NO COMING BACK - CLTS 06

Sou tenente da reserva da marinha, fui voluntário na expedição, que partirá de Sidney, Austrália, até o mar do Caribe, em cujo o triângulo os vértices são: Ilha das Bermudas, Miami (E.U.A) e San Juan (Porto Rico). Qualquer explorador dos oceanos ou mesmo entusiasta de navegação aquática já sabe do que estou falando.

Sou Adalberto Godofredo Costa e serei seu narrador, durante o tempo que ache necessário para satisfatoriamente contar esta história. Não tenho experiência alguma com a escrita literária, nem com estilos ou escolas. Então me perdoem os intelectuais ou nem sequer percam seu tempo, é sério. Será entediante se lerem com esse olhar criterioso e desconfiado.

Mas o que tenho a dizer particularmente sobre essa nova onda de interesse sobre o Triângulo das Bermudas é que tudo não passa de um circo armado pela mídia e pelas agências de viagens para alavancar os negócios locais. Porque muito se especula e se fala sobre o lugar, quando em suma tudo se resume em fenômenos geofísicos explicáveis e até fáceis de entender. Nada, nada mesmo de sobrenatural, meus amigos. Sim, minha intenção não é arrebanhar leitores, nem ser agradável para manter o público. Isso faz o cinema, a televisão. Medem o nível de aceitação do público alvo e vão se adaptando ao que o povo quer, mas então fiquem lá e me esqueçam. Eu também não perco nada, juro.

Atenho-me a dizer que chegamos nesta particularíssima região do globo terrestre em 17 de março de 2008 e que a tripulação era composta por: 1 cozinheiro, seu ajudante, 1 mecânico, como também seu ajudante, o capitão, o contramestre e 12 marinheiros contando comigo; dentre os passageiros: 5 cientistas, 4 jornalistas, 1 geólogo e 1 arqueólogo.

Fizemos uma viagem sem contratempos nem atrasos e agora, caro leitor, deixe-me referir ao senhor esta breve observação, de como se passará o curso dessa tão singular história. Como terei que antecipar ter sido o único a sair vivo da ilha e faço isso sem suspense visto que como já disse não pretendo lançar nenhum best-seller, tomei o cuidado de recolher o máximo de material possível pensando em futuramente reunir informações para escrever este livro. Então vocês serão agraciados com partes dos diários de alguns dos meus colegas, a maioria deles, entre narrações em 3ª pessoa que intercalarão como passagens entre um relato e outro, sem método. Só porque eu achei que isso estava do meu agrado.

DIÁRIO DO ASSISTENTE DE COZINHEIRO, ISMAEL

17 de março,

O dia em que chegamos. Não tenho ilusões quanto a essa viagem exploratória, é assim que chamam. Não sei muito bem o que está acontecendo e não acho que irei ajudar com algo mais importante que encher as panças deles. Além do cozinheiro só conheço o capitão Mendes, um homem sisudo e que impõe respeito. Não é muito de brincadeira e nunca ri. Eu pelo menos nunca o vi rindo.

O cozinheiro já é seu oposto. Grosseirão, falador, está sempre se metendo na vida alheia e gosta muito de uma boa cerveja. Não quero dizer que prefiro este àquele mas convenhamos, prefiro viver a vida assim, chutando o balde.

Minha primeira impressão do lugar, pelo menos da ilha que estamos, é de que o ar é carregado e sempre chove uma fina chuvinha, como se estivesse sendo pulverizada do céu. Até agora não me deparei com nenhum animal, mas além da praia, andando umas 2 milhas, a mata é fechada e difícil de entrar. Muitos arbustos espinhentos e algumas frutas estranhas que eu nunca vi. Amanhã começaremos a explorar o local. Por hoje iremos reconhecer a área e montar acampamento. Cada um ficará encarregado de uma tarefa, segundo o Costa, chefe da equipe, falou.

REWIND

A ilha desconhecida e misteriosa, que não foi cartografada em nenhum mapa feito por mãos humanas, nem vista por ninguém que tenha regressado pra contar, manteve seus segredos ocultos por mais um dia até o amanhecer.

No dia seguinte, a equipe, bem alimentada e preparada, se separou e começou a se empenhar cada um na sua função.

Ao capitão e ao contramestre coube armazenar a água potável em barris e tonéis. Para isso engenhosamente desenvolveram um carro com rodas, alavancas e roldanas para suspender e empilhar os barris.

Ao perceberem que o curso da água corria no sentido contrário daquele determinado pelo magnetismo da terra, anotaram a anomalia e seguiram em frente. Foi só quando se depararam com uma queda d'água de uns 7 metros de altura que corria de baixo para cima, contrariando a força gravitacional e qualquer lógica, que perderam momentaneamente o senso de realidade e caíram de joelhos perplexos.

-Homem, olhe só isso. Qualquer capitão que navegue por esses mares longínquos e se perca entre países paradisíacos e montanhas majestosas, nunca irá se deparar com isto que estamos vendo.

Que aqui no meio, onde essa confluência turbilhona e embaralha todas as equações físicas e matemáticas, virando do avesso as convenções naturais e nossas próprias convenções científicas, existe um mundo único, incomparável e mágico, coexistindo com a nossa terra.

DIÁRIO DO GEÓLOGO, KIM YOUNGJAE

19 de março,

Escalamos o pico mais alto. Fica a 1.800 metros. Contornamos a ilha de manhã e traçamos seus limites, rios relevos e depressões e agora ao meio dia, com o sol a pino, descansamos dentro da barraca. Perguntei a Enrico, o arqueólogo, se as ossadas que encontramos lá em baixo no desfiladeiro eram de algum animal pré-histórico. Ele examinou e comparou às ossadas de mais de 10 espécimes diferentes e disse que precisaria de exames detalhados para dar o veredicto, mas que por alto, nada do que estava ali poderia ser de qualquer animal contemporâneo nem mesmo do período mesozóico, no entanto, menores eram as chances de partilharem semelhanças com espécimes da fauna do bioma atual.

Então, deixando um pouco a bizarra descoberta da ossada atemporal de lado, jogávamos bridge pra distrair. Foi exatamente neste momento que ouvimos o grande estrondo vindo das montanhas ao sul e depois os tremores de terra avassaladores, que convulsionaram e remexeram as entranhas e fundamentos daquela ilha a ponto de fazer nossos corpos chacoalharem feito peões de xadrez dentro de um saco.

Quando acordamos, pois ficamos desacordados por alguns minutos, nos deparamos com eles.

TRIBE OF DEMONS

James, Henry, Arthur, Philippe, Jeremy, Walt, Karl, Peter, Cassandro, Augusto, Phidel e eu (Adalberto), ficamos responsáveis por abrir trilhas e acessos na mata e construir uma pira no ponto mais alto onde pudéssemos, numa emergência, acender e chamar ajuda.

Também foram demarcados territórios estratégicos e montados fortes e acampamentos para facilitar essa situação de alerta. Assim, como estávamos em 12 marinheiros, nos dividimos em um contingente de 4 grupos de 3 pessoas ao longo do caminho entre o acampamento residência e os acampamentos temporários.

Confusos ainda depois do tremor intenso de terra, eu e meus companheiros saímos e fomos procurar por supostas vítimas e por destroços e estragos. Mas quando saímos tudo parecia igual antes e nada naquele antro de absurdos foi revirado ou estava fora do lugar.

Cansados e um pouco desanimados, divididos, revendo fotografias de familiares, sentindo saudades de casa e abatidos pelo sentimento de frustração, cada qual se recolhia com seus próprios pensamentos e faziam suas orações e súplicas para seus Deuses ou para os botões dos seus casacos.

O próximo dia se mostrou ainda mais difícil que todos os anteriores. Na parte oeste da ilha às 17h pontualmente, e esse horário é uma estimativa baseados pela posição do sol, sendo que nenhum aparelho mecatrônico, elétrico ou eletrônico funcionava na ilha; ouvíamos o som de tambores e baquetas e instrumentos de sopro que lembravam cornetas. O som que faziam era grave e dramático, seco, com notas que se intensificavam, se prolongando suave e imperceptivelmente de maneira sonora e plástica, como só as melhores sinfônicas do mundo poderiam reproduzir e mesmo assim era uma canção macabra e rústica, vibrante e desesperadora, a ponto de nos fazer ter pensamentos suicidas.

Quando nos aproximamos, tivemos o cuidado de nos camuflarmos, cobrindo o corpo de lama e folhas da cabeça aos pés e cercamos a aldeia.

Ouvíamos de dentro das ocas a euforia e confusão dos nativos. Estavam exaltados e nós com medo. Depois silêncio e aí saíram. Na frente o pajé, depois os demais guerreiros, mulheres e crianças.

Os olhos deles eram como rasgos finíssimos de estilete em folha de papel, mal se abriam e ao se abrirem era de cor leitosa azulados com finas fendas vermelhas verticais lembrando os olhos dos gatos. Seus narizes eram como focinhos de porcos, com as narinas na frente, porém ficavam rentes a seus rostos. As orelhas eram pequenas e ficavam no topo da cabeça como nos coelhos e no resto a anatomia deles era bem parecida com a humana, talvez com a exceção de não possuírem pêlos ou barbas e terem uma crina no meio da cabeça que se assemelhava ao corte de cabelo dos moicanos e serem umas 3 vezes mais altos e fortes que nós. Ainda fico pensando se um bando deles ao caçar correndo por aí não causariam aquele terremoto que sentimos. É algo que me faz rir ao lembrar e traz um pouco de conforto.

DIÁRIO DA JORNALISTA, LISA

22 de março,

Perdemos o contato com os outros na ilha. Sabemos que tem uma presença estranha aqui, que nos persegue pra depois voltar a se esconder. Vamos tentar chegar até a pira e acender o fogo. Temos de lá a melhor visão da ilha. E desde o começo deveria ser o lugar para todos nos reunirmos. A ideia de nos separar foi péssima. Eu não sei mais o que pensar. Raquel, Mikael, Hélio e eu estamos juntos e isso é bom. Devemos continuar unidos. Toda a informação que conseguimos apurar aqui levaria uns 2 anos para ser transformada num livro e quem sabe renderia um Pulitzer.

Chove agora e os equipamentos estão pesados. Como é difícil a locomoção com a carga, chuva e lama pra nos atrasar.

A Raquel caiu ao tentar contrabalançar o peso da mochila. Desceu rolando uns 5 metros até bater com as costas numa pedra. Corri para socorrê-la e fiz os procedimentos de primeiros socorros. Não fraturou nenhum osso, mas teve luxação, uma contusão, fora os arranhões.

Depois que escalamos eu subi a pira com uma tocha acesa. Deu uma satisfação gostosa ao ver a palha queimar e o fogo se alastrar. Uma falsa sensação de segurança, que até então eu não sabia que era falsa.

Ao descer ouvi os primeiros gritos. A pira abaixo de mim se mexia violentamente e meus amigos estavam morrendo, gritando, chorando.

Abracei uma das toras que formavam a estrutura da pira e tentei descer por ela. As feridas abertas pelos galhos e nós da madeira pareciam coisas pequenas se comparadas ao que meus colegas passavam.

Senti o estouro, uma arremetida brutal e o resto se apagou.

Quando acordei, no chão, vi uma cena horrorosa e chocante. Todos eles mortos, despedaçados no chão. Estavam comigo a poucos minutos, escutava as gargalhadas, os desabafos, desaforos, mas agora eram pedaços desfigurados de carne humana.

O sangue era tanto que encharcava todo a terra e a vegetação. As cabeças, evitava olhar pra elas. Caretas de dor e pavor. Sai correndo dali.

HUNTING

O que aqueles onze homens e eu passamos, não sei se pode ser compartilhado por alguém além de nós. Capturados pela tribo nós fomos alimentados, tomamos banho, cantamos, brincamos e até compartilhamos nossas culturas. E quando nos enfeitaram como eles, com penachos, colares e pinturas nos rostos e braços, pensamos que participaríamos dos seus jogos, quando na verdade entramos numa caçada de gato e rato em que nós éramos os ratos.

Vi meus amigos morrerem de forma brutal. Sendo decepados vivos, degolados, queimados, como alvos das flechas e lanças daqueles silvícolas demoniacamente selvagens.

Consegui sobreviver porque me escondi debaixo dos corpos trucidados deles e quando pude finalmente escapar dali e respirar aliviado, ainda tive de enfrentar fome e sede, pois a água e a comida da ilha, como percebemos amarga e tardiamente, eram tóxicas e altamente ácidas, atingindo agressivamente o estômago, causando cólicas terríveis.

Construí uma jangada e fiquei à deriva no oceano por 7 dias, com poucos restos de alimentos e água potável que ainda consegui encontrar nos acampamentos.

Não estava preparado pra nada do que aconteceu. E se hoje me perguntarem se o Triângulo das Bermudas é só uma história pra assustar crianças, talvez eu diga:

-Então sentem-se crianças, porque o tio tem uma assustadora história pra contar.

TRIÂNGULO DAS BERMUDAS