Natal By Night

Prepare o seu coração, caro amigo, pois aqui teremos um texto cheio de saudades e memórias não vividas por mim. Durante a segunda guerra mundial, o exército brasileiro sempre esteve em conluio com o exército americano. Mesmo que após o fim da guerra essa relação tenha continuado, os estrangeiros foram embora e isso trouxe graves consequências para a cidade de Natal na época.

Imagine um cabaré que toda noite era frequentado por jovens americanos que daqui partiriam para a guerra... Quantas juras de amor, quantos casos inacabados aqui ficaram, quantas promessas foram feitas, quantas cervejas foram tomadas, quantas histórias ficaram mal contadas... Hoje, aos meus 23, ouço lindas histórias sobre o famoso Cabaré de Maria Boa, contadas pelos meus primos e por minha mãe, às vezes suaves, às vezes violentas, mas sempre lindas e gostosas de se ouvir.

Durante a década de 40, Natal era um estouro, quiçá uma cidade avançada para sua época. Lindas cortesãs que satisfaziam aos estrangeiros que por aqui passavam, porém, ambos tiveram trágicos fins, belas mulheres que terminaram em becos e vielas e soldados empilhados numa trincheira. Pensamentos seguindo a linha, saudades, memórias, casos de amor, viagens só de ida, vidas que seguiram, vidas que ficaram.

Na famosa Rua Chile, localizada na Ribeira, brigas entre brasileiros e americanos eram constantes, quem sabe, talvez, causadas pelas mesmas mulheres e pelo álcool que sempre impulsionou o caos masculino. O prazer pelo idioma inglês, que hoje trago em meus traços, quantos casais não foram formados com a temida faculdade da língua...

Agora, chegado esse ponto, sai de cena quem escreve. Imagine a cidade sem tudo o que lhe formava. Os cabarés, o teatro, o cinema, a boemia, a música, os amores, as juras, as cervejas, a jovialidade. A Natal de 40 sem tudo isso. Decapitada, decepada, tudo lhe fora arrancado de uma hora pra outra com fim da guerra. Não mais amores, não mais americanos, não mais a cerveja. Somente a decadência. Depois que os estrangeiros se foram, tudo mudara por completo.

No Bairro da Cidade, conhecido também como Cidade Alta ou apenas Cidade, que junto à Ribeira formam o Centro da Cidade, ainda existem prédios com a arquitetura da época, como são lindos, carregados de memórias, histórias e solidão. Passar por entre esses prédios, hoje, é sentir a poesia da época.

A Rua Chile, localizada na Ribeira, famosa rua por abrigar incontáveis bordeis e guardar a memória desses antigos amores e suingues da década de 40, hoje é vazia, lúgubre, solitude. Jovens passam por aqui sem saber da sua linda história. Antigos casarões e cabarés que não são levados em conta. Uma linha de trem, já desativada, que corta a rua, serve apenas de adorno e tristes poetas encerram suas palavras por acaso.

A Rua Chile hoje é apenas um lugar de depravação, muitas vezes utilizado para execuções, tráfico de drogas, mas é também onde amores proibidos se consomem, esposas traem seus maridos e vice-versa, viciados ocupam o que antes fora frequentado pela nobreza da época. Armazéns foram fechados e utilizados para cultos até então desconhecidos, batuques de tambor, rituais, encruzilhadas e despachos. No fim da Rua Chile, um antigo cabaré serve hoje como ponto de encontro entre várias tribos urbanas. Porém, antigamente, era o berço da boemia da madrugada natalense. Mas de nada isso adiantou, a boemia encontrou o seu fim. Só restam lembranças, quem viveu aquela linda época pôde aproveitar algo, quem sabe, sobrenatural. A sinceridade, a inocência das garotas, a imaturidade dos rapazes.

E por falar em imaturidade, me chamo Vlad. De alguma forma ou de outra, a Rua Chile me definiu e me sinto bem aqui.

Vlad se senta a mesa de um bar e vê a si mesmo no fim da rua em frente ao cabaré que ele sempre ia, pois lá, uma cortesã ele amava, repetindo a história. E na sua versão ele não morria, jogava 21. Com um rádio sempre ligado, os jogadores embalavam as noites da Rua Chile. Quando uma bala então atravessou o seu pulmão.