MELODIA MÓRBIDA

O som do piano nunca tinha sido tão tenebroso quanto antes, seus acordes dissonantes e melancólicos preenchiam as paredes daquele pequeno cubículo e o bate e volta do som dançava como uma bailarina no ar. A melodia era bem conhecida, a sonata do Luar de Beethoven; suas pausas congruentes ao espaço da casa emitiam um sentimento tão sólido quanto a obra. A casa era perfeita para que qualquer músico passasse os finais de semana compondo e estudando – afinal, era uma casa de campo.

O peculiar daquela residência era o mais incomum. Ninguém sabia quem eram os proprietários. A transição, o aluguel, era sempre feita por um intermediário alegando a sua única exigência da casa: nunca modificar o banheiro, seja mudar um sabonete do lugar ou trocar as cortinas, até mesmo em questão de limpeza. O banheiro deveria ser deixado como de início. Era intrigante que proprietários tivessem uma exigência tão estranha, mas a casa era disputada até por pessoas milhionárias; deixar aquela casa por questões de um cômodo era inaceitável.

Havia uma sala enorme com um grande piano no centro, as paredes eram brancas com desenhos religiosos – lembravam muito as artes bizantinas. Tinha um quarto grande no segundo andar da casa com quase a mesma decoração, e no fim da sala uma cozinha americana com um corredor dando acesso ao banheiro. De fato, a casa não era grande coisa para ser tão disputada, mas o local em que se localizava era digno de respeito; em cima de uma montanha onde apenas o vento poderia ser ouvido. Obviamente aquilo um dia se tornou um grande problema no passado, algo talvez sombrio. O banheiro era a forma mas peculiar daquela residência; era um local simples sem iluminação – talvez isso seja um defeito nada grande casa –, as paredes eram formadas de azulejos azuis com lodo, o chão era branco mas haviam manchas vermelhas que se assemelhavam a sangue seco, o box talvez era o lugar mais limpo, teias de aranhas iam da porta de vidro até o chuveiro – mas as aranhas que deviam estar ali não estavam. Talvez nunca se quer alguém conseguiu tomar banho naquele banheiro, a visão do vaso cinza com manchas vermelhas e lodo não era nada legal. Mas havia uma única decoração que espantava a quem estava hospedado; no topo do banheiro tinha uma corda pendurada com um laço perfeito para uma pessoa se enforcar. Sabe o peculiar? Ela não parecia ser velha, na verdade, parecia ser recentemente amarrada ali.

Entenda, caro leitor, que esta casa tem histórias nunca contadas pelos seres humanos. Há rumores que as montanhas são altas por um motivo; para que nunca ninguém faça ou construa uma casa nelas. E bom, essa regra começou a se quebrar com a existência deste banheiro. Quando o arquiteto – cujo ninguém sabia quem era – a projetou, diz a lenda que já havia um banheiro qual os índios haviam construído. Depois que fora erguida a casa, o primeiro hóspede fora um jovem de no máximo vinte anos. Era um músico em ascensão – um pianista – que amava tocar as músicas de Beethoven naquela residência, por causa da maravilhosa acústica. E todos os dias ele estava lá, tocando e tocando. Aos poucos o jovem foi se desligando de tudo que o prendia no mundo material; jogou fora o celular, jogou fora todas as roupas e passara apenas tocar e tocar ouvindo o som do vento. Com o tempo aquela música que antes era de Beethoven começou a de tornar original, uma canção única que quando era tocada, o som ia em direção ao banheiro e peculiarmente não retornava. Não havia eco quando aquela música era tocada pelo jovem e isso o intrigava de um jeito assustador. Mas o pianista persistiu nos dias, e mesmo assim, o fenómeno continuava. Aquele banheiro de alguma forma consumia as notas daquele piano deixando a melodia seca e sem reverberação.

O jovem sem roupa, sem nenhum aparelho eletrônico caiu em desgraça. Sua própria música estava sendo tirada de si, e aquele banheiro se divertindo as suas custas. Não importava o quanto ele tocava ou o que ele tocava. As notas saíam mortas e agora desafinadas. O que antes era amor pela música, virou uma solidão e angústia pela vida sem nenhum tamanho igual. Os dias se passavam e a loucura o dominava com uma solidão infinita; tocar piano já não era mais sua profissão, já não era mais sua paixão, e o pesadelo do silêncio batia em seus ouvidos a cada lembrança daquele piano. Não preciso dizer, caro leitor, que o fim daquele jovem músico fora no banheiro, não é mesmo? O jovem fora encontrado morto pendurado por uma corda no pescoço naquele pequeno cômodo que o condenou a loucura. Seus gritos de estrangulamento da corda foram engolidos e todo hóspede que entrava na casa, ouvia em seus pesadelos o grito e a melodia de piano com a música Moonligth de Beethoven sendo soprada pela porta do banheiro; alguns hóspedes nunca mais foram encontrados depois de uma noite de sono.

Como eu tinha dito, corre lendas por essa residência. E atualmente ninguém podia ou deveria interferir naquele banheiro. O jovem músico não gostava quando pessoas ouviam o seu tocar; e mais uma vez, o som pairava sobre a casa. Era melódicas fúnebres, mas contadoras de histórias.

No alto daquelas montanhas residia uma casa a qual o banheiro devorava as almas através de uma linda e triste melodia. A música do Banheiro.

Murilo Feliciano
Enviado por Murilo Feliciano em 18/07/2019
Código do texto: T6698505
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