O fim da luz no túnel

De repente o apagão. E ainda dizem que azar não existe. Primeiro dia do ano e eu dentro do túnel na mais absoluta escuridão. Em azar não acredito, mas em premonição, sei não. Dois mil e dezenove promete. Depois do buzinaço que o susto pela escuridão provocou, passou a reinar um silêncio quase tangível. Depois um zun zun zun, de leve; murmúrios ininteligíveis e depois, alguns diálogos. De um lado parecia que comemoravam alguma coisa que a escuridão não me permitia ver, por mais boa vontade que eu tivesse. Até que alguém gritou - Vai ter luz no fim do túnel. deu até vontade de aplaudir o otimista, mas me contive. Seguro morreu de velho. A frase foi seguida de aplausos. Do outro lado veio outro grito. - Tô pagando pra ver. Pensei com meus botões. - Vai perder. Não dá pra ver nada nesse breu. Alguém, num gesto sensato resolveu colocar música. Música é bom, música acalma o espírito. Caraca. Dupla sertaneja "Vou bater na porta dela, vou dar na cara dela" O som vinha do lado da turma do otimismo, da luz no fim do túnel. As vaias vieram da turma do outro lado. Deviam ser pacifistas de carteirinha, pois vaiavam com força. E eu matutando como é que no maior apagão os lados se definiam. Acho que os espíritas estão certos. Os iguais se atraem. Energias afins. O túnel, de repente tinha se transformado numa espécie de shopping. Apareceu vendedor de dindin geladinho, feito com a mais pura água de poço, cantora de música gospel esgoelando-se. O Deus dela deve ser surdo. A noção do tempo já era mas eu calculava uns quatro meses. Caraca. Já é primeiro de maio. E nós, aqui, no escuro do túnel, sem expectativa de salvação. E não dá nem para acender umas tochas. O preço da gasolina tornou inviável. Deu na rádio o anúncio de novo aumento dos combustíveis. Só mesmo usando a filosofia para manter o estado de espírito elevado. Filosofia é poesia e poesia é relaxante. Nesse meio tempo já deu para perceber que o número dos entusiastas da escuridão diminuiu consideravelmente. Tomara que sim. Tomara que se unam a nós para abrir um buraco que nos tire dessa escuridão. Oxalá, saravá.