Por que não se deve incomodar os mortos?

Naquele momento mágico em que os quatro adolescentes guardaram simultaneamente seus celulares nos bolsos e, entediados olharam uns para os outros a pergunta simplesmente surgiu:

---- E então? Vamos fazer alguma coisa diferente hoje? - José perguntou sabendo exatamente como deveria responder a próxima pergunta para executar o plano que acabara de inventar para assustar seus amigos e se divertir.

---- O que por exemplo? - Perguntou Ana, imaginando as “coisas diferentes” que sempre faziam, como roubar bebidas do seu pai ou então fumar um baseado que sempre trazia em sua bolsa.

---- Que tal conversar com a minha avó? - José respondeu com um ar de mistério em seu rosto.

---- Mas ela não morreu no começo do ano? - Leticia questionou, lembrando de terem ido no velório.

---- Morreu sim, mas, ela me deixou um meio de falar com ela!

---- Um telefone para outro mundo? - Zombou Antonio.

---- Quase isso! Não tem chamada de voz, é só mensagem de texto, mas, serve!

---- Mensagem de texto? Como assim? - Antonio perguntou imaginando algo incrivelmente longe da realidade.

---- Venham ver! - José chamou.

Os curiosos amigos foram levados pelos corredores menos conhecidos da casa, entram em um quarto completamente tabu desde o falecimento da Avó e finalmente chegaram em um grande armário de madeira escura que exalava um nada discreto aroma de bolor e naftalina. José abriu a porta, e retirou de lá uma caixa encapada com seda vermelha.

Os três amigos curvavam-se de curiosidade sobre os ombros de José, enquanto ele abria a caixa para revelar um tabuleiro Ouija fabricado a décadas atrás, porém, perfeitamente conservado.

---- Ah! O tabuleiro da sua avó! - Antonio se animou – Lembro que ela sempre repassava os conselhos dos espíritos pra gente!

---- É mesmo! Ela me disse pra ligar pra minha prima, adivinhou que ela estava mau, precisando conversar… - Ana comentou – Como é esse tabuleiro? Deixa eu ver? Onde que liga? Ele tem emojis?

---- Claro que não tem emojis! De onde você tirou uma coisa dessas?

---- Ah! E como vai saber se espírito está brabo? Ou feliz? Você que já usou Zé, como funciona?

---- Não, ela nunca me deixou usar – reclamou José – Dizia que não era para brincar com os mortos… Isso não era uma brincadeira… - José imitava a voz rouca de sua avó - Mas, ela passava a noite inteira conversando com meu avô e as amigas mortas dela.

---- Quer saber? Não acho isso uma boa ideia não! - Letícia lembrava bem de como a idosa era ciumenta quando se tratava daquele tabuleiro.

---- Larga mão de ser cagona! - Antonio havia acabado de bolar um plano para assustar seus amigos, mas antes, precisava que todos concordassem.

---- Não precisa ter medo. É só um jogo! - Ana explicou – E na maior parte das vezes ninguém morre. - Ana zombava e também estava se divertindo com a ideia de fazer perguntas ruins e empurrar o cursor para respostas horríveis, a fim de assustar seus amigos, e ingenuamente, imaginou que ela era a única a ter este pensamento.

---- Ta bom… Ta bom… Mas só um pouco. E se eu ficar com medo, eu vou embora. - Leticia estava se fazendo de covarde para que ninguém suspeitasse que ela, como todos os outros, pretendia influenciar as respostas do espírito para causar temor.

---- Beleza! Vamos lá na sala então! - José convidou.

---- Na mesa redonda? - Ana quis saber.

---- Sim! Lá mesmo!

Após algumas explicações, algumas velas acesas, algumas risadas descontroladas e algumas fotos para as redes sociais, o cenário estava montado: Tabuleiro Ouija sobre a mesa redonda, quatro adolescentes fingindo estarem concentrados e, cada um querendo pregar um susto no outro.

---- Tem alguém ai? - José perguntou e começou a empurrar discretamente o cursor em direção ao sim.

---- Quem está empurrando? - Perguntou Antonio.

---- Eu não – Falou Leticia.

---- Nem eu – Mentiu José enquanto puxava para o centro do tabuleiro – Vó? É você?

“SIM” - desta vez o cursor se moveu muito mais rápido, por que todos acharam uma ótima ideia empurrar para esta resposta.

Seguiram-se muitas perguntas bobas, sobre como era estar do outro lado, e nenhum dos quatro percebia que todos estavam sincronizados em empurrar o cursor rapidamente para o sim ou para o não.

---- Qual de nós quatro vai morrer antes? - Antonio perguntou já sabendo que a pergunta deixaria os outros incomodados com qualquer que fosse a resposta.

O cursor se movia rápido, cada um tinha a impressão de estar empurrando formando as letras da pior resposta possível.

“hoje as 15:30 todos vocês morrerão”

---- Você está empurrando! - Leticia acusou Antonio!

---- Que brincadeira besta! - Ana acusou José!

De súbito, os quatro celulares começaram a receber notificações. Todas com a mesma mensagem de remetente anônimo:

“Hoje , as 15:30, todos vocês morrerão...”

---- EI! Parem com isso! Isso não é legal! - Leticia agora tinha mesmo medo.

---- Antonio?! Como você fez isso? - Perguntou José!

---- Eu não fiz nada! Que loucura é essa!? - Antonio estava apavorado, tentando silenciar as centenas de mensagens que não paravam de chegar.

---- Acho que deixamos ela braba com as perguntas...

---- Merda gente, porque essa merda não tem emojis?! - Ana grita para chamar atenção – Meu Deus!Olha a hora! São 15:25!

---- AH! Então é melhor a gente se separar… - José sugeriu - É mais difícil matar todo mundo se estivermos separados!

---- Boa ideia – Leticia se dirigiu a porta e tentou abrir – Está trancada! Abre aqui!

A mobília da casa começou a se arrastar lentamente, fazendo um som horrível no piso de madeira velha, a sala toda parecia cercar em direção aos jovens, que agora estavam desesperadamente tentando arrombar a porta.

---- O que está acontecendo? Socorro! Socorro! - Gritou Ana.

Os livros começaram a pular da estante e se chocar contra as paredes, e uma estranha nuvem parecia estar se tornando cada vez mais sólida no centro da sala.

---- Olha isso! É a sua avó no meio da sala! - Gritou Leticia para José!

---- Vó! Sou eu! Seu neto! Não mate a gente.

---- Desculpa se colei chiclete no banco da capela no teu velório! - Choramingou Ana em um perfeito emoji vivo – Desculpa!

---- Eu não devia ter perguntado aquilo – Antonio demonstrava real e profundo arrependimento.

O espectro olhou para o relógio da parede, marcava 15:30, levantou os braços gritou com toda força, em seguida começou a rir de forma descontrolada!

---- Vocês imbecis, as 15:30, vão morrer de medo! Hahahahaha. Eu te avisei pra não mexer nesse tabuleiro moleque! E se não fosse eu quem estivesse aqui?

---- Vó! Então a senhora só estava brincando?

---- Sim, pra vocês aprenderem a não mexer com o outro mundo! Por sorte estou sempre olhando vocês…

---- É… Que bom… - Balbuciou José sem saber se era mesmo isso que queria dizer.

---- Alias, Antonio! - A velha fantasma chamou.

---- Oi?

---- É melhor você ver aquela verruga na virilha…

---- Mas como você sabe?

---- Eu já disse! Estou sempre olhando vocês!

---- Sempre? - Perguntaram os quatro em uníssono.

---- Sempre! - A velha respondeu antes de sumir gargalhando em algo que parecia ser uma nuvem de vapor.

Um silêncio terrivelmente constrangedor tomou a sala, onde aqueles adolescentes pensavam em tudo o que fizeram naquele ano, e que não gostariam que aquela singela vovó fantasma tivesse presenciado.

=NuNuNO==

(Que após a morte prefere não ser incomodado. #ficaadica)

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 09/11/2018
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