Fazendo as malas

Estava eu em mais um dia na lavanderia, de sexta-feira, como de costume. Morar sozinha em um apartamento me impede de executar algumas atividades, e uma delas é a de lavar as roupas. Outro fator é que quase não fico em casa, sempre ocupada com o serviço, mesmo não trabalhando em um lugar fixo.

Peguei a sacola de roupas e comecei a jogar as peças dentro da grande máquina prateada. A maior parte delas tinha pelos da Dora, minha gata, além de fios do meu próprio vasto cabelo moreno.

Coloquei e preparei as roupas para serem lavadas, e sentei na fileira de cadeiras que ficavam de frente para as várias máquinas prateadas. Olhando para o vidro daquela que lavava minhas peças, via o reflexo do meu rosto, mostrando minha pele pálida, e os ossos se destacando nas “maçãs” do meu rosto. Realmente precisava começar a seguir os conselhos de algumas amigas, de tomar sol e me alimentar direito.

Pelo canto do olho, percebi que alguém se aproximava. Se tratava da Sra. Graça, que sempre frequentava o lugar também.

- Olá querida, como está hoje?

- Estou bem e a senhora?

- Tirando as dores nas costas, tudo vai bem – disse ela, que já não realizava muitas tarefas domésticas devido as dores pelo corpo.

- Está tomando seus remédios?

- Estou sim, minha filha. Mas já não estão adiantando mais.

- É uma pena – respondi, sem pensar em nada melhor para falar. Ela sorriu para mim, e ficamos alguns segundos em silêncio, o que era normal quando ficávamos sem assunto, ou sem nenhuma novidade para contar.

Ela ajeitou seu vestido florido e levantou.

- Querida, minha roupa já está quase pronta, vou lá preparar o cesto para recolher. Te vejo na próxima semana!

- Com certeza Sra. Graça, até sexta que vem!

Ela se afastou. As nossas conversas sempre eram vagas e semelhantes, como se seguíssemos o mesmo roteiro toda semana.

Os frequentadores da lavanderia nas sextas pela manhã quase sempre eram os mesmos. Mas passando o olhar pelo lugar, notei alguém diferente ali, na fileira de trás. Na verdade, o que mais me chamou a atenção era a aparência e vestimenta daquele homem. Ele vestia um tipo de camisola cinza apenas, e estava descalço. Só que além disso, sua pele era muito branca, apresentando manchas roxas em volta do pescoço e do rosto. Olhei para o lado, para ver se alguém mais estava notando a presença daquele homem, mas parece que ninguém se importava em observá-lo.

Quando ele terminou de colocar suas roupas na máquina, virou para se sentar e então percebi algo na lateral direita de sua cabeça. Havia dois machucados redondos ali, só que com o sangue seco, como se já não tivesse mais sangue vivo correndo pelo seu corpo.

Quando ele se sentou, percebi que estava o observando de forma indiscreta e desviei o olhar. Senti alguns calafrios, porque nunca tinha visto ninguém com aquela aparência, apenas defuntos.

Afastei os pensamentos da minha mente e me concentrei em apenas esperar a máquina acabar de lavar minha roupa. Não resisti e acabei o olhando mais uma vez. Ele continuava sentado, olhando para frente. Pelo que pude perceber em seu olhar, quando ele tinha virado para se sentar, era um olhar frio e sem expressão. Tudo aquilo era bem assustador.

Após alguns minutos, a máquina apitou, e eu recolhi a roupa e a coloquei na sacola, ajeitando da melhor forma possível. Quando estava pronta para sair dali, olhei de novo para o estranho homem e para meu azar, ele estava me encarando. Realmente seus olhar era inexpressivo, como se não houvesse mais vida por ali.

Ele sorriu para mim, e para meu espanto, percebi que além de seus lábios roxos, seus dentes pareciam podres. Para minha maior surpresa ele disse, com uma voz seca:

- Achei melhor lavar essa minha roupa, já que agora ficarei para sempre com ela.

Ao ouvir aquela voz seca e gélida, e sem nem tentar entender o significado daquela frase, peguei minha sacola e saí o mais rápido possível dali, inteira arrepiada e com o coração acelerado.

Otávio Chagas
Enviado por Otávio Chagas em 30/10/2018
Código do texto: T6490264
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