Virgem da Ilha do Sol

O carteiro atravessou o corredor, bateu na porta, a qual foi aberta por Pavel que assinou o papel e pegou a correspondência

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Caminhou sobre a rua de paralelepípedos tomada pela multidão. Podia-se ver vários carros cobertos de adereços coloridos, vinham tomar a benção da mobilidade da Virgem de Copacabana. O povoado, de mesmo nome, era inundado de gente pacata e receptiva, algo comum para um lugarejo destino de turistas que vinham apreciar as belezas do Lago Titicaca.

Cruzou pela balbúrdia das pessoas que interditavam a rua e adentrou em um pequeno restaurante com vistas para o Lago. Almoçou uma deliciosa truta e completou a digestão tomando alguns goles de chicha. Havia quatro dias que Guido aportara em território boliviano, sentia que aquele lugar era demasiado especial, assim como imaginou nas noites de insônia na capital paulista.

Sua vida de promotor aposentado perdera o sentido no dia da aposentadoria. Solteiro convicto, não teve tempo para fazer amigos que valessem a pena, tão somente as chatas companhias de Ministério Público com quem partilhava os conflitos da vida jurídica. A tediosa vida da classe média que não consegue encontrar nas relações sociais o prazer de desfrutar das maravilhas da vida.

No entanto, naquele povoado de infelizes Quéchuas e Aymaras sorridentes, sentiu-se terrivelmente bem, de tal maneira que nunca sentiu. Talvez houvera sentido apenas quando teve êxito nas denúncias, fruto de perigosas transações para beneficiar grupos políticos em detrimento de outros e que teve uma vultuosa recompensa na Suíça. Mas, tais fatos jaziam no esquecimento. Era preciso apreciar as belezas naturais que o Lago proporcionava.

No meio da tarde tomou uma lancha que o levaria do povoado até a Ilha do Sol que ficava no meio do Lago há umas duas horas de viagem. Sentada à sua frente, uma delicada donzela de pele branca, cabelos pretos escorregadios e um grande óculos escuros que lhe escondia os olhos. Acreditou por um tempo que a simpática moça estava lhe fitando, mas, com olhos encobertos, seria um tanto quanto difícil provar sua intuição.

Antes, porém, que a lancha ancorasse no cais da pequena ilha, a moça tirou os óculos e deu-lhe uma mirada como quem diz: “eu estive te olhando o tempo inteiro”. Aquela olhada provocou-lhe um frio na barriga e algo quis avolumar-se dentro de sua calça jeans. Valeu-se de muita concentração para não demonstrar o tamanho de sua excitação enquanto os turistas, um a um, desciam da lancha e aglomeravam-se ao redor da fonte da juventude dos Incas.

A guia ministrava uma aula de história acerca da ilha, bem como da fonte de água, mas ele tinha todos os seus sentidos voltados para a moça. Uma indígena percorria entre os turistas, catando-lhes as assinaturas em um livro de presença, bem como cobrando a singela contribuição de 20 bolivianos, uma espécie de pedágio para povos alheios usufruírem das belezas locais. O livro foi de grande valia. Hanna da República Checa eram as informações desenhadas no livro.

Acomodou, assim como os demais, as bagagens no lombo de pequenas llamas e iniciaram a escalada da montanha em cujo topo encontrava-se a pousada na qual passaria a noite. A medida que subiam na trilha o Lago adquiria uma tonalidade de azul cada vez mais nítido e os nevoeiros que cobriam os montes da Cordilheira dos Andes que circundam o Lago, iam tomando vida. O frio invadia a ilha pelas encostas dos morros, sangrado por grandes valetas produtivas das quais os nativos retiravam seus alimentos. Ele sentou-se sobre uma pedra, mergulhou as vistas sobre o Lago, contemplou pequenas ilhas de montanhas rochosas que disputavam o espaço com o azul das águas e suspirou, “é um lugar especial”.

Após acomodar todos os pertences e descer para o jantar, observou que Hanna estava na varanda da pousada apreciando o pôr do sol. O poente tornava o horizonte rubro, de tal forma, que àquela altura, o dourado do sol beijava as águas do lago que vinham em sua direção tentando tocar-lhe os pés.

- Esplendido – disse ele em um espanhol enferrujado.

- Maravilhoso – consentiu a moça, demonstrando que possuía um conhecimento limitado da língua hispânica.

- Buscando solidão?

- Não – sorriu delicadamente – buscando inspiração.

Aquele sorriso mostrou-se devastador. Outro frio invadiu suas entranhas e sua excitação quase se exteriorizou. Uma voz de autocontrole repetia continuamente em sua cabeça. “Controle-se Guido”.

- Inspiração? Despertou minha curiosidade.

- Eu sou uma roteirista fracassada. A criatividade esvaiu por meus poros, tal qual o suor. Há tempos que não produzo nada interessante ou qualquer coisa que o valha. Meu chefe me deu uma última chance, então vim parar aqui, ver se os deuses Incas me inspiram um trabalho que faça com que eu recupero meu prestígio.

O sol havia cruzado a linha do horizonte e a escuridão invadira o Lago. A Ilha de energia escassa, era iluminada por um brilhante céu estrelado. Guido convidou-a para que entrasse no salão do restaurante. Os dois jantaram juntos e entre sorrisos falaram sobre a vida e trocaram afetos. Terminado o jantar caminharam pelos arredores da pousada, sempre observados pelas estrelas e por uma grande e gorda lua branca.

No topo da rochosa montanha havia apenas a pousada e os casebres de alguns nativos da ilha. Eles não precisaram se afastarem muito para logo descobrirem que estavam sozinhos. Ao chegarem sobre algumas ruínas ele parou.

- O que foi? Indagou ela.

Ele agarrou-a pela cintura com a mão direita, com mão esquerda abraçou a sua nuca, entrelaçando seus dedos naqueles escorregadios cabelos negros e trouxe o rosto dela bem próximo ao seu. Ela olhou-o entregue, esperando por seu beijo que veio logo em seguida. O ardente beijo fez a pele de ambos se arrepiarem. Guido jogou-a sobre uma rocha plana, tal qual uma mesa, ela caiu de braços abertos, esperando que ele desvelasse sua nudez. Com os fortes braços ele rasgou seu vestido de cima a baixo. O frio da noite não diminuía a temperatura do corpo que queimava à espera de prazer.

Uma voz sussurrava continuamente no ouvido de Guido, “controle-se”. Não deu! Um jato molhou sua cueca. Duas pedradas foi o suficiente para que Hanna adormecesse sobre a mesa de sacrifício. Ele deixou-a completamente nua. Com uma faca abriu sua cavidade torácica, sacou seu coração ainda palpitante e ofereceu ao Deus do Sol.

Havia quatro dias em que estava à espera da oferenda. Acreditava que com tamanho gesto de humildade o Deus do Sol acabaria com sua maldição de ejacular precocemente, permitindo, assim, com que pela primeira vez pudesse ter uma conjugação carnal com uma mulher.

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Pavel abriu a correspondência e da mesma sacou um rascunho de quatro folhas: Virgem da Ilha do Sol; Hanna kavamsas.

bily anov
Enviado por bily anov em 04/03/2019
Reeditado em 07/03/2019
Código do texto: T6589790
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