GAROTO MALVADO

 

António equilibrou-se do meio fio, cuspindo no vidro da janela do motorista. Edson assustou-se com a bola de catarro amarela fazendo um barulho molhado ao tocar na janela.
— Maldito... o que pensa que está fazendo.
Seu skate tinha vontade de voar naquele momento, descendo a avenida próximo aos vinte cinco quilômetros por hora. Um desvio de olhar, apenas um, e tombou após passar por cima de uma pedra, seu corpo lançou-se na direção do poste, batendo a lateral do pescoço com força suficiente para esmagar toda área e quebrar o pescoço, Edson pode ouvir de longe Stephanie gritando, vendo António agonizar no chão em seus últimos segundos de vida. O sangue vazou dos olhos e da boca, formando uma poça ao seu redor.
Era uma hora da tarde quando António chegou ao hospital mais perto, porém já estava sem vida. Edson acompanhou o corpo até o hospital dentro da ambulância, o rosto de Antónia tinha sofrido uma pancada tão forte que seu olho direito havia esbugalhado, saindo um pouco para fora. — Viu o que aconteceu? — Perguntou o paramédico, forrando a cabeça de António com um pano branco.
— Não. Só estava perto. Conheço os pais. Já liguei para eles.
— Contou que ele faleceu.
— Não. Achei melhor... — Edson engasgou, coçando o nariz. — Achei melhor que outra pessoa o fizesse.
 
Uma semana se passou, Edson deveria comprar uma dúzia de ovos para o jantar, mas algo o convencera a ficar no carro, um telefonema...
— Está tão frio aqui em baixo...
— António? — Indagou, reconhecendo a voz.
— Estou com frio.
Antes de responder, viu um sorriso desenhado na janela do carro o entorno de uma área embasada. Ele abriu a porta, colocando a cabeça para o lado de fora, mas não viu ninguém próximo do carro no estacionamento do supermercado. Ao fechar a porta, viu de relance pelo retrovisor António sentado no banco traseiro, com a mão posicionada sobre sua cabeça, seu rosto pendia na para o lado direito, esmagado, com pedaços ainda se desprendendo da pele. Ele se virou o mais rápido que conseguiu assustado, mas não havia ninguém no banco traseiro, somente uma sacola vazia e alguns papeis da escola.
Não conseguiu jantar, estava apreensivo e chocado com que havia acontecido, tentava colocar na cabeça que tudo não tinha passado de uma ilusão causada pelos calmantes.
— O que aconteceu querido... — Perguntou sua esposa no banheiro.
— Nada. — Respondeu deitando-se na cama.
Edson ouviu a torneira do banheiro aberta, e estranhamento aquele barulho de água corrente o deixou desconfiado. — Querida, não gaste muita água, fecha essa torneira.
Rebeca não respondeu.
— Querida, está me ouvindo. Fecha a torneira.
— Querida. — Berrou nervoso.
Ainda sem resposta, ele se levantou abruptamente, jogou o coberto com força para o lado e caminhou até a porta do banheiro.
— O que aconteceu... não está me ouvindo.
Ele pôs a cabeça para dentro do banheiro, entretanto, não havia ninguém no banheiro, apenas a torneira aberta, e um sorriso desenhado no espelho. Por um momento seus pulmões pareciam ter virado dois sacos de pipoca, estourando num susto aterrorizante. Logo seu celular tocou, vibrando dentro de seu bolso esquerdo.
— Como conseguiu uma mulher como ela professor...
De repente, não sabia o que fazer ou falar.
— António.
— Então se lembra de mim professor... — Respondeu António, num tom ligeiro.
— O que fez com ela?
— Sua esposa. Ela não precisava mais de você...
— O que fez com ela seu desgraçado.
— Calminha. Calminha. Não vá perder a cabeça... como eu... — Respondeu, então a linha ficou muda.
— Querido. O que está fazendo. — Perguntou Rebeca, entrando no quarto.
Edson observou o celular, que estava descarregado.
— Não acho que vá conseguir carregar na sua mão, não é mesmo.
Aliviado, Edson abraçou Rebeca com força, como a muito tempo não fazia.
 
Um mês e meio se passou após aquele episódio, e enquanto Rebeca viajava com seus avós, Edson continuou suas aulas no colégio. Larissa namorada de António havia desaparecido desde o dia de sua morte, já haviam tentado entrar em contato com a família, mas ninguém atendia. A maioria da turma estava abalada, após o vídeo do acidente vazar nas redes sociais, muitos ficaram traumatizados, e enraivecidos por terem colocado o vídeo de sua morte na internet.
— Não vai continuar a aula... — Ouviu a voz de António.
— Não vai continuar a aula? — Perguntou Jessica, uma de suas alunas.
Distraído, ele olhou para o quadro negro, e notou um desenho feito a giz vermelho, um sorriso aberto.
Edson começara a ter um ataque de pânico, ele deixou o livro que segurava na mão direita cair, em seguida ficou tonto e saiu da sala correndo, imagens passavam por sua cabeça, em sua maioria de António quebrando o pescoço, de sangue, de muito sangue, e de António perseguindo-o com o pescoço destroçado.
Enquanto corria, entrou numa área molhada que o faxineiro acabara de limpar. Seus pês se entrelaçaram uns nos outros e escorreu, indo de mal jeito na direção da escada... Edson acordou no hospital, contudo, não sentia seu corpo, nem conseguia abrir os olhos, mas pode ouvir alguém sussurrando, enquanto seu corpo era levado em cima de uma espécie de maca.
— Mais trabalho, mais trabalho, parece que não tem fim. E esse aqui...
Uma segunda voz respondeu num tom baixo.
— Chegou faz pouco tempo. Morreu hoje...
 
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 28/08/2018
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