A Noite Fria: O Último Bar
Lucas não reconheceu o seu amigo Paul e o atacou ferozmente
Do lado de fora da embarcação, ouvia-se o estalado de vidros se quebrando e coisas sendo arremessadas de qualquer forma
Isso misturava-se com o som produzido pelas ondas do mar calmo que quebravam lá fora
Após esse instante de insanidade, Lucas reconheceu o seu amigo quando percebeu a mancha que ele tinha em seu braço direito
Nesse viés, Lucas se viu mais pesado que os olhares das penas de um pavão...
Depois de se acalmarem, esperaram clarear o dia até que o nevoeiro sumisse e a cidade voltasse ao normal
Lucas insistiu em permanecer calado a noite inteira
Ele tinha para si que se conversassem sobre o livro enquanto o nevoeiro espreitava lá fora, as criaturas do livro viriam da névoa
A noite se desenvolveu bem, sem maiores acontecimentos...
Durante à tarde, Paul e Lucas foram ao Bar do Rato Morto
Um espaço pequeno, apertado e quente
Cabiam apenas quatro mesas, duas em cada parede lateral
Do lado de fora, um alpendre envelhecido e uma placa de madeira comida pelo tempo presa por apenas um dos lados
Um lugar sujo e fedido
Em frente ao rio que atravessava a cidade, o cheiro de mangue era constante
Lixo, gatos e sapatos formavam a vista comum daquele lugar
Ao entrarem, à esquerda estavam Johny Barracuda e Epaminondas conversando em sussurros
Atrás do balcão, Samaras, dono do bar, acendia um cigarro e ouvia Willie Nelson no início da sua carreira
Todos ficaram surpresos ao vê-los
Johny levantou-se com muita euforia e disse:
- Mas oxe! Vejam só! Se não é Lucas Urudelo, O Louco?! Venha aqui rapaz!!!! E o abraçou forte, Lucas, com a frieza de sempre, retribuiu
- Samaras! Uma rodada de Sapupara por minha conta! – Esbravejou, Johny
Todos servidos e abismados com tudo aquilo
Lucas e Paul sentaram-se e conversaram sobre o livro
...
- Você quer saber sobre o livro, certo?! - Lucas começou.
- O que você acha?! - A expressão de Paul não era boa
- Nos primeiros meses eu tive um fluxo de muita sabedoria e adquiri muito conhecimento. Mas isso teve um preço. O livro contém segredos que não deveriam ser pronunciados por ninguém. Mas quem o fizer, estará fadado ao esquecimento...
- As coisas ficaram bem agressivas. Pessoas estranhas vinham até a minha casa durante à noite, batiam nas portas e nas janelas, depois iam embora sem nenhuma explicação
- Eu decidi me isolar lá no barco porque a vida das pessoas de quem eu gostava estava entrando em risco. Contudo, os tormentos não foram menores
- Tormentos?! – Pergunta Paul.
- Sim, no início como pesadelos, mas depois as coisas tomaram forma
- Nesses pesadelos você via... - Paul foi interrompido
- Um padre, pessoas vestidas de preto com gorros escuros, um homem e uma mulher de branco, um ritual sendo praticado... Você já está vendo isso não é?! - Lucas falou com muita precisão e continuou:
- Foi preciso você ir até a Rússia para recuperar o livro. Eu o perdi quando fui atacado pelo homem de branco e alguns daqueles encapuzados, uma noite lá no barco. Quando acordei, não o encontrei mais
- Mas como assim?! Aquele povo todo existe?! - Paul era preocupação e receio
- Pois é, e se não tomarmos uma atitude, as coisas vão piorar. Mais para você do que para mim. Eu já estou entregue. Olhe para mim! Eu perdi tudo! Em troca de que?! Conhecimento?!
- Durante todo esse tempo, eu conheci pessoas que também se envolveram com essa história. Uma delas foi o contato da Rússia que se passou por mim. Eu tive que dar indícios de se tratar de mim quem estava lá, afinal, o que mais te faria ir para um lugar tão distante?! - Concluiu Lucas.
Mas por que todo esse mistério?! Por que eu não podia simplesmente visitá-lo?! - Retrucou Paul.
- A realidade dele era bem pior do que a minha! Fique certo disso!
Cinco da tarde... Quase seis, quando Lucas foi cortado pelo toque de recolher
As sirenes soaram pela cidade, já era hora do nevoeiro cair
Como não era seguro sair por aí
Os cinco amigos decidiram passar o resto da noite no bar
Samaras trancou as portas e carregou sua espingarda
Com atenção, ouviram sons estranhos que vinham do nevoeiro
Às vezes alguma coisa passava correndo pela calçada
Às vezes sobre o telhado
Sussurros e cochichos vinham do outro lado da porta
Incompreensíveis, de certo, mas assustadores
Ladrões tentavam a sorte madrugada a dentro
Os ventos uivavam lá fora
Enquanto a turma bebia e jogava vinte e um
Apesar da estranheza, as coisas seguiram bem
O nevoeiro está por aí
Rodeando de incertezas as ruas desses lares calados
Enfim, Lucas e Paul se entenderam
Assim como a cidade e a névoa cinzenta, se deram muito bem
Um para o outro, à espera por um inferno mais tranquilo.