—A Maldição II —

II

Era tarde quando saí do escritório. Estive sobrecarregado boa parte da semana e naquela sexta-feira o peso das tarefas parecia pesar em meus ombros como tijolos. Cheguei em casa exausto e me deitei no sofá. Não quis ligar a televisão, nem me preocupei em tirar o sapato.

— Manuela. — Gritei sem força — Você já jantou

Ela não respondeu.

Forcei o corpo e me sentei, o controle da TV que estava na beirado do apoio do sofá escorregou e caiu sobre o carpete. Levantei e fui até o quarto dela. Antes de cruzar o corredor, ouvi alguém sussurrando bem baixinho, tão baixo que não consegui entender o que falavam, mas sabia que quem quer que fosse não era minha filha.

— Você prometeu — Manuela resmungou e quando apareci na porta do quarto vi ela segurando uma de suas bonecas numa posição ofensiva, como se tentasse se defender de alguma coisa.

Nos entreolhamos por um tempo, e tentei entender o que estava acontecendo.

— Com quem estava falando filha?

Manuela ficou calada e fingiu que estava brincando com a boneca.

Entrei no quarto devagar e recolhi as roupas sujas que ela costumava deixar do lado da cama.

— Comeu hoje?

Ela fez que sim com a cabeça e se virou de costas.

Após o enterro de Alex, Manuela não demonstrara nenhum sentimento.

Sarah chegou bem mais tarde que de costume. Esperei ela acordado. E logo quando entrou no quarto percebi que alguma coisa estava errada. Não tinha ideia de quanto até ela me mostrar o resultado dos exames.

Era câncer.

Foram seis meses de quimioterapia que não deu em nada, apenas apagou vagarosamente a imagem da mulher com quem havia me casado. Acompanhei-a dia após dia, seus cabelos caíram e ela ficou magra e debilitada. O câncer no pulmão se espalhou pelo corpo. A última palavra que ela me disse naquele quarto de hospital enquanto lhe alimentava com uma espécie de papa gelada — porque ela não conseguia mais engolir coisas solidas — foi que sua vida fez sentido ao meu lado. Ela morreu de olhos abertos, fitando meu desespero.

Tudo em seguida despencou como num efeito domino, perdi meu emprego porque não consegui mais ir trabalhar. Desempregado, não consegui mais pagar as parcelas do financiamento da casa, e o banco conseguiu leva-la a leilão em pouco menos de um ano.

É triste aceitar que a vida é dura.

Deixamos nossa casa no verão seguinte, Manuela não quis deixar seu quarto e foi necessário carrega-la. Enquanto a levava para fora senti alguma coisa puxar meu braço e ambos caímos no chão, Manuela bateu a cabeça num móvel e desmaiou. Me levantei, assustado, havia alguma coisa se escondendo na escada, não tenho certeza do que poderia ser e nem quis voltar para descobri, segurei minha menina nos braços e corri para o lado de fora. Dei partida no carro e não olhei para trás.

As coisas melhoram, por um tempo.

Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 04/02/2019
Código do texto: T6567237
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.