O CLUBE DOS 27

Ele dirigia lentamente por uma estrada de terra naquela noite fria, procurava algo na escuridão primitiva que não sabia o que era. Tudo que iluminava o seu caminho vinha da claridade emanada da lua cheia. Percorreu mais alguns quilômetros até visualizar logo a frente uma figura peculiar: um jovem negro vestindo um elegante terno também de cor escura, trazia junto um violão de madeira. A peculiar figura estava parada em uma encruzilhada e sorriu quando o viajante olhou em sua face. Aquele sonho havia sido o mais estranho da vida daquele agente da lei.

Vitor era um jovem delegado de polícia, desde criança adorava música, sobretudo Rock. Ouvia bandas como Ramones, The Cure e Iron Maiden.

Ele acordou naquela fria e chuvosa manhã de abril, ainda com vagas lembranças do sonho em que encontrava o homem trajando luto; procurou, ainda sonolento o controle remoto que ligava o aparelho de TV. Fazia sempre este ritual antes de ir preparar o café da manhã. Gostava de assistir logo cedo as notícias no jornal local.

Foi surpreendido pelo âncora do telejornal, com a informação de que o vocalista da sua banda preferida de Rock nacional chamada “Tribo Amazônica” havia sido encontrado morto, aparentemente teria cometido suicídio, conforme exames preliminares feitos no local.

Apesar das circunstâncias: corpo encontrado no sofá, com a suposta arma ao lado, o caso acabou por sofrer uma investigação, já que também existiam sinais de luta no interior da residência, assim como uma janela estava quebrada, aumentando a hipótese de um assassinato. O caso ficou sob a responsabilidade de Vitor.

Após uma análise preliminar, a CPU do cantor foi levada para a delegacia para inspeção pericial. Um detalhado exame foi feito, o perito chamou o delegado para mostrar algumas coisas que havia encontrado.

Armazenados no HD, foram achadas fotos de conteúdo sexual, bem como comprovado o acesso a sites tratando de bruxarias e exorcismos. Vitor pediu para verificar o conteúdo e mandou o perito fazer outro trabalho pendente. O delegado queria ficar sozinho para examinar os arquivos.

Analisando o HD, Vitor encontrou uma pasta chamada “Próximo Álbum”. Clicou em cima do ícone, tendo acesso ao conteúdo. Existia apenas um único arquivo de áudio em formato MP3 chamado “A Última Canção”. O delegado selecionou e abriu o arquivo. Aos seus ouvidos lhe foi apresentada a mais bela melodia que já escutara. Aparentemente, a canção havia sido concretizada no estúdio particular do cantor, apenas com violão e outros instrumentos de corda. O final da música possuía a redação característica do artista e dizia:

“Humanidade vil, humanidade quem te viu; a falta de humanidade sempre foi o problema do Brasil”.

O final da canção tinha uma sonoridade de música espanhola alucinada, interrompida abruptamente por um som indescritível.

Ao ouvir este som gutural, Vitor pensou tratar-se de algum problema técnico na edição. O monitor do computador piscou rapidamente, assim como ouviu o disparo de um alarme de um carro nas proximidades. O delegado pegou seu Pen Drive pessoal e fez uma cópia do arquivo, apagando o original de forma irremediável da CPU.

Depois de algumas semanas a investigação foi concluída, declarando-se que de fato o que acontecera fora um suicídio, explicado pelo grau de dependência química do cantor e seus problemas de personalidade. A verdade, porém, era que o delegado não se empenhara muito no assunto. Era mais cômodo para todas as partes deixar o problemático cantor descansar em paz.

Alguns meses se passaram e a pressão na mídia era grande para que os outros integrantes da banda falassem a respeito do ocorrido, assim como se existiria material para um novo álbum póstumo. Os roqueiros disseram que não. Ao saber destas confabulações lendo uma revista, Vitor pegou o Pen Drive com a música do cantor falecido e abriu em seu computador. Não tinha ouvido novamente a música após tê-la encontrado na delegacia.

Após o último refrão, novamente ouviu aquele som espectral, mas agora aos seus ouvidos soou um pouco diferente, mais agudo. Pensou tratar-se apenas da sua imaginação. Nunca diria a ninguém que possuía a última obra de uma lenda do rock nacional. Vitor desligou o computador, foi até a geladeira, abriu uma cerveja e sentou no sofá para assistir a uma partida de futebol. Ao ligar a TV, notou que a mesma estava com um chiado e tremendo constantemente a imagem, o que não era normal, já que era digital e a recepção na área em que morava era excelente. Mexeu um pouco nos cabos e o problema parecia ter sido resolvido.

No meio do jogo, quando o time para o qual torcia estava prestes a bater uma penalidade máxima à tela do aparelho novamente tremulou, espalhando chuviscos indecifráveis. O delegado visualizou o que parecia ser um jovem adolescente negro dedilhando uma guitarra. A imagem durou apenas alguns segundos, voltando a ser transmitido o evento esportivo. Vitor olhou para as cervejas que estavam ao lado, sentiu um forte enjoou e acabou vomitando no sofá.

Após o jogo, Vitor foi em direção à varanda e fumou alguns cigarros, indo deitar-se em seguida. Acordou de madrugada com um barulho enorme vindo de seu aparelho de som, a sonoridade não era muito nítida, mas parecia soar como uma antiga canção do The Doors, de cunho apocalíptico. Maldito aparelho, pensou o delegado, desligou e voltou a dormir.

No dia seguinte, Vitor parecia bastante cansado, completaria naquele dia 27 anos. Apenas ao entrar em seu carro para ir ao trabalho, ao ajeitar o espelho retrovisor, viu que haviam surgido de repente vários fios brancos em seu cabelo. O delegado ficou um pouco triste, tirou do bolso seu inseparável Pen Drive e colocou no som do carro, iria ouvir algum metal barulhento para aliviar o estresse.

Ao selecionar as músicas de forma aleatória chegou novamente na última canção do roqueiro nacional. Assim como ocorreu nas outras oportunidades, ouviu o som esquisito ao final, mas agora, parecia quase audível. Aumentou o volume do aparelho, retrocedeu e escutou novamente, percebendo com mais clareza o que era dito:

“Ouça duas e cairá no limbo, ouça três e será a sua vez”.

Muito estranho, pensou. Voltou para as músicas e começou a ouvir uma do Nirvana onde o vocalista se desculpava por algo.

O trânsito enfadonho estava deixando Vitor impaciente. Ele tirou o Pen Drive, colocou no bolso da camisa; pegou um cigarro e quando ia acendê-lo percebeu movimentos estranhos à sua frente. Dois adolescentes, um com uma faca na mão e outro com uma arma de fogo puxavam freneticamente a bolsa de uma mulher, fugindo ao conseguirem seu objetivo. O delegado não pensou duas vezes, desceu do veículo e saiu em perseguição aos meliantes. Os marginais entraram em um cemitério, Vitor foi em seu encalço.

Um dos bandidos conseguiu escapar, o delegado viu o outro escondido atrás de uma lápide, gritou para ele se entregar, foi rapidamente para o local, mas o bandido havia desaparecido de forma inacreditável. O delegado parou para descansar e sentou ao lado de uma lápide, quando olhou para ela, percebeu que era o túmulo do roqueiro nacional, o qual havia investigado sua morte. Pelas inscrições, Vitor percebeu que o cantor havia falecido com 27 anos de idade, a mesma que o delegado estava completando naquele dia.

Vitor sentiu então uma dor dormente e lancinante em suas costas, caiu de lado. Um dos marginais estava com uma arma em punho e atirava contra o delegado. Foi alvejado duas vezes mais. O bandido se aproximou do homem e disse:

— Diga ao capeta que ele tem a minha simpatia.

A última coisa que o delegado pensou foi que era jovem demais para morrer aos 27 anos de idade e então uma bala lhe perfurou a cabeça.

O Bandido pegou a carteira e o Pen Drive que estava com o delegado, mais tarde ele venderia o produto roubado para um jovem vocalista de uma banda de rock que se apresentava em bares noturnos desconhecidos da cidade.

Lord Shakiro
Enviado por Lord Shakiro em 02/05/2019
Código do texto: T6637490
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