sobre a loucura

Bem, esta talvez seja uma coisa engraçada para se contar, eu não sei. Certa vez tive um amigo que enlouqueceu por medo de ficar louco. Era comum encontrá-lo vagando sem destino pelas madrugada, o olhar perdido em alguma direção vazia, mas a expressão crispada como se visse algo luminoso e espetacular. Ou sombrio e amedrontador. Honestamente, eu gostava de sua companhia: quando estava no clima, o homem sabia como atrair sua atenção. Aparentemente as coisas invisíveis que via tinham algo a dizer, e talvez ele simplesmente as repetisse. Mas, amigo, devo lhe dizer, eram coisas interessantes.

Era igualmente comum encontrá-lo em cemitérios aleatórios, encarando lápides aleatórias com o mesmo olhar perdido daqueles que veem mas realmente não se importam. Mas obviamente não era o caso, pois algo era absorvido daquelas tantas horas perdido. Nós conversamos certa vez em um bar obscuro da cidade, e nesse dia ele me revelou seu medo e um pouco do que via enquanto permanecia estático e silencioso encarando o vazio:

- Bem, Tonney, devo lhe dizer, as coisas andam bem estranhas.

- Como assim?

Uma garçonete que anos atrás certamente havia sido linda colocou duas canecas espumantes em nossa frente, pouco interessada no que meu fascinante amigo tinha para contar.

- Você às vezes pensa na loucura?

- Loucura? - perguntei com minha inteligência limitada.

- Sim, loucura. Daquelas que o levam a um lugar pintado todo de branco, com enfermeiras vestidas de branco, com camas desconfortáveis e inevitavelmente manchadas com a merda, mijo e os pesadelos dos loucos que um dia lá dormiram.

- Bem, honestamente não. Meu cachorro está com alguma doença estranha, então essa é minha principal preocupação atualmente.

Andrew sorriu, balançou a cabeça e tomou um longo gole de sua caneca.

- Exatamente. Tonney, às vezes, enquanto fico parado por horas encarando algo eu vejo algumas coisas. Bem, não exatamente vejo, o processo essencialmente consiste em olhar para dentro e ter uma conversa honesta consigo mesmo. Mas a verdade é que não consigo muitas respostas, e meu outro lado tem tantas perguntas quanto eu.

Eu já me sentia bastante burro e perdido naquele diálogo, então somente balancei a cabeça e tomei também um gole. Ele estava com aquele olhar no rosto, então eu não mais estava ali. Era mais um exemplo de um diálogo consigo mesmo que eu presenciava.

- Acredito que nunca contei isso, mas minha mãe tem Alzheimer, e constantemente eu a visito nesse lugar todo pintado de branco. Uma clínica, até mesmo um pouco bela até se atravessar uma grande porta de madeira escura no final do corredor. Minha mãe não me reconhece, precisa de fraudas e seu delírio é constante. Vários nomes estranhos saem de sua boca e de sua voz quebradiça enquanto eu sento em uma cadeira desconfortável tremendo de pavor diante daquele som. Eventualmente uma enfermeira passa e tenta sorrir, mas isto também é quebradiço. Acredito que elas também tenham medo de um dia deitarem-se naquelas camas.

"Mas o interessante nisso tudo é que eu me lembro. Lembro-me de seu sorriso são, de sua preocupação com minhas roupas quando eu saía para a escola, das festas de criança nas quais ela me observava sorrindo ao longe, conversando com os outros adultos. Seu beijo carregado de felicidade quando me formei no ensino médio. Seus olhos cheios de amor quando parti para a faculdade."

"Mas tudo isso desaparece a cada segundo enquanto vejo a baba caindo de sua boca meio aberta e torta. Algumas vezes vejo até mesmo medo em seus olhos, e imediatamente eles se refletem no meu. Eu ouço os gritos ecoarem por cômodos e corredores manchados de loucura e me pergunto: 'Para onde ela foi? Aquela senhora sorridente que beijava molhado demais? Que me amamentou, que me carregou até a escola no meu primeiro dia? Para onde ela foi, Tonney?' E nesse momento entendo o que o mundo faz com seus filhos."

"Uma cadeia de eventos friamente calculada para destruir qualquer sanidade, e todos nós a abraçamos como uma amante há muito tempo perdida."

Andrew tomou o resto de sua cerveja e me olhou profundamente:

- Para onde eu irei Tonney? Para as paredes brancas? E você, meu amigo? Você está sendo igualmente quebrado, seus circuitos fritados, e sua única esperança é seu cachorro doente.

Ele se levantou e disse a última coisa que eu ouviria diretamente dele.

- Eu caminho com as mãos no bolso, amigo. Pois nunca se sabe quando elas partirão em busca daquilo que lhes foi roubado.

Dito isso ele se virou, com seu grande sobretudo negro e foi-se para sempre.

Dois anos depois ouvi apenas que ele foi internado no mesmo lugar que sua mãe, mas nunca soube exatamente o por quê.

Honestamente, eu não me preocupo demais, sou um ser humano bem ajustado, o álcool me mantém sóbrio. Tenho alguma diversão com as mulheres da vida e com alguns homens bem ajustados como eu.

Mas meu cachorro morreu, e eu não ando mais com as mãos no bolso como meu amigo costumava fazer.