O CHUPA CABRAS - DTRL34

Jonas e sua família moravam em uma cidade pacata no sertão do Ceará, mais exatamente no Crato. Sua casa ficava distante do centro. Habitavam em uma região para adentro do sertão. Eram cinco: Jonas, sua mãe Maria, seu Pai José e seus irmãos mais novos Matheus e Jeremias, além de seu fiel companheiro Chico, cachorro que fizera parte de sua vida desde a infância. Uma família simples, da qual tirava seu sustento através dos bichos que criavam. Das vacas tiravam o leite, das galinhas os ovos, dos porcos a carne fresca. Para cada um tiravam um pouco para alimento e o restante para comércio com o objetivo de suprir suas outras necessidades. Jonas trabalhava com seu pai. Acordava cedo para ordenhar as vacas e apanhar os ovos. Após a coleta, tomava seu café da manhã com sua família e no final acompanhava seu pai até a feira do centro da cidade para vender os alimentos, mas antes disso deixava seus irmãos na escola, já que os dois tinham 4 e 5 anos respectivamente. Era um adolescente com muita responsabilidade.

Quando Jonas voltara com seu pai e seus dois irmãos ao fim da tarde, Chico corria em sua direção com a língua para fora e balançando o rabo como quem esperava tempos para rever alguém. Os dois eram muito apegados, tanto que Chico dormia embaixo da rede de Jonas. Pelo fato de morar no campo, longe de toda luminosidade dos centros urbanos, Jonas gostava de passar a noite olhando o céu e lendo livros de astronomia. Era um rapaz de bem com a vida, que sabia apreciar a beleza das pequenas coisas do dia a dia. Passava horas no quintal de sua casa admirando a música inaudível do céu noturno. Seu amigo Chico o acompanhava todas as noites. Era quase que um ritual que os dois tinham antes de dormir. A região onde moravam era meio deserta, encontrava-se uma casa a cada 4 km, já que se tratava de uma Zona Rural onde havia mais sítios, dos quais um pertencia à família de Jonas. Assim era sua vida.

No outro dia, quando caminhava com seus irmãos na estrada de terra, avistou de longe duas luzes piscando e logo percebeu que se tratava de uma viatura da polícia militar. Ficou intrigado com aquilo, pois nunca havia visto uma naquela região, uma vez que se tratava de um lugar tranquilo, sem crimes ou qualquer tipo de perturbação. A viatura estava parada na entrada do sítio de seu vizinho mais próximo, o senhor Antônio, dono da maior criação de carneiros de todo o Crato. Curioso como era, foi logo entrando na propriedade. Chegou até a casa, mas não viu ninguém, então resolveu ir até o curral. Ao chegar viu os policiais conversando com o senhor Antônio. Quando chegou mais perto, percebeu que haviam três carneiros estirados no chão, ensanguentados, já podres, com larvas saindo pelos ouvidos e boca. Ficou horrorizado. Perguntou o que havia lhes acontecido, mas assim como ele, os três estavam encucados e não tinham pistas do que ocorrera. A única certeza que tinham é que os bichos haviam sido vítimas de algum animal, ou até mesmo um humano, que os feriu bem na região do pescoço e não deixou nenhum vestígio a não ser o sangue espalhado pelo chão e nos cadáveres.

Percebendo que seus irmãos estavam assustados, resolveu ir embora e seguir com sua rotina. Ao final da feira, já se preparando para ir embora, um último cliente aproximou-se de seu pai José e disparou:

- Boa tarde, moço! Me vê uns ovos bem fresquinhos.

José então separou os melhores dos que haviam sobrado e os entregou. Quando recebeu o dinheiro o homem perguntou:

- O “cumpade” tá sabendo do que aconteceu essa noite na fazenda dos Patrícios?

Os Patrícios era uma família nobre que residia no Crato, bastante conhecida por ser a principal fornecedora de carnes bovinas para os frigoríficos da cidade.

José também muito curioso o indagou:

- O que aconteceu “homi”, conte logo, deixe de vexame!

- Invadiram a fazendo e mataram 100 cabeças de gado. Disse o homem.

Jonas logo se lembrou do que viu mais cedo, mas ficou calado, não comentou nada sobre o assunto.

José apenas ficou pensativo e soltou:

- É, “homi”, esse pessoal não confia mais em Deus. Ninguém agradece as chuvas que nosso pai tem mandado. Só dá nisso.

Os dois então desmontaram a barraca e foram embora. Ao chegar em casa perceberam que Maria havia preparado o jantar mais cedo. Ela estava a comemorar, pois teria vendido um de seus porcos por uma boa quantia. Estava servindo galinha cozida. José logo feliz ficou, já que chegara faminto. Todos se sentaram à mesa e começaram a comer. Os irmãos de Jonas estavam um pouco abalados com a cena que viram mais cedo. José e Maria perceberam, e então Jonas lhes contara o que havia acontecido. Maria não ligou muito, afinal era comum haver raposas naquela região, mas Jonas percebera que não se tratava de uma, pois as marcas que viu no pescoço dos pobres carneiros eram grandes.

No fim da noite, quando todos se preparavam para dormir, Jonas se acomodava em seu quintal para mais uma noite de observação com seu amigo Chico. Como estava muito cansado resolveu deitar de baixo do pé de ciriguela. De repente, ouviu um grito agoniante, como de uma criança em prantos. Levantou-se ligeiro. Chico saiu correndo na direção em que veio aquele som assustador. Quando Jonas chegou viu um de seus porcos espedaçado, com apenas metade do corpo ali. Havia um rastro de sangue no chão. Ficou com medo de seguir, não sabia o que havia acontecido muito menos quem havia feito tamanha barbárie. Seu pai chegou depois e ficou “emputecido” com o ocorrido. Em suas mãos estava uma espingarda velha que pertenceu ao seu avô. Maria ficou com as crianças no quarto. José indignado pegou Chico e seguiu o rastro de sangue. Jonas apenas observara.

Chico corria e José o acompanhava com a mira apontada para frente. Os dois acabaram se desencontrando. Enquanto Chico continuara sua busca, José já exausto parou e encostou-se em cajueiro para descansar. Mas atento. Ouviu de longe os berros do cachorro que iam se aproximando cada vez mais. Ficou alerta, apontou sua arma para a direção de onde vinham os latidos. Em meio à escuridão Chico surge desesperado já mancando, sua pata estava muito ferida. Atrás José avistou uma silhueta sombria, duas luzes vermelhas ascendiam na escuridão do sertão, olhos que pareciam vir diretamente do inferno. Esperou até que chegasse mais próximo e então disparou. A criatura gritou e respingou sangue após ser atingida, mas não se intimidou. José preparava-se para disparar novamente, no entanto a criatura dispersou-se no meio das sombras e José a perdeu de vista.

Quando chegou em casa sua família o aguardava amedrontada. Jonas ao ver Chico ferido logo correu para socorrê-lo. José contou-lhes o que havia visto e todos ficaram apavorados. Jonas e seu pai passaram a noite em claro, de vigia, enquanto o resto da família descansava segura. No dia seguinte eles não foram trabalhar, nem as crianças foram à escola. José foi à cidade e deixou seu filho mais velho cuidando de sua esposa e filhos. Lá, procurou pelo velho Cazuza, um homem que vendia pólvora e algumas armas, porém, sem que as autoridades soubessem. José comprou um rifle e uma pistola. Comprou também algumas munições. O velho sabendo da índole de José ficou desconfiado e perguntou para que ele queria tudo aquilo, pois seus clientes em sua maior parte eram pistoleiros. Contou-lhe o que havia acontecido.

Via-se ali o medo no olhar de Seu Cazuza. José percebeu e perguntou o que passara com ele. Seu Cazuza contou uma história que havia acontecido naquela cidade há muito tempo atrás, quando lampião ainda era temido pelos fazendeiros. A tal criatura havia aterrorizado os moradores do Crato. Acabou praticamente com toda criação que havia na região, sem contar nos assassinatos a quem lhe ousara confrontar. Segunda Seu Cazuza, quem conhece a história costuma acreditar que o próprio lampião matou a infeliz. Desde aquele tempo não se ouvia falar mais nela. Até um dia atrás.

Já à noite, quando retornara para casa, de longe José via luzes amareladas. Ficou se perguntando que luzes seriam aquelas. Quando chegou perto o suficiente percebeu que “saia” fumaça dessas luzes que na verdade eram chamas. Desesperou-se e sai correndo, lá encontrou sua mulher, já sem espírito de vida, deitada no chão com suas tripas de fora parcialmente devoradas. Ajoelhou-se e então se perguntou por que deixara sua família só. Sentiu-se culpado. Foi ao quarto de Matheus e Jeremias onde as chamas consumiam, deparou-se com o corpo de Matheus carbonizado, em chamas. Ele entrou em choque, logo soltou sua arma. Gritou por Jeremias e Jonas, mas nenhum deles respondia. Com as chamas já consumindo toda a casa Jonas surge na entrada enquanto Jeremias aguardava fora. Viu que seu pai havia se entregado ao fogo e que não havia mais como salvá-lo.

Voltou para Jeremias, e no momento em que se aproximava a criatura surge como tigre saltando e agarrando Jeremias levando-o para longe dali. Jeremias se debatia e gritava:

- Jonas! Socorro! Socorro!

Jonas não podia fazer nada, a criatura era veloz como um carro. Em meio a toda aquela tragédia, seu cachorro encostou-se em sua perna meio que querendo consolá-lo. Enquanto sua casa sucumbia ao fogo, Jonas recitou:

Por que permitisse isso, Deus

Tu és o todo poderoso

Amolece o mais frio dos ateus

Por que nos deste esse dia assombroso

SERTÃO NORDESTINO