O Demônio Familiar X

A porta se abriu para a entrada do entregador. O homem estava claramente incomodado por ter sofrido uma dura revista dos agentes do FBI. Holtz o trouxe para dentro afirmando que cuidaria de tudo. Fez questão de sacar a arma para passar segurança para os colegas, ainda dando um sorriso leve para demonstrar que estava tudo sob controle.

- Ford está descendo já – falou para os homens, percebendo o alívio na expressão deles ao terem a responsabilidade passada para frente. Terminou sendo simpática. – Querem um café?

Negaram meneando a cabeça e sorrindo para a amável agente Holtz, sempre o oposto do carrancudo Ford, que dava ordens com aquela expressão sisuda e olhar pesado. A agente fechou a porta perguntando-se como o entregador conseguira entrar na casa ao invés de ter a pizza tomada pelos outros agentes.

- Ninguém quer demônios falando na cabeça – disse o entregador, passando a mão pela cicatriz do rosto e andando para dentro da casa.

O rosto de Holtz ardeu ao mesmo tempo que seu coração duplicou a velocidade dos batimentos. As mãos suavam a ponto que o cabo da arma parecia prestes a escorregar. As vozes dentro dela se calaram. Consciência, instinto e razão anularam-se quando pontos desconexos dentro de sua mente precisaram escolher que rumo tomar. Fechou os olhos para tentar se decidir enquanto ouvia os próprios passos seguindo o entregador que se movia mais silenciosamente que um gato. Aquele escuro a reconfortou até receber uma proposta obscena das trevas. Abriu as pálpebras imediatamente e quase orou por reflexo. O instinto a fez parar, tomando controle ao surrar consciência e razão.

- Vai ser rápido? – perguntou.

- Depende muito dele.

Uma parte violentamente silenciada dela quis que a pergunta fosse caridosa, mas nesse ponto a razão já fizera uma aliança improvável com o instinto, declarando guerra á consciência. A pergunta era apenas uma manifestação de cálculos sangrentos sobre a chance de escapar ilesa daquilo tudo.

Então a criança apareceu sorrindo e gritando feliz por causa da pizza. Correu na direção do entregador. Holtz olhou do garoto para o homem, procurando pelas reações certas que deveria ter naquele momento. Viu apenas uma máscara inexpressiva. Tentou imitá-la, mas as reações dentro de si eram fortes demais.

O homem abriu a caixa de pizza e dela retirou uma faca de cabo negro e ponta curva. Houve uma antecipação dentro de seus olhos e então disse:

- Calem-se.

Holtz mordeu os lábios ao ouvir a ordem. Não era para ela, muito menos para o garoto que agora estava paralisado de susto no meio da sala, a dois passos de seu possível assassino. O homem adiantou-se depressa, segurando o menino pela camisa com uma rapidez que o impediu de reagir. Holtz preparou a arma para dar cobertura e notou o medo nos olhos do menino. Transformava-se no pânico de uma criança que houve ordens, gritos e urros que ainda está longe de estar preparada para ouvir.

A agente apontou a arma para o assassino quando o viu preparar a faca. Corrigia a pontaria para procurar pelos verdadeiros inimigos quando ouviu o disparo. A bala atravessou o ombro do homem, jogando-o no chão. Ele arrastou o garoto consigo e começou a tomar posição para se levantar. Outro disparo e Holtz se perdeu no meio daquela confusão. Olhava para Ford em cima da escada e depois para a porta sendo arrebentada pelos outros agentes. O assassino arremessou a faca no primeiro deles e depois girou o corpo, levando o garoto como proteção.

- Parem! Ele vai matar a criança – disse ela.

Apontou a arma para o assassino. O garoto não chorava, apenas olhava de volta em pânico com o nariz escorrendo sangue por causa da pancada durante a queda.

- Solte o menino e venha conosco – falou.

O homem já segurava outra faca, com o mesmo formato da que agora estava enfiada na testa de um dos agentes do FBI. Olhou para todos na sala, percebendo que estava cercado. A senhorita Kenson se remexia em um canto, chorando desesperada. Ford a mandou embora, mas a velha se recusou a sair.

- Você está cercado – disse o agente do FBI, aproximando-se ao apontar a arma.

O homem cheirou o garoto e passou a língua em seu rosto, tocando o sangue.

- Vai acabar aqui – disse, preparando a faca.