O Reverendo

Cruzando a cidade com o seu Opala, Lucas olhava pela janela e via o tempo passando lento

Paul ainda machucado no banco de trás

Marilda, a enfermeira, confusa e frenética devido a tudo o que aconteceu no hospital

As ruas em silêncio, vazias e trêmulas

Cortadas apenas pelo som da forte chuva que caía

O nevoeiro que batia de porta em porta

Uma solidão de ruir as pedras do caminho

Nesse sentido, eles seguiam em busca de um lugar mais seguro

Lucas parou o carro em frente à casa de Chico Portuário, um desses amigos em que você pode confiar favores sujos

Uma casa de jardim, cerca baixa, duas árvores solitárias que espalhavam seus galhos pelas extremidades laterais

Parecia muito com um mausoléu, principalmente nas noites de ruas vazias e a neblina

Chico morava sozinho, no seu porão guardava objetos relacionados à marinha mercante, embarcações abandonadas e algumas relíquias trazidas da Ilha de Manoel Gonçalves, antigo vilarejo que existiu nos arredores da praia de Macau

Em outras palavras, um acervo um tanto incomum

Quando eles voltaram para o carro, o livro havia ficado no porão O que significava um problema para Chico

Lucas sabia disso, mas ele precisava ter uma conversa com quem entendia um pouco mais sobre os mistérios do livro

Ao chegar na igreja matriz da cidade, eles entraram pela porta da frente, a qual sempre ficava entreaberta para acolher os necessitados que fugiam dos perigos do nevoeiro

- O que vocês querem? Vocês não estão mortos, nem estão morrendo! - Disse Padre Loomis, escondido entre as sombras dos pilares da igreja.

- O livro, o que você sabe sobre ele? Na embarcação naufragada na praia, eu encontrei algumas coisas sobre o senhor enquanto estive lá... - Lucas responde com calma e precisão nas palavras.

- Vocês estão com ele aí?! - Loomis afasta levemente para o lado, seus olhos sob a pouca luz que fazia.

- Não, não teríamos condições de conversar - Lucas responde e se senta no banco próximo à porta. Paul e Marilda também se acomodam e descansam.

- Coisas estranhas acontecem nessa cidade, acredito que estamos longe de qualquer explicação - Padre Loomis responde descarregando a sua espingarda e a escora na parede.

- Não se preocupem com a arma. Como disse, coisas estranhas vêm acontecendo por aqui, temos que nos adaptar à necessidade de cada tempo - Loomis esclarece.

Loomis tranca a porta da frente e sobe para o campanário da igreja com o pessoal

Lá de cima eles podiam ver quem se aproximasse da porta e conversar com calma sobre o livro

Quase três da manhã, não ia demorar muito para o nevoeiro se dissipar com os primeiros raios de sol

Lá do alto, olhavam a cidade, o rio que corria próximo à igreja, as casas trancadas, o movimento sórdido da névoa, a chuva que perdia a força lentamente, sem raios, não mais trovões

Apenas silêncio e mistério

Um momento de estranha leveza, ouvidos atentos e olhos virados para o que o Padre tinha a dizer sobre o livro

Lucas explicou para Loomis como eles chegaram até aquele ponto, tudo o que eles passaram etc

Loomis ouviu com muita atenção, pegando alguns pontos, outros não, no entanto, compreendia muito bem a situação

Por seu turno, ele decidiu contar o que sabia sobre o livro

Uma pausa, Loomis olha ao longe, um olhar para muito além daquela cidade, lembrando talvez do seu passado, tudo o que acontecera com ele, sem família, sem amigos, dedicando sua vida a ajudar os que passam por aquele lugar. Seus olhos pediam por outra coisa, mas ele sabia que há pessoas que nasceram para suportar a solidão, e outras que mostram por definição a natureza de estar só.

Então, Loomis começou falar:

- Vocês sabem que eu sou o Padre da cidade há alguns anos. Mas poucos sabem que venho de uma família de pescadores muito antiga da região.

Escute só, falo de uma época em que estas ruas não tinham pedras, esta igreja não existia, nem água encanada, nem luz elétrica. Somente areia, árvores, animais exóticos e água. Macau sempre foi rodeada por água, vocês sabem. Porém, meus avôs e bisavôs estavam aqui e tinham a pesca como meio de subsistência, assim como a maioria dos outros moradores

Se você olhar bem, por que diabos eu não virei um pescador?!

Loomis respirou fundo, e após um desabafo lento ele continuou:

- Tudo começou com o meu bisavô. Ele e seus tripulantes partiram para uma temporada de pesca em alto mar, mas as coisas não saíram como eles esperavam. Depois de mais ou menos uns dez dias no mar, eles encontraram uma embarcação.

Tentaram de início se comunicar com quem estivesse lá, mas ninguém respondia. Eles esperaram anoitecer, durante o dia analisaram se alguém aparecia para dar um sinal ou algo assim.

Como era de se esperar, ninguém, nenhum sinal de vida.

A noite veio e eles invadiram a embarcação.

- Mais parecia que eles eram os primeiros a entrarem naquele lugar depois de muito tempo. Sem sinal de invasão ou coisa do tipo. Com isso eles começaram a pegar tudo o que viam pela frente. Ao revirarem os cômodos vazios, tudo corria bem, até chegarem na cabine do capitão. Toda a tripulação estava morta, espalhada pelo chão, e o capitão deitado sobre sua mesa com o livro na mão. Como disse, sem sinais de invasores ou inimigos. Apressados e com muito medo eles continuaram o saque, mas logo eles abandonaram a embarcação.

Um dos tripulantes resolveu levar o livro que estava com o capitão, uma caixa de madeira estava no chão e serviu bem para guardar o livro. Era comum eles levarem coisas assim, livros, mapas, essas coisas sempre guardavam boas informações, um bom marujo sabia disso.

Loomis respirou mais um pouco e foi até a beira do campanário dar uma olhada no pátio na frente da igreja. Uma noite tranquila os observava de longe.

- Com todos a bordo, eles decidiram voltar para casa, encontrar coisas assim era tido como um mau presságio e que eles não deveriam seguir dalí em diante.

A volta foi um desastre. O tripulante que ficou com o livro começou a ter alucinações, na ponta da proa ele dizia estar vendo sua esposa num pequeno barco chamando por ele.

Antes que o agarrassem, ele se atirou e logo foi rasgado por tubarões. Outro tripulante começou a ver formações estranhas no céu, caiu um temporal repentinamente, ondas fortes se formaram, muitos raios e relâmpagos, começou aquela correria.

- Uma criatura imensa e escura se movia sob a superfície da água, os homens perderam a razão, viam coisas absurdas no céu. Uns viam discos voadores cortando a noite, outros viam grandes pássaros negros, outros viam aviões com numerações antigas e insígneas americanas, nuvens pesadas iluminadas pelos clarões alucinantes. A embarcação com a tripulação morta começou a afundar, as luzes na cabine do capitão acendiam e apagavam o tempo todo.

- Quando sumiu por completa oceano a fundo, o meu bisavô estava na sua cabine de capitão acelerando o máximo que podia. Pela janela ele viu um navio no meio do escuro do mar, no seu casco escrita em letras sombrias "CAMBOJA". Mas sem explicação alguma, o navio desapareceu. E depois disso, tudo passou. Calmaria, ondas tranquilas, o temporal se desfez. Contudo, toda a tripulação também estava morta. Somente o meu bisavô voltou para casa naquela noite.

E por quê?! Quem vai saber?!

- Chegando em Macau, ele enterrou o livro na parte mais isolada da praia, guardado na caixa de madeira. E por muitos anos ele o vigiou para que tivesse certeza de que ninguém o encontraria. Como a geografia das dunas muda muito devido à ação dos ventos, chuvas e do mar, ele tomou cuidado para sempre enterrar onde a areia estivesse mais profunda. E para ganrantir que ninguém usaria mais o seu barco, uma vez que ele o tinha agora como amaldiçoado, ele o naufragou lá na praia e está lá até hoje. Dizem que ao deixar o barco na praia, relâmpagos clareavam o horizonte e meu bisavô viu a forma de uma silhueta escura como se fossem tentáculos saindo da água se misturando com as nuvens no alto do céu escuro. Ninguém deveria se aproximar daquela coisa.

Paul olhou para Lucas. Lucas ficou com uma cara de errado e de quem não sabia o que dizer.

- Enfim, Isso foi passado para o meu avô, e então para o meu pai. Meu pai deveria ter feito o mesmo comigo, mas não o fez. Eu ainda o vi cuidar do livro, desenterrando e enterrando de um lugar para outro. Mas ele não deixou que eu terminasse como eles, decidiu por me criar longe dessa vida, e no fim das contas nem estou tão longe assim.

Quase cinco da manhã, o nevoeiro começa a diminuir sua densidade, os primeiros raios de sol chega no campanário

E Loomis conclui:

- Isso é tudo o que tenho a dizer. Eu ainda tentei encontrar o livro para seguir escondendo-o depois da morte do meu pai. Mas ele parou de me levar nas suas investidas há muito tempo. Por isso eu não fazia a menor ideia de onde encontrá-lo. Suponho que vocês o encontraram e agora há coisas vindo por aí.

Não sei o que há de vir

Mas Deus não vai estar aqui para nos ajudar.

Maia_XIII e Paulo Eduardo
Enviado por Maia_XIII em 07/05/2019
Código do texto: T6641554
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