BONECA DE PANO

Eu nunca atendi aos padrões de beleza, na verdade não atendo nem o padrão regular. Nasci com uma deformidade no crânio e que consequentemente fazem meus olhos ficarem separados e o nariz e a boca ficarem extremamente tortos.

Eu não sou do tipo que tem uma deficiência e a encara, eu fico remoendo aquilo dia e noite, pensando por qual motivo fui sorteada para ser assim, não é justo.

Sempre fui uma boa filha, sempre fui carinhosa e atenciosa com meus pais e meus irmãozinhos, mas o mundo não é nenhum pouco comigo. Eles não param de me olhar com cara de nojo, eles não falam mas sinto que causo ânsia nas pessoas.

Sempre estudei em colégio cheio de patricinhas e playboyzinhos, isso se torna ainda mais complicado pra mim, oitenta porcento da minha sala são pessoas perfeitas, bonitas e ricas.

Sábado quem vem irá rolar uma festa de aniversário de um aluno da minha sala, todos foram convidados inclusive eu, mas acredito que seja por educação, pois, me convidaram sem olhar no meu rosto, não sei se por nojo ou por maldade mesmo, de qualquer forma eu não vou, nem amigas eu tenho aqui.

Esses dias fiquei muito chateada, na chamada quando estava passando pelo meu nome, a professora disse Anne e os alunos emendaram me chamando de Anne Frankenstein (menção a menina judia Anne Frank que escrevia no seu diário sobre as experiências do holocausto, juntamente com Frankenstein, não preciso nem mesmo explicar o motivo desse), até mesmo a professora deu um sorriso contido. Nem deu vontade de responder a chamada, mas respondi.

Pode parecer algo bobo, mas tudo isso nutria um sentimento horrível dentro de mim, era como se aos poucos minha alma fugisse de mim pedaço a pedaço, pouco a pouco. Eu ia me tornando um monstro, interior e exterior.

De última hora resolvi ir a festa, mas não entrei na casa do aniversariante, eu fiquei entre o muro e os arbustos, analisando com calma cada um que chegava. Me dava uma certa inveja, aqueles carrões e roupas de marca, aqueles cabelos lisos e bem cuidados, aquela música no último volume, parecia um clip musical. Eu sempre quis ser como eles, era tudo que mais queria no mundo.

Esperei até o fim de noite quando todos estavam extremamente

bêbados e vulneráveis. Com cortes precisos e rápidos, deixei cinco corpos no chão, nenhum rastro, nem alarme.

Coloquei os cinco dentro do meu porta malas e levei para meu quarto, pra mim eram itens de decoração, eles são tão lindos, estamos tão próximos agora.

Ao voltar para escola na segunda feira não falam de outra coisa a não ser o sumiço dos cinco alunos, cartazes por todos os cantos da cidade.

Sabe quando você compra algo novo e não vê a hora de chegar em casa para aproveitar o que comprou? era este o sentimento que eu tinha dentro do meu quarto com aquelas cinco pessoas.

Com uma serra tirei os dois braços e as duas pernas de Jhow, eram tão fortes e bronzeadas. Arranquei os olhos da Mag com cuidado para não estragar aquele verde azulado tão lindo. Os cabelos da Alyssa eram tão bonitos. Sempre achei a boca do Jimmy tão carnuda e vermelhinha. Por último tirei aquele nariz empinadinho da Jully.

É como montar um lego, fica calma, é só costurar essa parte aqui e colar essa aqui...

Perfeito!!!

Eu fiz um ser humano perfeito, como é lindo, é mais que lindo, é minha criação, a melhor criação.

Como poderia fazer algo tão belo e não mostrar pra ninguém. Cheguei um pouco atrasada, todo já estavam na sala, e aquele assunto do sumiço ainda em pauta.

Boa tarde professora, desculpa o atraso, é que eu estava preparando algo muito legal para vocês verem, eu apresento a vocês a criatura mais perfeita desta escola.

Joguei aquele corpo pra frente.

Na minha cabeça ele ia sair andando e iria se apresentar pra classe, mas ele simplesmente caiu com tudo no chão, e os gritos de desespero começaram.

Todos saíram correndo pra la e pra cá e começaram a ligar para a policia, eu não estava entendendo muito aquela situação, talvez eu tenho ficado maluca, eu só quis fazer algo bonito.

Algemada, presa, doente e feia. Nunca me senti tão triste, tiraram minha criação, me deixaram comigo mesma em uma cela sozinha.

- Você viu o surto que ela teve?

- Eu nunca imaginei passar por uma situação daquela

- A culpa é de vocês que sempre deixavam a menina de lado

- Também ela era metida, não conversava com ninguém

- Era tão bonita mas tão maluca né

- Era muito maluca, vivia dizendo que era feia e deformada, mesmo todos a considerando a mais bonita de toda a classe

- Deformada?

- Sim, ela vivia dizendo que era deformada mesmo sendo a menina mais perfeita que já vi.