A Aparição

Numa noite de Agosto, talvez lá pro fim do mês, Borba saiu com sua namorada, Sofia, para dar um tempo na praia durante à noite, uma bebida quente e o céu estrelado, com o frio que fazia e aquele ar de calmaria. Num ambiente pequeno, rústico, com piso e móveis de madeira, uma varanda a céu aberto, muito aconchegante, as pessoas conversavam.

Por um instante, Borba e Sofia viram o céu da noite brilhar verde num imenso clarão em alto mar. Foi estranho e bonito, uma mistura de medo e a sensação de gratidão por presenciar algo tão inexplicável. Conversaram sobre o que poderia ter sido aquilo e entre uma dose e outra, Borba percebeu, lá longe no horizonte, a silhueta de um imenso navio, parado. Ele achou muito estranho, aquela coisa dava medo e um frio se espalhava pelo seu corpo. Sofia pôde notar seu rosto pálido e sem expressão.

O clima ficou um pouco tenso e eles decidiram ir embora. Borba também já estava cansado, afinal havia trabalhado o dia inteiro e estava saindo para sua folga. Ele seguiu para a casa de sua mãe depois de deixar sua garota em segurança. Ao chegar, ele achou estranho ela não estar em casa àquela hora, mas imaginou dela ter ido dormir na casa de algum parente ou algo assim.

Aproveitando o silêncio da madrugada, ele deitou no seu quarto, o qual ficava colado com a rua que fazia uma encruzilhada dos diabos, era comum ouvir coisas estranhas por ali durante à noite, animais andando sem rumo, carros de vidros escuros que ficavam estacionados por um tempo sem motivo aparente e saíam em disparada, usuários de drogas, pessoas que passavam por ali para terminar trabalhos e oferendas na encruzilhada, encontros, maridos que saíam na calada da noite, coisas desse tipo.

De repente, passos na cozinha, batidas de talheres e panelas. Ele resolveu dar uma olhada, mesmo com medo do que poderia ser, levando consigo um porrete pro último caso. Pro seu espanto, uma senhora de branco o encarava. E um silêncio se espalhou pela casa. Tensão.

Ele cria coragem e pergunta o que ela queria e como havia chegado ali. Ela se pôs a falar: você precisa escolher entre você e sua amada. Somente um pode subir a bordo. Se ninguém for, ambos morrem. Ele retruca: subir a bordo? Mas de que merda você tá falando? Chega aqui e ameaça a mim e a minha namorada, quem diabos é você? Ela rebate: eu posso ter vários nomes e feições, não interessa. Você viu o barco e foi escolhido. Além do mais, nesse exato momento sua amada está sob o frio de três lâminas afiadas. Aperreado e aflito ele liga para Sofia e a senhora não o impede. Do outro lado, Sofia chorava, seu desespero era tão grande que ele não teve outra escolha senão desligar. Ele a encara com olhos vermelhos de raiva e diz: está feito. A senhora sorri e sua feição começa a mudar e um tipo de criatura se manifesta e desaparece diante dos seus olhos.

Ele tentou ligar para Sofia novamente e ela até atendeu à chamada, ela falava de um lado e ele do outro, mas nenhum conseguia se ouvir, apenas chiados e ruídos inexplicáveis. Borba bebeu até não poder mais e começou a sentir suas pernas inchadas e pesadas, bolhas e feridas se formavam com vermes apodrecendo tudo o que tocavam. Desesperado ele vai até o quarto de sua mãe, por ser o mais próximo, a dor já criava vida de tão insuportável, e então ele se joga na cama...

Mas não, ele não sentiu o conforto de uma pluma. O chão era gelado e úmido, um corredor mal iluminado e comprido, dava medo, as paredes repletas de imagens cristãs, santos em obras antigas e antiquários em versões sombrias de suas histórias. Era um silêncio matador. A partir do que ele ouve o som de um rádio vindo sabe lá de onde. A música, ele conhecia... A introdução marcante de um violão seguida por um coral de quatro vozes masculinas e femininas que cantavam "All the leaves are brown... And the sky is grey..."*. Com os olhos grandes de medo, ele se encolheu... As velas que iluminavam o corredor se apagaram e por uma janela, a sua direita, entrava a luz de um luar vermelho. No fim do corredor, os olhos sombrios de um lobo feroz.

Após um tempo, ainda sobre o efeito do álcool, mas não tanto, ele se levanta e vai até a janela e não acredita no que vê. Era noite, mas o céu estava avermelhado, ondas se formavam diante dos seus olhos e, até onde sua vista podia alcançar, ele entendeu. Estava deixando sua vida para trás. Naquele momento inúmeras perguntas fritavam sua cabeça, se um dia ele voltaria, se realmente deixaram sua garota em segurança, para onde ele estava indo, quanto tempo ficaria fora... Respostas... Sofia, ele pensou... Seus olhos, consumidos pelo ódio e pela vingança, lacrimejaram...

*California Dreamin' - The Mamas and The Papas.