A morte nas horas
Todos os dias é a mesma coisa. Trabalho em um escritório de contabilidade o dia inteiro. É uma atividade que já faço há muitos anos, não há segredos para mim nessa área. Tenho muita vontade de mudar de ramo profissional, mas acho que o tempo já passou e fiquei velho demais para tentar alguma outra coisa.
Queria ter uma máquina do tempo que me permitisse voltar e tentar construir uma outra vida para mim.
As vezes saio do trabalho e fico perambulando pela cidade sem ter nada mais para fazer. Não existe uma família esperando-me em casa, não existe uma namorada para sairmos e trocarmos carícias, não existe uma ligação para meu celular convidando-me para um chope ou uma pizza na próxima esquina. Gostaria de não ser do jeito que sou, mas isso é impossível. Resta-me viver uma vida opaca e sem luz. Tudo o que há é uma existência atonal, amorfa e sem cores.
Ando pelas noites tropeçando em mendigos e cachorros vadios. Ruas sujas e prédios com formas feias são indiferentes a minha presença. Muitas vezes durante essas andanças pego-me mergulhando em pensamentos de autocomiseração e de dor. Por que eu sou assim? Eu gostaria de soltar uma bomba no mundo que tivesse o poder de aniquilar com todos aqueles que nunca me olharam. Gostaria de criar um algoritmo que mudasse a estrutura das coisas de uma só vez, mas sou apenas o cara da contabilidade.
Encosto a arma em minha têmpora. Basta um movimento de meu dedo e saberei se existe algo além das horas que escorrem feito água por minhas mãos. Apenas um apertar de gatilho e meus átomos se reconfigurarão em uma coisa que sequer consigo imaginar. Comprimo o dedo ...
Abro os olhos e vejo um homem sentado em uma mesa. Computador, canetas, solidão e papéis com gráficos compõem o cenário de sua vida.
O dia termina e o homem segue em andanças sem fim por uma cidade suja e indiferente a sua existência.