O Monstro

Nasceu Isso, Aquilo, o Monstro, a Coisa - sob qualquer alcunha que se queira dar a si - um produto da mente humana. Um produto ruim, aliás. Provindo de uma substância incutida em todos os seres vivos e principalmente inerente ao ser humano chamada medo. O medo é a causa da existência desse Monstro.

Passa a vida a perseguir as pessoas, a perturbar fazendo ruídos debaixo das camas, nas partes escuras dos guarda-roupas, nos becos mal iluminados, nas salas vazias de um hospital, nos cemitérios etc. Assume muitas formas, a depender de quem está assustando: criam-se tentáculos, garras, caninos afiados, caveiras, lençóis voadores (?), um animal peludo e tenebroso etc. Cada um tem o Monstro que quer para si.

Um dia, porém, a substância que o dá forma esgotou-se. O medo parou de ser produzido e a existência do Monstro tornou-se estapafúrdia, inútil. Ali ele estava, em todos os lugares, em todas as brincadeiras das crianças e em seus assuntos, mas não ajudava ele a estimular o sentimento de pavor nas pessoas. Faltava a querosene da chama do medo.

E o Monstro passou a perambular e contemplar sua existência em desgraça. Áureos os tempos de sustos e efetividades em sonhos obscuros, conhecidos por pesadelos. Estes que, com a ausência da substância, também tornou-se escasso. A humanidade, então, tornou-se mais feliz, mais risonha. A graça havia em tudo. Não havia mais motivo para temer.

Todos os lugares estavam bem iluminados. Todas as crianças cresciam a saber que monstros eram mero instrumento de sua imaginação. Muitos adultos passaram a perceber que detrás de palhaços há artistas que estão ali para servir diversão e entretenimento. Os idosos passaram a perceber que o estágio final, isto é, a Morte é irremediável e uma passagem natural da vida. Afinal, por que sentir medo?

E o Monstro, a cada cultura que visitava, decepcionava-se mais. Havia no fundo de si a utopia da volta de um mundo de horror e medo. Pensava na possibilidade de ver-se mais uma vez a assustar, a assumir formas, a vitimar pessoas com suas brusquidões e ruídos. Contudo, seu ser esvaía-se nessa imensidão de bravura, embora nunca tenha deixado de estar presente em todos os destemidos.

Guilherme Zelig
Enviado por Guilherme Zelig em 06/08/2018
Código do texto: T6410711
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