A morte nas horas

Todos os dias é a mesma coisa. Trabalho em um escritório de contabilidade o dia inteiro. É uma atividade que já faço há muitos anos, não há segredos para mim nessa área. Tenho muita vontade de mudar de ramo profissional, mas acho que o tempo já passou e fiquei velho demais para tentar alguma outra coisa.

Queria ter uma máquina do tempo que me permitisse voltar e tentar construir uma outra vida para mim.

As vezes saio do trabalho e fico perambulando pela cidade sem ter nada mais para fazer. Não existe uma família esperando-me em casa, não existe uma namorada para sairmos e trocarmos carícias, não existe uma ligação para meu celular convidando-me para um chope ou uma pizza na próxima esquina. Gostaria de não ser do jeito que sou, mas isso é impossível. Resta-me viver uma vida opaca e sem luz. Tudo o que há é uma existência atonal, amorfa e sem cores.

Ando pelas noites tropeçando em mendigos e cachorros vadios. Ruas sujas e prédios com formas feias são indiferentes a minha presença. Muitas vezes durante essas andanças pego-me mergulhando em pensamentos de autocomiseração e de dor. Por que eu sou assim? Eu gostaria de soltar uma bomba no mundo que tivesse o poder de aniquilar com todos aqueles que nunca me olharam. Gostaria de criar um algoritmo que mudasse a estrutura das coisas de uma só vez, mas sou apenas o cara da contabilidade.

Encosto a arma em minha têmpora. Basta um movimento de meu dedo e saberei se existe algo além das horas que escorrem feito água por minhas mãos. Apenas um apertar de gatilho e meus átomos se reconfigurarão em uma coisa que sequer consigo imaginar. Comprimo o dedo ...

Abro os olhos e vejo um homem sentado em uma mesa. Computador, canetas, solidão e papéis com gráficos compõem o cenário de sua vida.

O dia termina e o homem segue em andanças sem fim por uma cidade suja e indiferente a sua existência.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 16/09/2018
Reeditado em 16/09/2018
Código do texto: T6450004
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