O FIM DO MUNDO - CLTS 07

Cap. 01 – Um quiosque na praia

Ele sentou-se naquele quiosque à beira mar, na rádio estava tocando ‘What a Wonderful World’, de Louis Armstrong, pediu um caputino com canela e um pedaço de uma torta de maçã. Naquele momento ele só queria apreciar a vida, aquele momento de aparente tranquilidade. Sentir o vento a tocar o seu rosto. Observar as ondas irem e virem no mar, as pessoas a caminharem, a correrem, a surfarem, enfim, em seus afazeres cotidianos.

Afinal, ontem fora o seu último dia como Agente de Inteligência e Infiltração em Territórios Extranacionais (AIITE) – um belo nome para espião. Naquele momento, ele se arrependeu por sido tão eficiente. Aquela sua última missão iria mudar o cenário internacional para sempre, embora ela tivesse sido num país pequeno e afundado numa guerra civil alimentada pelas superpotências, ele sabia que o mundo nunca mais seria o mesmo.

Ele tinha pedido resignação do serviço, mas seu chefe ainda não tinha respondido se tinha aceitado ou não. Não suportava mais fazer aquilo. Aquela missão foi a gota d’água.

Poderia ser que houvesse uma equipe de tocaia a lhe observar. Podia ser que já tivessem enviado um assassino para eliminá-lo por ser uma “possível ameaça com conhecimentos sensíveis à Agencia” ou mesmo para “aposentá-lo definitivamente” – serviços esses que ele mesmo já fizera várias vezes anteriormente. Quem sabe? Ele já não ligava mais para nada. Já tinha passado faz tempo do “ponto de não retorno”.

Ele queria ao menos uma vez na vida aproveitar o momento presente, o agora. Tentava livrar a sua mente das preocupações. Naquele momento ele tinha a impressão de que tudo o que fez foi em uma vida anterior, ou algo do tipo.

Estava feliz porque, afinal, o fim não havia chegado ainda. Poderia aproveitar as horas restantes, ou os minutos, talvez.

Observava as pessoas despreocupadas a caminharem. Alguns imersos em seus celulares, outros, mais apressados, seguiam com o rosto tenso, preocupado. Será que elas tinham uma mínima noção do que estaria para vir? Da possibilidade de bilhões simplesmente deixarem de existir naquele dia? Não... definitivamente eles não tinham a mínima noção! Os poucos que tinham uma mínima percepção da realidade eram considerados como loucos pela a maioria.

Ele sabia que aquele seria o ultimo dia para todos. Não conseguia vislumbrar sobreviventes - não com o conhecimento que tinha dos mecanismos de “aniquilação mútua” e das armas que sabia que existam e estavam preparadas para serem usadas pelas superpotências naquele exato momento. Não era mais uma questão de SE, mas QUANDO.

Satélites armados com laser; lentes solares; ICBMs com carga útil de até quinze ogivas nucleares com capacidades que passavam facilmente de dez mil vezes o poder destrutivo das bombas atômicas detonadas em Hiroshima e Nagasaki, aptas a atingir vários alvos diferentes; os mísseis hipersônicos capazes de literalmente dar a volta no mundo em minutos; os submarinhos lançadores de torpedos capazes de gerar maremotos e destruir várias cidades costeiras com apenas uma carga; mísseis capazes de penetrar quilômetros de cimento e rocha bruta - especializados na destruição dos mais profundos bunkers subterrâneos – nem os mais altos figurões da politica estariam a salvo; exércitos de drones completamente automatizados programados para retaliar após certos locais serem atacados. Isso era só o começo da lista. A última estimativa conhecida por ele era que seríamos capazes de nos autodestruir pelo menos oitenta vezes consecutivamente.

Ele já tinha sobrevivido a vários “fins do mundo”: 1984, anos 2000 e 21 de dezembro de 2012 – esses eram os mais conhecidos.
Sorriu. Balançou a cabeça: “Quanta tolice!” - pensou - “será um belo show!”.

Sentiu o suor descer a testa. Uma onda de sentimentos contraditórios o tomou: um misto de saudosismo, melancolia e alegria ao ver algumas crianças brincando inocentemente. Adorava ouvir suas gargalhadas. Lembrava os seus sobrinhos... sentia muita saudade de sua família – se o acordo for cumprido, ao menos eles estarão em segurança.

 
* * *

Cap. 02 – O Acordo

A voz que saía do comunicador era notavelmente produzida por um sintetizador, dando um tom metálico, disforme:

– Você sabe que é uma questão de tempo somente, para que eles se aniquilem entre si.

– O meu trabalho é garantir os melhores interesses para o meu país, obedecendo as ordens superiores – retrucou.

– Sim, eu sei, você é um soldado exemplar. Por isso o contato com você agora. É uma oportunidade única!

Engraçado. Ele gostava de ser chamado de soldado. Fazia-o se sentir parte de um todo, de servir a um propósito maior.

– Estados Unidos, Rússia, China, União Europeia... Você sabe que sempre há um peixe maior, não é?

Ele seguia em silêncio. Aquele canal de comunicação era ultra seguro, e ainda assim “aquilo” conseguira se infiltrar. Sabia da existência ‘deles’, mas era a primeira que interagia com um. A voz metálica seguia dizendo:

– Pense como um incêndio florestal. Se fizermos algumas queimadas controladas, a floresta como um todo sobrevive, mas se deixar ao acaso, talvez toda a floresta seja consumida pelas chamas.

– Mas o que vocês estão me pedindo é exatamente isso! Pôr fogo na floresta inteira - interrompeu.

– Seu planeta é apenas uma parte da floresta nessa alegoria, entendeu? Além do mais, nós podemos proteger você e sua família. Governo nenhum pode garantir isso em um cenário de aniquilação mútua.

Ele inspirou profundamente. A cada missão que fazia isso era cada vez mais óbvio. Sabia que era verdade. A tela ainda seguia apagada.

–Me mostre que é capaz e eu o farei.

A tela do comunicador se acendeu. Era o quarto de seus sobrinhos, um casal de gêmeos. Seres baixinhos com cabeça desproporcional ao corpo e outros, com quase dois metros de altura, que lembravam um homem-lagarto andavam pelo quarto.

Arregalou os olhos:

– O que vocês estão fazendo ai!?

Uma luz azulada tomou todo o recinto, mudando completamente de cenário. Seu sobrinho e sua sobrinha levitavam numa sala completamente branca. Os seres se preparavam para pô-los em algo semelhante a uma cabine.

– O que está acontecendo!? Digam!

– Estamos cumprindo a nossa parte no acordo. Precisamos que cumpra a sua.

Seu coração acelerou. “Como assim? Será que poderia confiar?”

– E os pais deles? E a minha mãe? Poderiam garantir a segurança deles?

– Podemos. Mas sua lista tem que parar por aí. Nossa capacidade de carga é limitada – a voz metalizada parecia ter ficado ainda mais fria e autoritária – Assim que começarmos a colher os frutos de suas ações, garantiremos a segurança dos demais.

Percebeu que alguém se aproximava. Precisava desligar imediatamente.

– Aceito! Será feito! – e fechou o dispositivo às pressas.

Embora estivesse só naquele quarto de hotel, teve a nítida impressão de estar acompanhado. Sentira uma picada no ombro, e notou algo amorfo se mover até desaparecer pela janela do vigésimo andar.

Em sua mente ecoou um nome: Shasssla e o local para onde deveria ir caso cumprisse com sua missão.

 
* * *

Cap. 03 – O Início do Fim

Notou que a brisa da praia mudou de direção, sentiu uma discreta pressão sobre sua cabeça e percebeu um longínquo e baixíssimo zunido.

Começou” e apurou ao máximo seus sentidos.

A rádio, que tocava um leve jazz ao fundo teve sua programação interrompida com uma mensagem automática. Logo após ao som estridente de uma sirene, veio a ordem:

– Fiquem calmos. Sigam para o abrigo antiaéreo mais próximo o mais rápido possível. Isso não é um exercício. Sigam as instruções das forças de segurança – e, após um longo bip, a mensagem começava novamente.

Aquele era um período muito conturbado, já era de conhecimento comum as tesões entre as superpotências – a nova corrida armamentista -, tanto que até nas escolas as crianças eram treinadas a se abrigar em caso de um bombardeiro.

De repente, as pessoas que ouviram a mensagem começaram a correr desesperadamente, perguntando-se entre si para onde deveriam ir. Umas pulavam por sobre as mesas do restaurante, outras, que não tinham ouvido, apenas seguiam em bando as multidões que instantaneamente começaram a se dirigir para um antigo forte que havia ali na praia, sem saberem o que estava acontecendo.

Ele se concentrou o máximo que conseguia, segurou quanto pode, mas, no final, saiu uma gargalhada escancarada. Ele ria que se contorcia na mesa, chorava de tanto rir. As pessoas lançavam para ele um olhar de reprovação:

– Cala a boca maluco! Quer morrer?! Se dana aí, as não ri da desgraça alheia não – protestou um cidadão.

“Você só tem 3 minutos, com sorte!”, pensou em responder, mas não queria aumentar ainda mais aquela histeria coletiva. Afinal, sua profissão era guardar e descobrir segredos. Sabia que naquele dia vários dos segredos que guardava seriam revelados, mas não por ele.

Flashes longínquos cortavam o belíssimo azul daquele céu sem nuvens.

Ogivas chinesas foram interceptadas ao oeste. Só poderiam ser chinesas... as deles ainda eram detectadas pelo nosso sistema de defesa aéreo. Mas, pela quantidade, logo começariam a atingir o solo.”

Uma coluna d’água emergiu esplendorosamente perto do horizonte, no meio do mar, formando um belíssimo arco-íris. Quase que instantaneamente a maré começou a recuar, borbulhando. Ele pode sentir um leve tremor sob os seus pés.

Russos malditos... já usaram Status-6!”. Com o tsunami que viria, aqueles que se abrigaram no forte seriam os primeiros a serem varridos do mapa.

Ele levantou o polegar e comparou sua altura ante a coluna de vapor d’água em forma de cogumelo que seguia no horizonte. “Não serei morto pelo calor e nem pela onda de choque da explosão,” calculou, “mas não terei tempo para escapar do tsunami.”

Gritos de terror e desespero ecoavam pelo ar. Pessoas chorando, carros buzinando. Militares gritando palavras de ordem nas ruas. Tiros. Algumas pessoas clamando a misericórdia divina, outras, rogando pragas, chingamentos. Ainda percebeu um arrastão se formar nas ruas, ao sul da praia.

Nós nos achamos tão superiores. Mas no fim não passamos de animais metidos a besta. Será que valeu a pena?” Olhou para relógio, deu uma pausa, inspirou profundamente, tentando se manter calmo e seguiu “Por que estão demorando tanto!? Será que isso tudo não é o suficiente!?

Estava cercado. Ao leste, uma coluna d’água se erguia cada vez mais alta e rápida, um tsunami colossal vinha majestoso e impiedoso. Em questão de segundos tinha a altura de um prédio de cinquenta andares. Ao norte e oeste, as ogivas chinesas começavam a tocar o solo, fazendo com que belos cogumelos nucleares brotassem. Ao sul havia uma turba humana desesperada, uma mistura de cenas violentas e eróticas numa massa convulsionada de pessoas.

Ao seu lado, uma forma humanoide-reptiliana se materializava. Era Shasssla, desativando o seu traje de camuflagem do espectro visível humano (CEVHu).

Ele, já assustado e apreensivo com a situação, bradou:

– Por que demoraram tanto?! Minha família está segura?

– Por ora elesss estão sssegurosss – havia um sorriso estranho naquele rosto escamoso.

Ele estranhou aquilo, mas o tempo para ser resgatado estava se esgotando. Falou:

– Ótimo! Como pode ver, cumpri a minha parte do trato! Vamos logo, me tire daqui!

O reptiliano o olhou friamente no fundo dos seus olhos e respondeu:

– Parabénsss, sssoldado! Misssão concluída! – e desapareceu novamente.

Ele pulou para o local onde o reptiliano estava, tentando abraça-lo na esperança de ser teletransportado junto, mas não fora rápido o suficiente:

– Mas que brincadeira é essa?! Nããããããããão!

Naquele momento ele percebeu que fora ludibriado por Shasssla. Fora usado e agora descartado. Ele caíra na estratégia que ele mesmo usara inúmeras vezes no passado: ganhava a confiança das pessoas, lhes prometia o que mais desejava caso fizessem o que pedia, mas, ao conseguir o seu objetivo, às deixava cair em desgraça e sumia da vida delas.

Em sua última epifania, caiu de joelhos na areia da praia e encarou com os olhos marejados a parede de água e lama que vinha lhe engolir.

 
* * *

Cap. 04 – A frota de Ashtar Sheram

– Senhor Ashtar, nossos sensores mostram uma intensa atividade nos silos nucleares do mundo todo! Acho que os humanos se engajaram numa guerra de amplo espectro. Inúmeras cidades já estão sendo afetadas pelas explosões nucleares. Que devemos fazer?

– Vishnu, infelizmente nossa missão aqui nesse planeta é apenas de monitorar. Depois na nossa ação como mediadores na crise dos mísseis e de termos inutilizado várias armas nucleares à força dos humanos, recebemos ordens explicitas de não intervir diretamente no destino deles. Nossa frota é pequena. Num cenário desses, eles já passaram do ponto de não retorno... Gostaria muito que tivessem aguentado até a data limite para o início da integração junto à Confederação Galáctica – abaixou a cabeça e expirou com fora o ar dos pulmões – seria algo esplêndido! – murmurou.

Vishnu olhou para Ashtar. Ela sabia que ele não iria simplesmente deixar os humanos se destruírem daquele jeito, mesmo com as ordens explícitas da Confederação. Esperou um pouco, até ver aquela luz de esperança aflorar dos olhos de Ashtar novamente e perguntou mais uma vez:

– Quais são as ordens, Comandante Ashtar?

Ashtar encheu o peito de ar, passou as mãos pelos seus cabelos loiros, pegou o comunicador e, enquanto via os flashes das detonações nucleares acabarem com a vida na terra, emitiu a ordem:

– Atenção todas as naves da frota! Iniciar OPERAÇÃO ARREBATAMENTO!

 
* * *

Cap. 05 – Julgamento

Uma reunião extraordinária do Conselho Intergaláctico do Cluster de Andrômeda fora convocada.

O Conselheiro Mor, um Arcturiano enorme, de quase três metros de altura, olhos negros, cabeça ovalada, pele azulada e com uma voz grave como um trovão iniciou as tratativas:

– Os humanoides do planeta Hélio III se auto aniquilaram antes do prazo final para o início da integração junto à Confederação Galáctica. A frota de Ashtar Sheram está sendo acusada de “arrebatar” os humanos sobreviventes. Temos que definir o que fazer com duas situações: A primeira, o que fazer com o planeta Hélio III? Qual raça será responsável pela recuperação e ocupará tal planeta? Segundo, o que fazer com a frota rebelde de Ashtar Sheram, que desobedeceu a ordem expressa de não intervenção direta?

– Com vosssa licença, sugerimosss à vosssa Magnânima Autoridade que nósss, os Reptilianosss, repovoemosss tal planeta, uma vez que ele nosss pertencia, antesss dos escravosss híbridosss ssse rebelarem contra nósss, golpe essse apoiado pela Confederação Galáctica.

O Conselheiro Mor, ponderando a situação, disse:

– Essa questão dos escravos híbridos que formaram os humanoides de Hélio III e perda de jurisdição dos reptilianos já é uma questão pacífica. Não vou adentrar no mérito – olhou a redor, vendo as diversas raças e seus representantes que já estavam começando a ficar agitados, pediu silêncio e continuou:

– Caso devolvamos o planeta para os reptilianos, vocês arcariam integralmente com os gastos de terraformação do planeta? Aquele planeta está irreconhecível... 99,8% de todas as espécies foram dizimadas! A composição atmosférica está instável e os níveis de radiação estão altíssimos! Não podemos deixar o planeta morrer devido à irresponsabilidade dos humanos!

O representante dos reptilianos, Shasssla, respondeu:

– Certamente, vossssa Magnânima Autoridade! Deixaremosss nosss patamaresss ambientaisss do Mesozoico o mais rápido posssível!

Antes que o Conselheiro Mor pudesse definir a questão, os demais participantes da reunião retrucaram veementemente. Uns acusavam os reptilianos de terem acelerado ou mesmo causado a extinção dos humanos. Outros, pediam preferencia para a tratativa da punição da frota de Ashtar, que reiteradamente descumpria as ordens da Confederação.

O Conselheiro Mor não teve outra alternativa senão pausar a reunião para arrefecer os ânimos e voltarem com a pauta definida posteriormente.

TEMA: CONSPIRAÇÃO ALIENÍGENA

 
FIM
Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 11/05/2019
Reeditado em 03/06/2020
Código do texto: T6644765
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.