O Ninho dos Ovos de Ouro - DTRL35 - Fan Fiction

Último lance. Partiu em direção ao gol, uma arrancada tão veloz. Cortou para a direita, invadiu a área, bateu e perdeu. O jogo termina, a vida continua.

Estava difícil dormir naquela noite, o sono não chegava. Se tivesse batido de cavadinha, ou talvez tido mais calma para concluir o lance. Queria uma chance nos juniores num prazo de dois anos, acreditava que por ainda ter quatorze anos teria muito tempo pela frente, mas não era bem assim.

Estava frio, era o inverno provocado pelo condicionador de ar. Respirou fundo, puxou a coberta por sobre a cabeça. “Boa noite, galera! Bom jogo de hoje, desculpem pelo erro.“ Enviou no grupo de whatsapp.

A luz fraca do celular, os olhos ardendo, as lágrimas chegando. Sua mãe batalhava muito para que ele estivesse ali no dormitório. Seu pai, morrera quando ele ainda estava encolhido na barriga de Célia, um tiro certeiro na boca, suicídio.

Ficou sabendo pela avó, uma senhora que gostava de uma cachaça e de maconha, gostava muito. Mas a velha era gente boa. Cuidava do neto, enquanto a mãe, gravida novamente, ía trabalhar na lanchonete do Gordo, um homem feio, mas de um coração enorme. Alguns diziam que ele era o pai daquela nova criança, mas morreu de infarto poucos meses antes de Íris nascer.

Vendeu picolés antes de ir para escolinha de futebol. Ficava no semáforo, próximo a praia de Ubatuba, gritando “Ao Picolé”. Caminhava pela orla da praia, matava aulas. Sempre detestou estudar.

Sua mãe escutou o professor de educação física, única aula que ele não perdia, quando ele disse que o filho tinha o dom do futebol e que teria uma peneira em breve e achava que isso poderia mudar a vida dele. Mudou.

E lá estava, deitado sobre o colchão, a roupa de cama sempre limpa, uma janela, uma porta, os colegas de quarto. E o sono, onde estava?

Suspirou fundo, pensou no dia seguinte, no treinamento, ia se esforçar mais. Precisava treinar finalizações, ser mais decisivo. O Treinador havia dito que ele tinha melhorado, mas que o próximo passo seria vencer a ansiedade de jogos importantes. Costumava vomitar antes da partida. Usava a camisa nove nas costas, era alto para sua idade, tinha um bom porte físico e agilidade. Entretanto sua especialidade era o cabeceio, mas naquele jogo em particular a bola aérea não funcionou.

Droga, precisava esquecer aquele jogo, poderia fazer planos, pensar em jogar na Europa, isso se conseguisse chegar a equipe principal. Muito diziam que ele chegaria, era diferenciado para idade, porém quando havia algum erro, ficava preocupado. Como não ficar?

Sua mãe sempre disse que ele poderia ser a salvação e sustento de sua família. Ele iria ajudar, de qualquer jeito, faria tudo que fosse necessário.

Sentiu o cheiro da fumaça. Pensou que todos estavam dormindo, muitos dos outros fumavam, ele não. Não gostava do cheiro, nem de cigarro normal, talvez por causa de sua avó. Era tão boa para aquele vício.

Mas não era cheiro de cigarro, descobriu o rosto e o que viu foi a fumaça entrando pela fresta da porta. Levantou-se e tentou acordar os demais, mas estavam inconscientes. Era muita fumaça, correu até a porta, ao levar a mão a maçaneta queimou-se de imediato. Na janela havia grades. Estava preso. Todos estavam.

Tentou gritar, mas o ar já lhe faltava e os olhos nublados não enxergavam o bastante, ardiam muito, o sono chegou.

Último lance. Partiu em direção a porta, uma arrancada não tão veloz. Tombou para a direita, caiu. Pênalti!

Ele corre para bola, o goleiro abre os braços, tenta intimidar. Ele bate de direita, a bola entra. O jogo termina, a vida continua e os urubus continuam chocando ovos de ouro no ninho.

Fanfiction - Flamengo

Tema: Jogador de Futebol

Renato Chapéu
Enviado por Renato Chapéu em 20/06/2019
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