OLHOS BRANCOS

Na minha cidade, São Paulo, em 1900, aconteceu um fato que muita gente duvidou quando viu aquilo. Muitos atribuíram o acontecimento à uma entidade, outros a questões fenomenológicas. Eu... não sei explicar. Só sei que aconteceu e me recuso a especular sobre.

A medicina não tinha tanta tecnologia ainda, quando numa maternidade no centro de São Paulo, uma criança de pais pobres nascera. A mãe sofreu no trabalho de parto, este que era seu quarto, como todos os outros, mas seu maior sofrimento foi após, pois não imaginava o que estava por vir com o nascimento de seu último filho.

Diferente de seus outros filhos, Mateus, Osvaldo, Rafaela e Teresa, o último filho não foi planejado, e Ernesto e Amélia agora estavam se preparando para, com os recursos na medida, recepcionar bem ao mundo a nova vida. Após nove meses, na noite de 29 de fevereiro a mãe entrou em trabalho de parto e foi levada as presas para um hospital público. Quando já era 0h00, a criança saiu do ventre materno chorando. Era um menino lindo.

Chamaram-lhe de Estevão. O pai estava presente e muito se alegrou ao ver que era mais um herdeiro homem para a família.

Depois de todos os cuidados médicos, a criança não abrira os olhos sequer um momento e permaneceu de olhos fechados durante dois dias seguidos. Pensavam que era por causa da pequena idade e o efeito de ter passado nove meses no escuro da placenta da mãe o fez não acostumar com a claridade.

No terceiro dia a mãe já estava preocupada com o bebê que ainda não havia aberto os olhos. Foi quando enquanto fazia a lactação do seu filho que suas pálpebras se moveram para cima, revelando uma característica rara, estranha e assustadora. Os olhos da criança não possuíam íris, nem pupila, eram totalmente brancos. Incrivelmente brancos! A mãe se chocou e logo chamou seus filhos para Osvaldo, o segundo, vigiar os demais, enquanto Mateus iria com ela ao hospital.

Saindo eles de casa, em plena tarde ensolarada, ao pegar o ônibus a criança abriu seus olhos e aqueles que a viram ficaram perplexos. “É cego o pobrezinho!”, diziam algumas pessoas com piedade do pobre menino.

Chegando ao hospital, o pediatra examinou a criança e disse que apenas depois de alguns dias que fizesse um pequeno teste de visão com a criança, já que recém-nascidos não começam enxergando perfeitamente.

A mãe e o pai aguardaram e fizeram o teste. A criança não só enxergava perfeitamente, como não estranhava nenhum de seus irmãos e irmãs.

Porém seus olhos continuavam sem cor na pupila e sem cor na íris.

Foram novamente ao médico quando o bebê aprendera a falar, que foi com apenas cinco meses e meio de vida.

O doutor examinou e disse que se a criança enxergava bem, se tratava apenas de um caso raro de pigmentação ocular, que altera a coloração dos olhos. Pensava ele que era uma espécie de esclerose, mas a criança via tudo normalmente.

A noite, quando todos dormiam, Amélia foi até o banheiro. Ao voltar, deu uma olhada no berço do bebê e viu que ele estava acordado. Ele se virou e a fitou nos olhos. Aquele olhar branco, sem pupilas nem íris a estremeceu no meio da escura madrugada, o que acabou fazendo com que tropeçasse no tapete frustrando sua tentativa de correr.

Na manhã seguinte, a criança estava alegre, radiante e feliz. Tudo a animava, exceto uma coisa: a luz do dia. A pele do bebê queimava, mesmo não sendo de cor tão branca. Ele era um pouco pardo, cabelos pretos lisos como os da mãe, apenas os olhos... os brancos olhos, faziam destaque em toda aquela família.

Outro retorno no médico e foi diagnosticada uma doença, um tipo de insolação forte, que gerava pequenas bolhas na pele que coçavam e geravam desconforto no bebê. Ele então começou a sempre usar blusas de frio e luvas mesmo no calor. E por incrível que pareça, aquilo não lhe gerava abafamento ou sufocamento. Pelo contrário, se sentia à vontade; quanto mais protegida pelo sol, melhor.

Os tempos se passaram e a criança começou os estudos usando óculos. Sempre usava aqueles óculos para que ninguém estranhasse seu olhar.

Muitas crianças a cercaram com o passar dos dias perguntando se ele era cego. Era muito tímido e não respondia. De repente, uma criança metida a valentona arrancou os óculos jogando para um amigo. A criança fechara os olhinhos com as mãos e insistia para que lhe devolvessem os óculos. Quando o valentão agarrou-lhe pelo colarinho e disse que só devolveria se ganhasse dele numa briga.

Então Estevão abriu seus olhos e encarou aquela criança maior e mais forte que ele.

O menino gritou apavorado e dizia:

“Ele está morto! É um fantasma! Seus olhos são brancos!”

As crianças olhando para aquilo, se afastaram aos berros de pavor.

Os pais da criança foram chamados dizendo que o menino assustara os alunos, porém seu Ernesto dizia que se a escola não ensinasse seu filho, ele mesmo iria ensinar em casa...

O menino foi crescendo e amparado pela família, seu Ernesto e Dona Amélia, que mesmo pobres não eram analfabetos, ensinaram as letras para ele em casa. Tornou-se um rapaz muito bonito e inteligente, mas que não saía de dia, mas sempre à noite, por causa das feridas que o sol poderia causar e para que os vizinhos não estranhassem a excentricidade do garoto.

Não tinha muitas amizades, amava ler e escrever poesias. A maioria delas era gótica. Todos os seus irmãos já trabalhavam, e ele com a idade de 18 anos, foi à procura de emprego.

No ônibus, as pessoas o olhavam com certo receio. Principalmente no tempo do calor. Ele estava todo vestido de uma jaqueta velha que já não cabia no seu irmão Osvaldo, calça jeans e um tênis velho.

Conseguiu uma entrevista, mas a entrevistadora pediu para que retirasse os óculos. Quando ele retirou, a moça ficou sobremodo espantada, porque nunca vira aquilo na vida.

Ele conseguiu um bico sem registro de limpeza à noite num grande deposito. Seu trabalho era apenas limpar a sujeira que ficava da produção do dia. E isso, ele fazia sozinho.

Quando voltava do trabalho às 4h30 da madrugada, passou em frente ao cemitério e lá ficou paralisado... olhando para cada lápide, cada cova fechada e se perguntava o porquê da existência da morte...

Ao sair, achou jogado no chão uma página rasgada de um poema de Lord Byron chamado TREVAS. Quando chegou em casa, leu o poema antes de dormir. Quando fora apagar a luz para adormecer, se assustou com o que percebeu. A luz estava apagada e ele lera o texto no escuro sem luz nenhuma...

Continua...

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 28/03/2019
Reeditado em 28/03/2019
Código do texto: T6609347
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