[b]CARTAS DE AMOR[/b]

nem sempre o que se esconde atrás dos fatos é a verdade. nem sempre a verdade deve ser dita. porque de todo quando esta é revelada, nem mesmo quem a confessa acredita.

“ Amada de meu coração, desejada de minha alma, aqui estou eu diante da tragédia de minha vida, posto que a meus pés se encontram agora os corpos de nossos bens mais preciosos nesta Terra dada por Deus. Sim, os filhos gêmeos tão queridos por nós, agora já não respiram mais. Mas Logo encerrarei este antro de agonia e solidão, deixando de apenas vislumbrar os restos mortais das vítimas para juntar-me a eles no mais derradeiro epílogo que finaliza a justiça divina. Peço-vos que não me julgueis, doce Kerolline, (pois a ti dedico esta carta), mas que também não me perdoeis (pois este é o destino que mereço). Tanto que minha própria vida entregarei como salário pelo mal que minha prole causou à nossa aldeia. Ainda necessito contar-te que também jaz nesta sina nosso estimado filho adotivo Tomás, outra vítima da inveja e da maldade que se enraizaram nos corações dos gêmeos um dia. Logo, com este punhal que tenho em mãos, hei de consumar o destino que o criador nos outorgara. Ouvi-me esposa de meu coração. Atenta-te uma vez mais a estas palavras, já que não as escreverei no mundo dos vivos outra vez!

Vinha eu já de muitas noites conturbado, ciente da malignidade em nossos filhos, consciente das atrocidades por eles perpetuamente praticados, sempre temeroso do trágico resultado que isto acarretaria à nossa família um dia. Mas quem melhor que tu, ó mãe de meus venerados rebentos, para conheceres nossa triste sina desde os primórdios de nossa união!

Lembro-me agora dos ternos sentimentos que tínhamos há muito tempo atrás, logo quando adotamos Tomás. E não foi diferente em seguida, quando recebemos mais dois pequeninos idênticos a nosso alegre lar (uma dádiva dos céus). Ah, quanta felicidade, quantas esperanças e sonhos, tantos projetos e planos para nossos prestigiados filhos! Se soubéssemos que seria tudo em vão... Também tens idéia que desde muito cedo, já na mais tenra idade da infância, nossos gêmeos enveredaram-se pelos caminhos do maligno. Atormentavam os bichos, ofendiam as pessoas, maltratavam a todos que lhes estendiam a mão. Eram indiferentes a qualquer castigo ou conselho, embora houvéssemos tentado de tudo para remediar o rumo pelo qual seguiam. Movidos por uma influência obscura, ainda que almejássemos detê-los, persistiam nos mesmos erros como se existissem somente para espalhar o horror na Terra. Mas graças aos céus, nunca era assim que nosso benevolente Tomás agia. Somente a ele devemos os sorrisos que ainda conservávamos nos lábios, apesar de tudo.

Todos os dias observávamos o notório contraste entre a criança tida por nós como um verdadeiro filho e os gêmeos naturais de seu virtuoso ventre, ó querida Kerolline. Tomás sempre preocupava-se em fazer o bem. Quando ficavam sozinhos os três, sempre sobrevinham sobre nossos filhos de sangue as peripécias e maus costumes ali praticados. Já o pobre Tomás, de nada fazia para que tivéssemos raiva ou qualquer tipo de arrependimento pela decisão de adotá-lo outrora. Ah, como lastimo não terem sido assim estes outros dois que de igual modo tanto amamos e idolatramos!

Nesta saga tristonha e estafante por muitos anos vivemos, minha cara, tanto que presenteamos aos gêmeos uma casa longe bem longe de nossa aldeia, para que os vizinhos não mais pagassem pelos importunos atos de nossos filhos. E Tomás, como sempre tomado de ternura, ofereceu-se para residir com eles enquanto mantinha seus estudos no intuito de ajudar-lhes a trilhar o bom caminho por onde andam os justos. Foi aí que mais uma vez os cães do inferno manifestaram-se outra vez. Corroídos de inveja, petulância ou qualquer outro sentimento destruidor da alma, resistiram vorazmente ao nobre anseio de Tomás. Mesmo nestas condições, Tomás não se manifestou. De nada reclamou ou retribuiu da mesma forma tempestiva que seus irmãos gananciosos agiram. Com carinho estabeleceu-se (um tanto temeroso) junto aos gêmeos depois de lhe insistirmos veementemente, pois temia a revolta de seus irmãos diante de sua presença naquele local. Oh! Se soubéssemos o quanto estava certo!

Foi assim que algum tempo depois me encontrei perturbado, pensando em como estariam nossos filhos tão longe de nossas vistas. Resolvi visitá-los de surpresa, no que seria minha última tentativa para estabelecer a paz em suas mentes conturbadas pelo ódio. Já há algum tempo não ouvia reclamações nem notícias suas, daí minha surpresa quando soube que agora estavam trabalhando. Logo, esperava encontrar naquele casebre um ar de calmaria, Imaginando terem encontrado nossos gêmeos finalmente a paz. Quem sabe haviam amadurecido para a vida, abandonado seus tristes erros e se tornado bons cidadãos! Mais um horrível erro de minha parte, meu amor!

Qual é minha perplexidade quando ao chegar á porta, encontrado-a aberta meio de soslaio, adentrar e observar...não gosto nem de lembrar, doce Keroll!

Nosso querido Tomás debruçado sobra a cama, alvejado certeiramente por um punhal no peito, enquanto nossos outros filhos faziam as malas com certeza no intuito de escaparem impunes deste crime inescusável! Não pude mais resistir, minha amada. Antes que qualquer um dos dois crápulas pudesse pronunciar sequer uma palavra, mergulhei de ímpeto contra nossa própria linhagem!Tomei da arma branca encravada sobre o corpo inerte de Tomás e terminei por manchar minha própria honra com o mais negro dos pecados. Sim, meu amor. Tirei a vida de nossos filhos!

Era a justiça que deveria ser feita. Aquilo tinha precisava de um fim. Chegaram ao extremo da maldade, portanto, era irremediável, meu amor! Nem ao menos foram capazes de reagir, pois não esperavam que eu sempre tão sereno tivesse a ousadia de atacá-los tão furiosamente. Mas antes que a culpa me consuma (como responsável por tudo que sou), logo também não estarei mais respirando. Eu sou o pai. Eu permiti que chegasse a este ponto. Eu executei a sentença, e também devo saldar minha dívida. Doce Kerolline, te deixo agora com um profundo pesar na mente, e creio que encontrarás quatro corpos ao invés de três. Também encontrarás esta carta, cuja história selará a paz em nossa casa para sempre. Adeus, amada de meu coração! “

quem dera usasse Deus de bondade para com todos, e que todos de tudo tivessem consciência. talvez sabendo das outras mentes, nossa própria resguardasse mais descência.

“ Papai, mamãe, sentimos muito por tudo isso. Sei que não somos bem quistos por vós, nem tão pouco pela sociedade onde vivemos. Simplesmente foi a gota d’ água a atitude de Tomás desta vez. A vida inteira escondemos nossa índole. A vida inteira ocultamos seus atos cruéis assumindo a culpa em seu lugar, sem que ninguém soubesse. Quando alguma vez praticamos qualquer mal foi por intuito desta maldição que temos por irmão. Fomos induzidos a cada erro, cada maldade por esta mente que agora encontrou seu destino neste punhal que ele próprio adquiriu com intuitos por exacerbados por demais. Talvez vocês nunca soubessem da verdade, pois os amamos muito. O sentimento dedicado a vós é tão grande que não nos permitíamos revelar a real natureza deste irmão traiçoeiro que há tantos anos desistimos de salvar. Não fosse este derradeiro ato de loucura seu, jamais escreveríamos esta confissão.

Chegou em casa neste fim de tarde com um acesso de raiva, vindo das farras, dos bares e das meretrizes como sempre o fazia. Trouxe consigo este símbolo de morte escondido por debaixo de suas vestimentas, planejando atacar meu irmão durante a ceia que sempre partilhávamos juntos. Era a hora da oração de graças e bendito seja Deus, o altíssimo, que segundos antes da punhalada certeira eu visionei a terrível arma e o agarrei com força, impedindo o pior. Nós o obrigamos a contar toda a verdade e foi quando confessou que desejava nos assassinar friamente, indo depois a vosso encontro para vos exterminar também! Desta forma, a culpa da chacina recairia sobre nós, como sempre, e o marginal ficaria com os bens de toda a família. Pai, mãe, isso foi o cúmulo. Sabemos que foi um erro, mas isto foi o cúmulo!

Nossa decisão era entregá-lo às autoridades competentes e explicar todo nosso sofrimento para que dessem cabo deste louco, mas antes que eu percebesse, ele se desvencilhou de meus braços e lançou-se contra meu bondoso irmão. Não podia permitir aquilo! Tomei do punhal que erguia, e o enterrei em seu próprio coração....

Sei que é difícil de acreditar em tudo isto, meus tão sofridos pais, mas é a pura verdade. Por isso deixo em nosso leito esta humilde confissão, pois decidimos partir para sempre (mesmo com dor no coração), sabendo que é quase impossível alguém acreditar nas palavras que agora escrevemos. Dizemos adeus e pedimos perdão por nunca termos falado a verdade. Sabemos que não foi o correto, mas com certeza foi por amor a quem sempre nos amou, apesar de tudo. Foi por amor!"

e quando finalmente tudo se descobre, se lastima não se ter observado tudo. quem sabe onde esse tudo sempre se esconde? talvez nas cartas que se encontram em oculto.