Do outro lado da pista.

Certa vez eu ouvi dizer que quando alguém morre de maneira brutal, sua alma permanece na Terra, para lamentar a morte pela eternidade.

Obviamente isso era bobagem. Digo, como alguém poderia lamentar por tanto tempo?

Há alguns anos, me envolvi num acidente de trânsito. Eu me distraí enquanto eu dirigia; coisa de cinco segundos no máximo, mas foi o suficiente para a tragédia acontecer. Um rapaz e sua namorada, creio eu, estavam atravessando a rua enquanto eu me distraía. Quando dei por mim, parte do couro cabeludo do homem estava preso no vidro do meu carro, enquanto seu corpo estava jogado no asfalto. A garota foi arremessada metros de distância, e pela força do impacto, não teria chance de sobreviver, infelizmente. Numa atitude covarde, eu fugi. Deixei os corpos no meio da pista, entrei no meu carro e dirigi até minha casa.

No dia seguinte, ouvi alguns vizinhos comentarem sobre um atropelamento com dois mortos. Ao ouvir a notícia, fiquei sem reação, afinal eu poderia ter ajudado o casal, mas não, eu fugi.

Temendo que descobrissem que eu era o motorista assassino, decidi levar meu carro para consertar o vidro e a lataria.

Assim que acelerei o veículo, percebi que a porta do passageiro estava entreaberta, rapidamente estiquei meu braço para fecha-lá e ao voltar minha atenção ao volante, atropelei um pedestre.

Eu não podia acreditar que eu tinha atropelado mais uma pessoa. Mas para minha surpresa e desgraça, o pedestre atropelado por mim era o mesmo rapaz de outrora, porém sem sua acompanhante. A garota estava do outro lado da pista, na calçada, acendendo uma vela em memória de seu falecido marido e ao motorista que morreu após matá-lo.

Régis Di Soller
Enviado por Régis Di Soller em 11/01/2020
Reeditado em 11/01/2020
Código do texto: T6839731
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