caminha até a sala. Um dos homens de Heitor ainda agoniza no chão com um buraco no peito. Ao ver o vampiro ele entra em desespero.

- Por favor, por favor. - se encolhe.

- Qual o seu nome?

- Vla, Vladimir?

A dor aumenta na medida em que as cinzas vão surgindo.

- Vladimir, você quer viver? - pergunta gemendo.

- Sim!

Mais uma onda de dor que obriga Cavalcante a se curvar.

- Beba do meu sangue, rápido.

Dom morde seu próprio punho e deixa escorrer o sangue que cai direto na boca do jovem. Mesmo contra sua vontade o líquido vai até sua garganta quase que o sufocando. Vladimir tosse bastante olhando para Carmelito que vai se desfazendo diante dele. A escuridão da morte vem de encontro ao jovem. Seus olhos ficam turvos e a respiração cessa. Morto finalmente.

*

Na boca um gosto de ferrugem. Os olhos ardem feito pimenta. A dor não existe mais. A ferida está no peito, mas não dói. Vladimir se levanta e vê um sobretudo preto com cinzas dentro. Ele gostou da peça de roupa, por isso ele a coloca. Melhor do que o trapo que usa. Ele olha ao redor e tudo que vê são corpos e sangue. Por falar em sangue, ele não sabe por que quer tanto provar desse líquido. Vladimir caminha até a porta da frente e olha o relógio pendurado na parede.

- Duas da manhã.

Novo ser. O garoto sai da casa em busca de comida. Seu estômago reclama. Os olhos pararam de arder. A ferida cicatrizou e a pele que já era branca passou a ser pálida feito cera de vela. Vladimir se transformou naquilo que caçou com veemência, um vampiro. Agora ele perambula pela noite chuvosa sem medo, sem receio. Na estrada escura ele vislumbra a cidade iluminada de longe. Que imagem. FIM

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 17/06/2018
Código do texto: T6366820
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