Eternidade

Lia detestava a velha casa onde crescera pois sempre ouvia seu pai falar sobre o fantasma de um menino que apenas ele via, e que ele dizia sempre chamá-lo para brincar. É claro que sua mãe e seu irmão mais novo achavam que era apenas um fruto do sonambulismo que o afligia desde a adolescência, porém Lia sabia que tinha algo mais nisso do que apenas um delírio. Ela cresceu com a impressão de que esse menino... esse fantasma... ele devia ser real - e morava em sua casa.

Por isso foi com alegria que ela saiu de lá assim que conseguiu e foi dividir um apartamento com uma amiga do trabalho. Por anos ela se esqueceu do fantasma que seu pai via e foi feliz, porém não demorou muito para o seu pai doente falecer. Como sua mãe também não era mais viva, Lia se viu diante da possibilidade de voltar para a casa de sua infância já que seu irmão nem mesmo morava mais no país.

As primeiras noites na casa foram tranquilas o suficiente para que Lia não se importasse tanto com os antigos temores infantis que tivera ali, e logo ela começava a se sentir a vontade na casa onde crescera. Redecorou o quarto, se livrou dos jornais velhos que seu pai insistia em juntar, fez uma faxina no porão e trocou a velha TV de tubo pela sua TV de plasma. Foi apenas quase dois meses depois que ela o viu pela primeira vez.

Um menininho de cerca de seis anos, cabelos loiros cortados em forma de cuia e a pele pálida corria pela casa.

Ela ouviu a risada do garoto quando este passou pelo corredor em frente à porta do quarto de Lia e correu para procurá-lo, pois pensou que era uma das crianças da vizinha que tinha invadido a casa. Não encontrou nada em parte alguma e, quando perguntou para a vizinha, descobriu que todos os seus filhos eram morenos. Foi só então que se lembrou do que seu pai costumava falar.

Ela chamou um padre, chamou um pastor, uma benzedeira e quem mais achou que pudesse ajudar, mas nada fazia aquele menino parar de correr e derrubar coisas pela casa.

Foi quando ela recorreu ao espiritismo e resolveu que talvez esse menino apenas precisasse de ajuda. Esperou então que ele aparecesse e correu atrás dele.

- Espera! Eu quero ajudar!

O menino parou de correr e ficou espiando-a do final do corredor com o corpo parcialmente oculto pela porta do banheiro.

- Como? - Ele perguntou com uma leve voz infantil.

Lia pensou. Como ajudaria uma criança morta? Apenas disse que o ouviria e tentaria ajudá-lo no que fosse preciso, então ele saiu do banheiro e caminhou devagar até onde ela estava, ficando de frente para ela.

- Eu só quero brincar...

- Então vamos brincar.

O menino sorriu, formando duas covinhas nas bochechas, e correu para a cozinha. Lia o seguiu correndo, porém ele não estava lá quando enfim chegou. Ela procurou embaixo dos armários, atrás das portas e das cortinas, mas só conseguia ouvir sua risada abafada. Ela então se ajoelhou para olhar em baixo da mesa apenas para descobrir que ele não estava ali, porém quando se levantou, foi surpreendida pelo menino loiro ajoelhado em cima da mesa com um martelo na mão e um sorriso no rosto.

Ele acertou-a cinco vezes com o martelo até que Lia parou de se mover. O garoto ria enquanto o sangue dela pingava do martelo em sua mão e, quando jogou-o no chão, se virou rindo.

Lia estava de pé vendo-o com as mãos erguidas e seu corpo desfigurado no chão. Por um momento pensou ter ficado louca, mas logo compreendeu que ela não mais habitava o corpo que jazia vazio em sua cozinha. Ela, assim como o menino, era um espírito. Ainda tremendo, Lia se abaixou e ficou olhando-o por um tempo, então ele fez carinho em seu cabelo.

- Agora poderemos brincar para sempre!

CK Mary

Ninho do Corvo
Enviado por Ninho do Corvo em 20/11/2019
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