Lâmina giratória

Quando eu era criança, morria de medo de ventiladores. Por que? A resposta é simples: Os ventiladores da época em que eu era criança eram totalmente feitos de ferro e não de plástico como são hoje. As lâminas giratórias me davam o medo de acidentalmente saírem dali cortando tudo o que estivesse no caminho, ou de na menos pior das hipóteses, eu distraidamente colocar a mão e perder um dedo. Conforme fui crescendo, fui deixando esse medo bobo de lado. Tornei-me eletricista e eletrotécnico, e no fim das contas, aqueles aparelhos que eu tanto temi durante a minha infância inteira, me ajudaram a ganhar um bom dinheiro, ora com consertos de ventiladores (entre outros eletrodomésticos), ora com instalações de ventiladores de teto. Conheci algumas outras profissões nessa vida. Posso dizer que sou um encanador dos bons, um pedreiro meia-boca, um péssimo carpinteiro, um vendedor falido, mas um bom eletricista e eletrotécnico (As duas últimas, a vida me esfregou na cara que são os meus verdadeiros dons).

Um dia, eu estava passeando pelo parque, quando me sentei em um banco, à sombra de uma árvore e comecei a jogar um joguinho no meu celular da qual eu estava meio viciado. Era domingo, e tudo o que eu queria era sair um pouco de casa pra respirar ar puro e ver as pessoas curtindo suas respectivas vidas, cada um do seu jeito, cada um curtindo de forma prazerosa o seu tempo livre. E o que esperar da vida o 32 anos de idade? Nada além de um merecido descanso em um fim de semana como outro qualquer.

De repente, uma mulher trajando roupas de ginástica, senta-se do meu lado e diz:

- Oi gatinho! Ta sozinho?

- Sim.

Aquilo parecia um milagre. Justo eu que sou todo travado com as mulheres, me aparece uma quarentona loira linda de olhos verdes me cantando assim? Parecia um sonho. A mulher então disse:

- Vamos tomar uma cervejinha?

Sem pensar duas vezes, eu disse:

- É claro!

Fomos a um bar ali perto, eu tinha algum dinheiro comigo e mesmo se não tivesse, faria empréstimo no banco, faria de tudo pra não perder esta oportunidade. Uma possível futura namorada, mesmo aparentemente bem mais velha do que eu, seria tudo o que eu queria pra mudar a minha vida pra melhor. Bebi pouco, ela bebeu até ficar grogue. Pediu-me pra levar para a casa dela, pegamos um táxi e descobri que apesar da idade, ela morava com os pais. A deixei na porta de casa, sob o olhar curioso dos pais dela. Descobri que ela morava no mesmo bairro que eu, a alguns quarteirões de distância. Fiquei pensando a noite inteira nela, pensando em como encontrá-la outra vez.

A semana passou rápido e naquele sábado, encontrei a mesma mulher do parque, desta vez bebendo cerveja com uma amiga, em um bar perto da minha casa. Assim que eu entrei no bar, no intuito de almoçar, a loira do parque foi logo me chamando pra sentar com ela. Começamos a beber, acabei comendo uns petiscos no lugar do almoço. Ela se embriagou outra vez e a pedido dela, eu a levei para conhecer a minha casa. Ali rolou o primeiro beijo entre nós, e no chão da minha sala, o primeiro sexo.

Mariana era uma mulher sexualmente muito melhor do que as que eu conheci por aí, uma boa cozinheira, aos poucos foi se mudando pra minha casa, o que eu fui aceitando de bom grado. Mas ela tinha um único defeito: Mariana era alcoólatra.

Conforme o tempo foi passando, a minha vida financeira foi despencando cada vez mais, fui pegando empréstimos em bancos e financeiras, fui perdendo o crédito em tudo quanto era lugar. Mariana tomava um porre de cerveja por dia e isso estava arrasando as minhas finanças. Chegou a um ponto em que eu pensei: “Será que um bom sexo vale isso tudo?” Como a minha casa era alugada, eu peguei as minhas coisas, saí no meio da madrugada, peguei um táxi que já estava combinado comigo de me encontrar naquela hora e sumi para a cidade vizinha, onde tentei a vida outra vez. Com o decorrer do tempo, fui fazendo o meu nome como eletrotécnico e com isso resolvendo a minha vida financeira.

Um dia, quatro anos depois da minha humilde “fuga”, quando eu já estava acabando de pagar meu último empréstimo para daí voltar a ter uma vida financeira normal, a balconista da minha nova loja, me deu um recado sinistro:

- Veio uma mulher bêbada aqui enquanto o senhor almoçava e falou um monte de besteiras dizendo que te achou e eu vai te esperar pra ter uma conversinha na tua casa. Eu pensei: “Putz! Ela não!”

Voltei pra casa mais tarde, olhei bem a porta antes de chegar perto. Entrei e quando estava tomando banho pra ir dormir, Mariana me aparece totalmente embriagada na janela do meu banheiro. Ela bateu na janelinha, eu abri e disse:

- Estou tomando banho.

- Abre a porta pra gente conversar.

- Assim que eu terminar o meu banho.

Terminei rapidamente o banho e quando cheguei na porta de casa, ela desapareceu. Coloquei meu pijama e fui dormir. De repente, eu acordei com aquela mulher bêbada em cima de mim, com a minha serra circular ligada. Meus braços e pernas estavam amarrados com cordas, de modo que eu não conseguia me mover. Sem cerimônias, ela disse:

- Esse nunca mais vai abandonar ninguém na miséria!

E empurrou a lâmina giratória da minha serra circular no meu pescoço, separando a minha cabeça do meu tórax.

E foi assim que eu morri.

FIM

Eduard de Bruyn
Enviado por Eduard de Bruyn em 22/02/2019
Reeditado em 15/03/2019
Código do texto: T6581544
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