Comida aos pombos

O homem sentou-se naquele banco de praça com uma leveza e graciosidade que lembrava os pombos que regularmente vinham comer na mão das pessoas.

Sua cabeça estava repleta de pensamentos dispersos e sombrios. Suas pernas estavam cruzadas de maneira displicente como se governassem a si próprias. Tirou do bolso um maço de cigarros já meio amassado e acendeu um. Fumou o cigarro até a metade e jogou-o fora.

O céu estava cinzento. Sua mente está cinzenta. Sim, ele está estranhamente calmo e descontraído para alguém que acabara de matar uma pessoa.

“Daqui há algumas horas vão descobrir que eu a matei”, pensava isso enquanto observava uma senhora passar de mãos dadas com dois garotinhos sardentos. “O que será que vai acontecer comigo? Eu não tenho culpa se a estrangulei e estou aqui sentado neste banco de praça”.

Esses pensamentos assolavam sua mente enquanto observava um dos garotos sardentos soltar-se das mãos da senhora e pular dentro do chafariz da praça.

Enquanto jogava farelo de pão para os pombos imaginava a manchete do jornal no dia seguinte: MARIDO MATA ESPOSA E DEPOIS VAI DAR DE COMER AOS POMBOS NA PRAÇA. Amanhã as pessoas dirão coisas como “meu Deus, não é possível, eles viviam um para o outro” ou então “eu sabia que ele não prestava mesmo”.

Estava nesses pensamentos quando passou uma carrocinha de pipoca e um rapaz comprou um saco para si e para uma moça que estava ao seu lado. O homem sentado no banco da praça olhou-os, viu que o rapaz era mais baixo que a moça, deu uma tragada no cigarro e jogou-o fora ainda pela metade.

O homem no banco da praça achou que a tarde estava passando muito lentamente.

Seus pensamentos flutuavam evitando que ele encarasse o que havia cometido. “Quando eu era garoto não existiam tantas praças assim, mas, em compensação, nós tínhamos mais áreas para brincar”. “Hoje as pessoas parecem ter menos lugares onde passear e brincar ao ar livre”.

Aproveitou para acender um outro cigarro. “ A culpa é dessa urbanização desenfreada que engole todos os espaços verdes. É só prédio e mais prédio”

Já tinha conjecturado sobre reflorestamento e uma possível volta das pessoas para a natureza quando foi interpelado rispidamente por dois policiais.

- O senhor é ...? Que mora na rua ... número ...?

Com uma voz baixa e levemente rouca o homem no banco da praça confirmou aos policiais que de fato era ele quem eles procuravam.

- O senhor está sendo acusado de ter assassinado sua esposa. Levante-se! O senhor vai conosco até a delegacia e é melhor não bancar o engraçadinho.

O homem sentado no banco da praça olhou para os dois policiais de maneira um tanto quanto triste. Observou que os dois garotinhos sardentos corriam com a senhora atrás deles. Deu uma longa tragada em seu cigarro e jogou-o fora ainda pela metade.

Com um suspiro de resignação o homem levantou-se e foi embora com os policiais. Já tinha andado alguns metros quando olhou para trás e viu que os pombos tinham ido embora.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 19/10/2019
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