A Casa no Fim da Rua

O céu estava limpo naquela noite de verão, já passavam das vinte e duas horas quando três amigos conversavam enquanto tomavam umas cervejas no Bar do Nando. Eram eles Carlos, de trinta e nove anos, João, com seus quarenta e três e Jardel, que contava quarenta e cinco anos. Eles se encontravam em pé em frente ao balcão, cada um com seu copo. Falavam sobre seus trabalhos, suas esposas e sobre futebol. Nestes dois últimos assuntos faziam piadas e davam boas gargalhadas. Nando, o dono do bar também participava da prosa, e a essa hora da noite só os quatro se encontravam no recinto. Foi quando Jardel mudou o rumo da conversa:

—Vocês já viram como o mato daquela casa abandonada no fim da Rua dos Alferes está grande?

—Eu já vi— respondeu João— passo lá em frente quase todo dia.

—A casa está abandonada a mais de vinte anos— disse Jardel passando a mão na boca.

—Dizem por aí que aquela casa é assombrada. — mencionou João após dar um gole em sua cerveja.

—É verdade, a casa é assombrada— falou Nando arregalando os olhos.

Carlos fez uma cara de deboche, bateu com a palma da mão no balcão e disse:

—Isso é mentira, eu não acredito nessa baboseira de casa assombrada.

—Eu acho que é verdade, nem os mendigos usam a casa pra dormir— falou João.

—Pra mim é balela— tornou a falar Carlos.

Foi aí que Nando, o mais velho dos quatro, resolveu falar o que sabia:

—Tudo começou em 1994. Moravam na casa um casal e duas filhas, uma de três e outra de cinco anos. O homem era advogado e a mulher ficava em casa cuidando das filhas. Eles não eram muito de fazer amizade aqui no bairro, mas tudo parecia normal naquela casa. Até que numa noite o pai chegou em casa, matou as duas filhas e a mulher a facada e depois se enforcou com uma corda. Depois de uns anos uma família veio morar na casa, mas não ficou por lá nem seis meses, se mudou alegando que coisas estranhas aconteciam lá dentro. Desde então a casa está assim, abandonada.

Os quatro ficaram calados por alguns segundos, até que Carlos quebrou o silêncio:

—Eu até acredito que isso aconteceu na casa, mas que ela é assombrada, eu não acredito. Isso não existe, é crendice.

—Eu acredito nessas coisas— retrucou João.

—Eu também— disse Jardel.

—Eu seria capaz de entrar naquela casa e provar que não tem nada demais lá dentro — falou Carlos.

—Então entre lá agora, já que você é o bonzão — disse Jardel apontando o dedo da mão direita para Carlos.

—Vamos fazer uma aposta? — Carlos deu a idéia batendo a palma da mão sobre o balcão.

— Vamos — retrucou Jardel — eu te dou vinte reais se você entrar lá agora e ficar lá dentro vinte minutos.

— Boa —concordou João— eu também te dou vinte reais.

—Pois eu te dou duas garrafas de cerveja se fizer isso— disse Nando coçando a cabeça com o dedo.

—Está certo, vamos lá agora então, porque eu estou doido pra ganhar essa! — exclamou Carlos esfregando as mãos.

Os três amigos pagaram a conta do bar, despediram-se de Nando, que acenou para os homens dizendo:

—Amanhã vocês voltem aqui para me dizer como o corajoso se saiu.

—Pode ter certeza! — disseram os três em uníssono, caindo numa gargalhada.

E lá foram eles, conversando alto pela rua. Viraram duas esquinas e saíram na rua dos Alferes, tudo naquela cidade era pequeno, assim como as ruas e os bairros. Caminharam por uma estreita rua de terra batida, não havia luz nos postes. Enfim chegaram na casa do fim da rua, não haviam casas vizinhas aquela.

O mato estava realmente muito alto no quintal daquela casa. Era uma casa de dois andares, com vidraças quebradas, a pintura estava gasta, cheia de mofos, tinha uma aparência macabra, tudo estava abandonado, há anos ninguém entrava ali. Não havia portão, apenas uma entrada que ficava em meio a dois muros de um pouco mais de um metro de altura.

Jardel acertou o cronometro de seu celular e disse a Carlos:

—Começamos a contar os vinte minutos quando você entrar por aquela porta.

—Ok. Vou ganhar essa fácil, fácil. — respondeu Carlos também acertando o cronometro de seu celular.

—Pode ir. — falou Jardel.

E lá foi Carlos, pisou sobre a calçada da casa, olhou para o céu, onde agora reinava uma lua cheia, passou pela entrada entre os dois muros, caminhou sobre os pisos do jardim, onde ao lado crescia um grande matagal, chegou na porta principal, girou a maçaneta, certificando que a porta estava destrancada, entrou e fechou-a acionando o cronometro em seu celular.

Estava agora no que devia ser a sala de visitas da casa. Apertou o apagador na parede perto da porta e nada de luz, não havia energia elétrica. Ligou a lanterna de seu celular e iluminou o lugar, que não tinha móveis. As paredes possuiam rachaduras e tinta já mofada. Foi até o cômodo onde um dia fora uma cozinha, iluminou as paredes, que também estavam rachadas, foi até a pia, que estava com uma coloração preta perto do ralo.

Caminhou pelo corredor e entrou no que foi um dia um banheiro, e logo tapou o nariz com a gola da camisa. Era um cheiro muito forte que vinha do encanamento, um cheiro podre, de esgoto velho. Foi até o espelho sobre a pia, rachado com manchas pretas nas beiradas. Por um instante se assustou com o reflexo, ele mesmo iluminado só por aquela lanterna com a gola da camisa na altura do nariz, seus olhos pareciam arregalados e espantados.

Saiu do banheiro e foi até a escada que ia para o segundo andar. Começou a subir os degraus e notou que eles rangiam com seu peso. Ao chegar ao fim da escada se viu em frente a um corredor com dois cômodos, dois quartos. Entrou no primeiro, não tinha nada ali, mas devia ser o quarto que fora do casal, pois tinha um pequeno banheiro. Entrou no banheiro e começou a lembrar da história que Nando contara no bar. Foi aqui que aquele pai tirou sua vida, pensou.

Saiu daquele quarto e olhou para o cronometro, faltavam dez minutos para ele ganhar a aposta. Seguiu pelo corredor e entrou no segundo quarto. Aquele sim devia ter sido o quarto das duas meninas que o pai matara. Iluminou as paredes e viu que nelas havia desenhos feitos por crianças com giz de cera. Sim, aquele era o quarto das duas meninas.

Desenhado na parede havia uma casa, duas bonecas de mãos dadas, todas com traços de criança. Viu que pela boca de uma das bonecas saia um balão de fala como os de histórias em quadrinhos que dizia: NÓS ESTAMOS AQUI, HÁ, HÁ, HÁ!!!

Carlos se assustou ao ver aquilo e deixou o celular cair no chão. Pegou-o e saiu daquele quarto correndo com o coração acelerado. Ao atravessar o corredor começou a ouvir vozes de crianças, vozes que hora pareciam rir, hora pareciam chorar. Desceu a escada e ficou na sala andando de um lado para o outro iluminando as paredes com a lanterna.

As vozes continuavam, e eis que disseram uma frase:

—NÓS ESTAMOS AQUI, HÁ, HÁ, HÁ!!!

Carlos começou a tremer, seu coração batia acelerado e sua testa suava. Ouviu uma porta batendo no segundo andar, e as vozes continuavam: NÓS ESTAMOS AQUI, HÁ, HÁ, HÁ!!!

Olhou para o cronometro, faltavam ainda sete minutos para ele ganhar aquela aposta. Mas estava realmente amedrontado, os minutos pareciam andar em câmera lenta agora. Estava assustado com as vozes, aquilo era real. Resolveu tapar os ouvidos com as palmas das mãos para não ouvir mais nada.

Ficou tudo em silêncio então, aquilo tinha funcionado, agora era só esperar a hora de sair e ganhar a aposta. Então os gritos voltaram, e agora pareciam estar vindo de dentro de sua cabeça, aquelas mesmas vozes de criança, das duas meninas mortas a facada pelo pai que diziam: NÓS ESTAMOS AQUI, HÁ, HÁ, HÁ!!!

Carlos se desesperou e pensou: que se dane essa maldita aposta!!!

Saiu correndo até a porta em que entrara e foi girando a maçaneta para sair logo dali, mas então notou que a porta agora estava trancada. A mesma porta que estava destrancada quando ele entrou agora estava trancada.

—Maldição!!! — gritou Carlos.

Deu dois passos para trás para pegar impulso e começou a espancar a porta com a sola do pé para abri-la a força. Foram preciso nove chutes para conseguir arrombar aquela porta, então ele saiu correndo pelo quintal indo parar na rua onde seus dois amigos o esperavam. Carlos então deixou o celular cair na rua, colocou as palmas das mãos sobre os joelhos respirando fundo, aliviado por não estar mais dentro daquela casa.

—Acho que alguém perdeu a aposta. — disse Jardel em tom sarcástico.

João cutucou Jardel com o cotovelo como quem pede a alguém para calar a boca. Carlos olhou para os dois, estava pálido, com os olhos arregalados e a testa respingada de suor. Pegou a carteira no bolso de trás de sua calça jeans, tirou com as mãos tremulas duas notas de vinte reais, deu uma a João e outra a Jardel.

—Aposta é aposta, ganhamos essa .— disse João para Carlos, só para quebrar o silêncio, mas no fundo queria fazer várias perguntas ao amigo, que como perceberam, não queria falar nada naquele momento.

Os três seguiram então pela rua em silêncio, dobraram duas esquinas e então se despediram com apertos de mão. Cada um foi para sua respectiva casa. No dia seguinte teriam muito o que conversar no Bar do Nando.

FIM

Higor Santos
Enviado por Higor Santos em 01/11/2019
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