Esperança Negra

A lua pairava acima de mim com seu brilho de mais alto teor, a fragrância de crisântemo está presente no ar, era a favorita do meu pai. Ele está morto agora, e eu estou em seu velório. Morto pelo câncer, por seus pecados mundanos. Não fomos próximos durante anos e agora seu repouso será o retrato que ficará em minha cômoda, a angústia habita em meu coração e não sei como reagir.

Após dias e noites que se passam lentamente como se estivesse preso num casulo, eu quero me transformar no que era antes, mas parece que algo me prende neste desconsolo por mais que eu tente, e eu tento.Todos parecem me ignorar, com exceção de um corvo que sempre pousa na minha janela por anos, ocasionalmente presenteio com migalhas de pão. Sinto desejo de conversar com alguém, porém ninguém me escuta; devo tentar com o corvo? Ele parece tão à vontade com minha presença, seus olhos penetram a minha alma de tal forma que sinto no fundo do meu coração um pingo de felicidade e esperança que ainda resta.

Eu sinto como se o corvo ansiasse por me mostrar algo, porém não tenho energia para perseguir o pássaro por onde quer que ele vá, eu sequer pude vê-lo quando bateu suas asas nas nuvens. Pela noite eu estava frente a janela com pensamentos negativos de uma vida desinteressante, a lua refletia os telhados de uma cidade morta; foi quando vi pairando ao fundo o corvo, ele ignorava completamente a forte chuva que descia dos céus como se os deuses chorassem junto à mim. Nessa noite, eu não ficarei sozinho.

O corvo queria que o acompanhasse novamente por onde ele for, por mais que o mundo estivesse ruindo em forma de tempestade, eu verdadeiramente não me importava mais. Ele me levou ao cemitério da região, onde tudo começou. Fui o seguindo por entremeio aos túmulos, imaginei os gananciosos que pensam que irão levar suas fortunas para suas catacumbas, porém eles esquecem que aqui não se pode mais fazer negócios, é aqui que eles acabam.

Ele me levou a uma cripta. Eu não compreendo. Meu nome está escrito nela. Encarei os olhos negros do corvo por alguns minutos, eles brilhavam a luz da lua. Ele desmanchou-se como uma fênix e suas escuras penas permaneciam no chão, intactas. Isso só poderia ser algum tipo de devaneio, meu nome estava escrito na cripta, mas eu estou vivo. 1965, esse era o ano que eu tinha morrido, o mesmo de meu pai. Estou em 1966. Inacreditável.

Eu tenho que abrir o túmulo, necessito comprovar. Minha carne estava podre, ergui-me para ver melhor, a terra estava rala e boa parte do meu rosto cadavérico estava a mostra e as ondulações abaixo do solo denunciavam vermes túrgidos que permaneciam se alimentando do que ainda restava de meu corpo pútrido.

Pressenti um calafrio vindo por trás de mim, senti alguém me olhando intensamente. Era o meu pai, e ele veio me buscar. Atirei-me aos seus braços sem hesitar, as lágrimas eram disfarçadas com o escorrer da chuva pelo meu rosto. Ele me diz que era hora de descansar. “Era tudo que eu queria, pai”. Deixarei esse lugar esquecido, onde os vermes se alimentam dos corpos do mundo.

“Provável que tenha morrido pouco tempo depois de meu pai em algum acidente, mas nada disso realmente importa agora, porque dessa vez vou poder descansar.”

“É dito que aqueles que morrem de forma repentina desconhecem seu estado atual e tendem a vagar por este mundo entre os vivos. Quando a hora chega, os nossos familiares vem nos buscar e nós temos que seguir o caminho da luz para encontrar a paz. O clichê túnel de luz... porém, ele existe de verdade, eu vi.”

“Vaguei pelo breu da minha mente e encontrei a paz na escuridão de um caixão.”

STRIT
Enviado por STRIT em 17/11/2019
Código do texto: T6796660
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