Doppelgänger.

Meio de semana de trabalho, um daqueles dias que não fede e nem cheira; dia que na verdade você torce para torcer o mais rápido possível. Já era noite e me foram cedidos alguns minutos para tomar um café e respirar um pouco, é comum fazerem isso, mesmo que naquele momento não fosse necessário, estava um dia tão desgraçado que não tinha nem movimento para ajudar a hora passar, a hora ficou travada as dezenove horas. Eu costumava dizer que já fazia umas meia-hora que eram dezenove e quinze e não saia disso de jeito nenhum.

Minha chefe me orientou para que eu subisse para tomar um café e passar um tempo, que seria mais ou menos uns quinze minutos, peguei a minha blusa que fazia parte do uniforme, organizei o meu local de trabalho a forma mais preguiçosa o possível, avisei a minha colega que iria tomar o café e que a qualquer problema chamar direto a supervisora, ela assentiu com a cabeça, eu fechei a minha cancela e fui me direção as escadas.

Como eu sempre fazia de costume, sempre que eu ia em direção a escada eu parava para tomar um copo com água, pra ganhar um minutinho a mais que seja, aproveito que se trata de um lugar mais escondido, então ninguém vem me apressar. Tomei dois copos d’água e fui até as escadas. Aos pés da escada, fica a portaria, portaria essa que eu tinha que avisar para onde estava indo, o que eu iria fazer e no meu caso particularmente, eu tirava uns cincos minutos de conversa com quem estivesse na portaria, afinal de contas, eu tinha muita estima por toda equipe de segurança e todos eles tinham igual estima por mim.

Assim o fiz, conversei qualquer coisa com o segurança que estava lá monitorando o acesso e as câmeras, conversamos sobre futebol, sobre o dia-a-dia, qualquer coisa que desse para conversar durante um tempo virava um assunto interessante, nem que fosse alguma piada infame, o que era muito comum. Depois de dar um pouco de risada, pedi para marcar o meu horário de café e me pus a subir as escadas. Esse lugar onde eu trabalhava, dispunha de dois lances de escadas para ter acesso ao segundo piso, escadaria íngreme e que pelo fato de ser íngreme tinha algumas regras a respeito disso, coisas como, sempre se locomover pelo lado direito, um degrau de cada vez, não correr, segurar sempre no corrimão e não portar nada que pudesse tirar a atenção, a fim de que não houvesse acidentes.

Eu respeitava todas essas regras, não que eu seja do tipo certinho, apenas sei o tipo de coisa que eu vou ter que ouvir, caso eu simplesmente tropece em um degrau na escada, não precisava nem mesmo cair e entrar em coma, um simples tropeção já era o suficiente para relatórios e sermões, por isso mesmo eu subi vagarosamente.

Após terminar o segundo lance de escadas segui o corredor até a parte dos armários, passando em frente ao refeitório e em frente ao banheiro, levando em conta a hora, não tinha mais ninguém no segundo piso, a acústica do lugar fazia com que o som dos meus próprios passos tomasse todo o lugar. Cheguei ao meu armário, abri a porta e vasculhei os bolsos da minha mochila na intenção de pegar uma barra de cereais que eu tinha comprado mais cedo, não estava com fome, mas, já que estava lá, resolvi pegar para comer. Com pouco eu encontrei a barrinha e coloquei no bolso da blusa do uniforme, que eu tinha pego e resolvi vestir, para não ficar carregando nos braços, vesti a blusa e fechei o zíper até a metade, feito isso, voltei em direção ao corredor, pois antes de entrar no refeitório para tomar café, eu queria ir ao banheiro até porque eu precisava lavar as mãos.

Voltando no corredor, olhei em direção as escadarias onde bem na frente da escada havia um rapaz me observando, escorado na parede, como se estivesse lá só para isso, sem olhar direito para quem era, eu cumprimentei um com aceno de cabeça, ao mesmo tempo em que eu o cumprimentei, eu coloquei a mão na maçaneta do banheiro e uma questão me veio à cabeça...

Como eu não ouvi aquele cara chegar aqui, ele tinha o meu tamanho e o físico parecido com o meu e considerando o barulho que eu fazia me movimentando, eu deveria ouvir ele, principalmente pela escadaria que era de ferro, como eu não ouvi? Logo e pensar sobre isso, logo outra questão me veio, quase atropelando a primeira; por mais que eu não tivesse reparado no sujeito, meu subconsciente reparou e como por necessidade, ela me mostrou quem era, e a cena que se fazia na minha cabeça, arrepiou a minha nuca... O sujeito usava a mesma roupa que eu estava, o que no caso era o uniforme completo, calça, camiseta e blusa, inclusive a blusa estava do mesmo jeito que eu havia deixado a minha, claro que poderia ser o caso de simplesmente ser outro funcionário, com o uniforme da empresa, no entanto, as cores do uniforme representavam em parte o setor em que cada um trabalhava e no meu setor em questão, só havia eu como funcionário masculino, isso acrescentando a questão do horário.

Toda essa onda de pensamentos se passou por um milésimo de segundos, o que me fez não levar muito a sério tudo isso, era só coisa a minha cabeça. Apesar disso tudo, outro pensamento me acometeu, pois, entre as regras acerca das escadas, uma delas era não ficar parado na frente da escassa, tanto no primeiro piso, quanto no segundo piso, assim, eu tive a reação automática e me virar para avisar o sujeito... Não havia mais ninguém lá... Sem barulho de passos...

Desisti de ir ao banheiro e fui direto para o refeitório a fim de encontrar o sujeito e não encontrei ninguém, fechei os olhos por um segundo e respirei fundo, peguei um copo descartável e enchi de café até a metade, estava fresco e bem quente, virei como se fosse cachaça e resolvi descer. Ao descer as escadas, eu perguntei despretensiosamente para o segurança se alguém havia subido depois e mim, não ouvi nada além de um “não” ... Olhei em direção as escadarias, olhei de volta para o segurança que me olhava e tentei fazer alguma piada idiota, pedi para que marcasse a minha volta e não disse nada.... ainda não sei dizer o que vi.

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 27/04/2019
Reeditado em 07/09/2020
Código do texto: T6633707
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