A MÃE QUE BALANÇA O BERÇO.

Eduard Fox se levantou e foi até a janela. Estava com saudades de casa. Estava com saudades de passear na baía de São Francisco. Aquela reunião de empresários em Nova York durara mais que o previsto. Odiava neve. Odiava o frio e o trânsito novaiorquino. Juliet, sua assistente, entrou na sala. -" Bom dia, senhor Fox. Vamos passar a agenda???" Ele se virou. -" Bom dia, Juliet. Me chame de Eduard, por favor. A agenda!!!" A moça, em quinze anos com ele jamais o chamara pelo primeiro nome. Era assim que ela preferia. -" Reunião as oito com o Tom, do financeiro. Às dez horas visita a filial da Fox Express, de Palo Alto. Academia após o almoço com o Trump. Duas horas livres entre duas e quatro horas. Stallone tem o comercial da empresa às cinco." Ele sorriu. Juliet era uma bela loira de olhos verdes. Ela deu o nó na gravata dele. -" Sapatos pretos, meias pretas!!! Perfume amadeirado. Perfeito." Disse ela. -" Marque a reunião com a Sedex, sim? Esse lance de compra rápida pela rede vai pegar!!! A Fox vai bombar!!!" Juliet sorriu. -" Evite gírias, senhor. Não cai bem entre multimilionários do Vale do Silício." Ele deu de ombros. -" Ainda não sou um deles, Juliet. Ainda não!!! Após 2001, quem sabe!!!" O motorista os aguardava com a limusine. Um trajeto de meia hora até a sede da Fox, em Sunny Vale. Juliet era repórter da BBC News. Dois anos no canal. Terminara o curso de jornalismo. Estava cotada para ser a nova âncora do jornal das dez horas. Eduard a conheceu num evento de multimídia, em São Francisco. Ela era cativante e falante. Era linda. Era o que ele precisava pra atrair clientes. Bob Feldman, diretor de arte da BBC os apresentou. -" Que acha de ser minha assistente, senhorita Juliet???" Ele foi direto. Ela se assustou. Eduard, há dez anos, travara um longo processo de divórcio com a atriz Cameron Gutierrez. Eduard alegava infidelidade dela. Os colunistas diziam que Henri, de um ano de idade, não era filho legítimo dele. De fato, o garoto era a cara do ator francês Phillip Conrad. A atriz argumentava distância total de Eduard com o filho. Cameron, com o divórcio, levaria uma bolada de centenas de milhões dólares de Eduard. Meses antes do divórcio, Cameron Gutierrez morreu afogada numa praia de Ibiza. Ela gravava um filme. Boatos incriminavam Eduard mas ele tinha um álibi. Estava na festa do Oscar. Exames de DNA comprovaram que Eduard não era pai de Henri. O menino seria criado pelos avós maternos mas Eduard daria uma polpuda mesada a Henri. Juliet aceitou ser a assistente de Eduard após ele oferecer um salário maior que o do âncora do jornal das seis horas. Era uma proposta tentadora. Irrecusável. O motorista, Gabriel, ligou o rádio. Eduard cochilava. Juliet organizava os documentos. Rock and Roll Lullaby, de B.J.Thomas. Uma música antiga. Uma balada bonita. Eduard, dormindo, balbuciou. -" Mamãe!!! O fogo." Juliet ficou interessada. Intrigada. O patrão nunca falava de seus antepassados. Nenhuma foto. Nenhuma palavra. Nada. Ninguém conhecia seu passado. Ela fez sinal e o motorista ergueu o volume do rádio. Eduard abriu os olhos. -" Tommy. Desligue o rádio. Que coisa!!!!" O motorista obedeceu. -" Perdão, senhor Fox." Caiu a noite e Juliet foi para seu apê, em Santa Clara. Tinha um belo carro e três cachorros. Buscou na internet a letra daquela canção. Falava de uma mãe que nina o filho pequeno. Ela dizia ao filhinho que iria ficar tudo bem. Era uma bela canção. Uma bela homenagem a todas as mães. Enquanto isso, Eduard tomava um vinho do Porto, após o jantar. Juliet contratara um bom chefe de cozinha. O pato com laranja estava divino. Juliet teria amado aquele prato. Ele desligou a tevê. A mente viajou até sua infância. Tinha três anos quando foi para o orfanato, em Chicago. Antes, a sua mãe balançava seu berço enquanto cantava aquela música de B.J. Thomas. O pai chegava em casa, bêbado, como sempre. Violento e bêbado. Foi o pai que ateou fogo na casa em dia de loucura. Mercedes morreu após salvar Eduard, ou melhor, Pablo. Esse era seu nome. O menino de doze anos fugiu do orfanato. Tinha medo que o pai o buscasse. Foi pra Denver, escondido no trem de ferro. Nas ruas, foi adotado por Carl, um vendedor de carros antigos. Carl pôs o menino na escola. Trabalhou com o velho em troca de cama e comida. Lavava carros, auxiliava os mecânicos e fazia a faxina. Sete anos depois, Pablo limpou o cofre da loja de carros e fugiu para São Francisco. -" Esse é meu pagamento de anos de trabalhos." Comprou um bar em Palo Alto. Alguns estudantes nerds adotaram o bar de Pablo. Era onde discutiam teses e teorias malucas noites adentro, regadas a cerveja, LSD e chás alucinógenos. Pablo achava aquilo um saco. Ao menos gastavam muito. Um jovem chato com sobrenome Wozniak, um tal de Steve Jobs, de vez em quando apareciam por lá. Robert, um deles, sempre estava duro e pendurava a conta. O cara amava sinuca. -" Pablo, amigo. O futuro será das compras pelo computador. Escreve o que eu te falo. Tenho tudo anotado." Pablo sorriu. Que maluco. Robert, como Jobs e outros procuravam patrocínio, dinheiro para suas invencionices. Pablo decidiu investir em Robert. O rapaz exultou quando soube da intenção de Pablo. Ele sugeriu dar quarenta por cento de ganhos futuros a Pablo. Robert se entregou as pesquisas. Grandes empresas quiseram se associar a Robert. O rapaz, seis anos depois, criou a R&P Net Express. Tudo parecia uma grande roubada mas o advento dos micro computadores mudou tudo pra melhor. Pablo e Robert estavam milionários. Pablo se formou em economia em Stanford. O céu era o limite. Ele vendeu sua parte na empresa para a IBM. Pablo fez dezenas de cirurgias plásticas. Fez novos documentos e mudou seu nome para Eduard Fox. Criou sua empresa de softwares, com o símbolo da raposa. Conheceu Cameron Gutierrez numa festa rave. Pensou na mãe. Pensou em Juliet. Ele a amava. Era hora de dizer que a queria. Juliet o amava também. Era meia noite quando Eduard pegou o Jaguar na garagem. O motorista ouviu o portão abrindo. -" É o senhor Fox. Quer sair, senhor???" Eduard sorriu. -" Não o chamei. Vou sozinho!!!" O segurança abriu o portão da mansão. Eduard saiu cantando pneu. Tomou o rumo do apartamento de Juliet. Uma chuva fina caiu. Ele ligou o rádio. O carro derrapou e ficou atravessado na pista. Um caminhão não teve tempo de parar. O Jaguar foi atingido e arrastado por metros. Eduard bateu a cabeça no vidro. Um choque violento na coluna. Equipe de resgate chamada. Polícia. Bombeiros. Eduard foi levado inconsciente para o hospital. Estava paralisado. Os músculos paralisados pela lesão nervosa. A medula atingida. Ele não falava. Não mexia os olhos. Nenhum movimento. Pernas quebradas. O coração batia fraquinho. A respiração era pouca. Quase imperceptível. -" Está morto!!" Disse um médico. Oito horas depois, Eduard despertou do coma. Ouvia os enfermeiros. Ouvia a música no alto falante da sala de UTI. Ouviu Juliet, o mordomo e seu motorista chorando, enquanto o visitavam. Ele queria falar mas não podia. Fazia um esforço cruel mas a voz não saía. -"Sem parentes. O governo vai pegar tudo!!!" Disse o seu advogado. -" Um rico a menos!!!" Disse um enfermeiro. Juliet cuidaria do velório, ele ouviu. Estava vivo. Seria enterrado vivo. O carro funerário levou o corpo após o médico confirmar a morte. Eduard foi acompanhado pelo mordomo e pelo motorista. O tempo todo. Enfiaram algodão no seu nariz e ouvidos. Um perfume barato. Ao menos o terno era Armani. Juliet tinha trazido o terno. Poucos empresários comparecem. Aquele cheiro de velas era muito ruim. Juliet disse, chorando, várias vezes que o amava. Eduard ouvia tudo. Estava vivo. O mordomo, o motorista e os seguranças fizeram uma linda oração por ele. Eduard se comoveu. Mal sabia o nome daqueles subordinados. Arrependeu-se de não ter sido amigo deles. O pai apareceu-lhe. -" Pablo, vai para o inferno, maldito!!!" O fantasma de Carl veio cobrar-lhe o dinheiro do cofre. -" Ladrão, Pablo. Morra!!! Dessa vida nada se leva!!!" Dizia o vendedor de carros antigos. Viu Cameron lhe acusar de tramar sua morte. Eduard rezou um pai nosso. Ainda lembrava da oração dos tempos de orfanato. Juliet ligou o rádio, antes do caixão ir para o cemitério. Uma despedida final. Era aquela música de B.J. Thomas. A música tomou conta do local. Eduard quis chorar. -" Filho. Sou eu. Sua mãe!!!" Ele a viu. Ela o levaria para o céu??? A mulher de vestido branco estendeu a mão. -" Vem, filho." Eduard tentou estender o braço. O polegar dele se mexeu. Juliet percebeu. -" Eduard está vivo. Se mexeu. Eu vi." Gritou a moça. O empresário chorava por dentro. Juliet o salvara. O corpo dele foi retirado do caixão. Juliet fretou um jatinho e o levou para um hospital em Cleveland. Eduard voltou a si, dois dias depois, graças aos fortes medicamentos. Os movimentos faciais voltaram aos poucos. Ele balbuciava poucas palavras. Semanas de fisioterapia e fonoaudiologia aceleraram o processo de recuperação. Depois de uma festinha com os empregados, com direito a bolo de chocolate e brigadeiros, Eduard e Juliet finalmente deram o primeiro beijo e fizeram juras de amor!! Eduard passou a se dedicar a espiritualidade e criou uma ONG para cuidar de crianças órfãs. Passou a tratar melhor seus empregados, ficando amigo deles. Aquela canção de ninar tocou no casamento de Eduard e Juliet, três meses depois, em Los Angeles. O casal teve oito filhos, seis deles adotados. FIM.

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 12/05/2019
Reeditado em 16/05/2019
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