O ESPELHO DO PORÃO parte 5

SEGUNDO REFLEXO

Os amigos novamente se reencontram na sala, e percebem que Renata e Elizabeth já faltavam pelo terceiro dia consecutivo. Renata não mexia muito nas redes sociais, e sua última visualização no Whatsapp fora no dia em que saiu para se encontrar na casa de Elizabeth. Já Elizabeth, que não gostava de redes sociais, quando sumia, quase nunca tinham notícias da jovem.

No fim da aula, antes de se despedirem, avistaram entrando na faculdade um ser com vestido cinza longo, cabelos negros vivos e cacheados longos, porém um pouco em desalinho, e sem mochila nas costas ou caderno nas mãos. Antes que eles fossem até aquele ser, ele se aproximou deles com um hálito forte e lágrimas nos olhos:

- Gente, eu avisei ela... ela foi engolida também.

- Beth – disse Douglas, pasmo – que roupa é essa que você veio até aqui? Está parecendo que veio do cemitério. O que você tem?

Ela chorava copiosamente, e seus soluços indicavam um pânico atroz.

- Ela não escapou e foi tragada. Sua alma foi engolida. Aquilo que eu mais temia que acontecesse comigo aconteceu com ela. Por isso odeio espelhos.

- Beth, espera – Adriana diz, segurando em seu ombro – O que você tem? Se acalme. Estamos aqui com você.

- Ela foi tragada. O espelho a tragou. A alma dela... E a minha é a próxima. – dizia em voz chorosa e desesperada.

- Beth, espera um pouco – Tomás resolveu falar – Você está bem? Olhe nos meus olhos. Calma – dizia com voz serena – Vai ficar tudo bem. Agora, só me diz o que exatamente aconteceu.

- Estávamos eu e Renata em casa, estudando, quando começou a chover forte e trovejar. A chuva ficava cíclica. Tinha momentos fortes e fracos. As gotas caíam velozmente lá fora. E ela estava estudando e...

- Beth, espera! – Adriana lhe interrompeu – Não estamos entendendo nada do que você está falando. Tenta se acalmar e nos diz o que exatamente aconteceu. Diz devagar e com calma, ok?

- Tudo bem. Renata não poderia ir pra casa naquele momento por causa da chuva que intensificava. E a noite, como eu já falei, eu tenho costume de cobrir os espelhos porque meus pais diziam que...

- Espera – disse Tomás – Você já me contou alguma coisa sobre espelhos. Disse que tinha medo.

- Exatamente. Temo que minha outra personalidade me ataque a qualquer momento. Um ser meu de outra dimensão ou de outra vida. Não sei, não sei. Estou tão confusa.

- Certo. Mas o que exatamente as duas estavam fazendo – questionou Douglas.

- Eu a levei até o porão e lhe mostrei o espelho que lá havia. Ela olhou para o espelho e de repente... Ela apareceu. Ela! Ela!

- Ela quem? – pergunta o grupo.

A moça chorou compulsivamente e, ao se despedir sem falar mais nada, foi até um táxi e os deixou por ali.

À noite, Douglas, Adriana e Tomás foram avisados pelos pais de Renata que a moça havia desaparecido.

No dia seguinte, o grupo se reuniu novamente após a aula e, com as cobranças do professor, eles precisavam encarar os estudos novamente, pois, com a ausência da amiga, não entregaram nada na data prevista.

Enquanto conversavam, veem que a moça, que antes estava chorosa, apareceu radiante e alegre, sorrindo para eles, com o destaque sempre para seus cabelos. Chegou abraçando Tomás e lhe dando outro beijo roubado nos lábios:

- E então gente, na minha casa de novo ou na casa de vocês? Eu pago o táxi. Não se incomodem.

- Beth, hoje eu não posso novamente ir para sua casa. Meus pais precisam resolver um problema particular e infelizmente não posso sair. – disse Tomás. O que percebeu imediatamente uma leve tristeza no olhar de quem perguntara com tanta euforia.

Douglas e Adriana marcaram o horário para ir até a casa da colega. Douglas já dirigia e então vão em seu carro.

Ao chegarem, não havia ninguém na entrada, apenas a porteira aberta. Vislumbraram o tamanho da casa e suas tonalidades. Ao fundo, podiam ver a parte de trás de um carro, o que lhes chamou atenção, pois parecia com o carro do namorado de Renata.

Quando estavam caminhando em direção aos fundos da casa, um grito se ouve de lá de dentro com uma voz assustadora.

Eles se apavoraram e, antes de saírem do lugar, a porta abriu e uma moça de cabelos cacheados, porém presos, sai para atendê-los:

-Ai que emoção! Vocês vieram!

- Beth, esse grito foi seu? – Douglas pergunta com receio.

- Claro que foi, tolinho. Foi de alegria. Mal posso esperar para mostrar toda a casa para vocês.

Ela abriu as portas, e eles enxergaram toda a casa sob a ótica da iluminação ambiente de velas, candeeiros e lampiões. Porém, aquele grito agudo não saíra mais de suas mentes.

Foram levados até o quarto de Beth e, mais uma vez, menciona que seus pais não estavam em casa.

Ela joga as mochilas deles na grande cama com forro vermelho, e pedem para se sentarem e esperassem por um delicioso lanche. Douglas negou o lanche, pedindo apenas café para ficar bem acordado.

Enquanto eles estudavam, o escuro da noite afora, o silencio da ausência dos pais, o sumiço de Renata, os comentários estranhos sobre medo de espelhos, o choro e estado catatônico transmutado em questão de vinte e quatro horas numa alegria quase arrebatadora da amiga, o grito na entrada da casa, a iluminação por velas e candeeiros, e o espelho com a moldura frouxa daquele quarto, faziam um conjunto aterrador, levando Douglas e Adriana a muitas vezes pararem a discussão sobre o assunto de Transtorno Dissociativo de Identidade para falar sobre a pesada sensação que sentiam ao ficar naquela casa.

Adriana estava com vontade de ir embora, e Douglas percebeu a gaveta com cadeado do guarda-roupa de Beth. Ele se levanta e vê que estava enferrujado. Ela aparece:

- Trouxe seu lanche e seu café, miguchos!

- Beth, eu acho melhor eu ir embora. Eu estou com certo...

- Certo o quê? Está louca? Só porque tenho uns medos estranhos você não precisa surtar também. Isso é da minha família. Tome seu lanche.

- Beth, por que você tem um cadeado naquela gaveta? E, pelo jeito, ela não é mexida há tempos. – pergunta Douglas segurando seu copo de café.

-Ah, a gaveta? Olha, isso é uma longa história. Mas vamos deixar isso para outra hora. Eu descobri algo importante que pode ser que ajude na matéria. – ela dizia enquanto Douglas sorvia o café e Adriana ingeria, com mastigações lentas, o lanche. – Venham aqui. Sentem-se.

Ambos se sentaram. Cabiam todos deitados naquela cama enorme.

Enquanto ela explicava, Douglas começou a se sentir um pouco tonto e com sono. Pergunta se pode deitar um pouco e ali mesmo cochilou. Adriana observava os olhos da amiga, que brilhavam, e seu rosto claro com sua altura corporal e cabelos presos, lhe davam a semelhança de vilã rica que acabara de tombar um dos seus inimigos.

- Dri, só ficou você. Você que sempre foi minha melhor amiga, preciso te confessar uma coisa...

Continua...

Leandro Severo da Silva e Mariel F. Santolia (revisão e edição)
Enviado por Leandro Severo da Silva em 08/03/2019
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