Danse Macabre

Filipe acreditava que estava preso no inferno, porém, nem em seus pesadelos mais profundos poderia imaginar o que o aguardava pelas lúgubres ruas daquela metrópole oriental.

Estava já acostumado a sua falta de sorte, e por isso tomou com pouco entusiasmo aquela promoção. Claro que o novo salário seria muito bom, mas as viagens para o exterior o deixavam ressabiado. Sempre teve medo de voar muito de avião, contudo não havia como evitar e se quisesse prosperar profissionalmente e espantar o fantasma do azar deveria agarrar a essa oportunidade.

Uma viajem para a China logo no começo do ano, além dos seus deveres ainda restaria tempo para curtir a festa do Ano Novo Chinês, nunca comemorou dois Reveillon, parecia realmente uma experiência interessante.

Porém sua falta de sorte parecia o ter seguido para a Ásia. Mal havia chegado em Wuhan, e vira pelos telejornais as noticias sobre uma epidemia que parecia estar tomando conta da cidade e do país. Ele não adoeceu... não, o seu azar lhe reservava tormentos maiores. Filipe se viu encarcerado naquele cidade pestilenta, preso pela Quarentena estabelecida pelo governo, confinado em seu quarto de hotel com paredes cor creme, e aterrorizado por tosses altas que ecoavam pelos corredores, provenientes de outros quartos... e dos lamentos moribundos de outros hospedes.

Após dias de agonia e tédio, foi acometido por um desespero profundo, não aguentava mais ficar ali aguardando indefinidamente por uma autorização Estatal para que pudesse retornar ao Brasil. Não aguentando mais o tédio e tensão, saiu pelas ruas desertas daquela megalópoles infectada. O dia estava ensolarado, apesar de frio, e ele queria apenas caminhar a esmo até o anoitecer, quando retornaria para o hotel, exausto o suficiente para adormecer sem preocupações. Claro estava devidamente protegido com uma mascara cirúrgica e acreditava que isso só bastaria. Era o único transeunte ali, todos com juízo se refugiavam em suas casas.

Andou a tarde toda, contemplando a beleza exótica da arquitetura chinesa e quando o Sol já se punha, tratou de retornar. Foi durante o crepúsculo que anteviu nas sombras das ruas ermas, uma peculiar figura. Demorou a entender o que acontecia, era alguém trajado um manto preto e chapéu dançando alegre pelo caminho, como se o caos e a morte lhe apetecessem. Quanto porém, Filipe viu seu rosto, sentiu de imediato um arrepiou na espinha, sua face estava coberta por uma mascara negra que lembrava vagamente um corvo. Filipe não sabia, mas aquela figura estava trajada como os médicos da peste que trataram, enquanto também apavoravam, os europeus medievos enquanto estes sucumbiam a peste bubônica. Era outro continente, e outra praga, e mesmo sem saber a origem daquela indumentária, tal espectro sinistro encheu o coração de Filipe com um horror indescritível, pois bailava a encarnação Peste comemorando o ocaso da humanidade...