Mar Aberto

¿ Por quanto mais tempo poderia aguentar? Seus braços e pernas cansados, seu corpo parecia todo se descompor na injusta luta contra o Oceano. Amava o mar, e jamais teve medo, tirava a riqueza do mar e agora este o cobrava, assim como fizera com seu pai vinte anos antes. Acreditava ver uma pequena faixa dourada no horizonte, seria a praia e com largas braçadas se aproximava da salvação. ¿ Pois não era verdade que Júnior certa vez devorara uma phapa-kalampa e por ter sobrevivido ao letal veneno do peixinho, acabara por absorver as habilidades aquáticas deste? Mas Oceano o cercava por todos os lados, jamais se salvaria. A água arrastava-o indiferente, aquela correnteza, em seu incansável labor, conduzia seu corpo para um lugar distante. Ilusões, melhor seria deixar-se morrer, seria uma honra morrer como meu pai. “Logo logo meu Pai, vou para esse lugar de maravilhas secretas que o mar nos leva”. Desenganado, fez o ritual que todos os homens em todos os séculos fizeram diante do findar da existência. Afinal, ¿ o que resta para um homem que já não tem futuro? Só lhe cabe o papel de aferrar-se a vida, e a vida é tão somente o passado para o moribundo. Em sua cabeça, como um filme preto e branco, projetava-se a figura daquele pescador de maneiras rudes, corpo tostado pelo sol, forjado pelo mar, que, como num ritual, esticava a rede remendando seus furos, sempre guardando silêncio, não porque não gostasse de falar, mas o Pai achava mesmo que não tinha nada de importante a dizer e o melhor seria evitar chatear os demais. Quando entrava no mar, equilibrava-se em seu barquinho, “ A Adelaide” - ora essa, veja só se isso é nome de barco, dizia a Mãe – e então arremessava a rede. Quando pescava de vara, O Pai usava de sua isca secreta, pois peixe nenhum – aprenderá isso também com o Pai - era dado ao suicídio e abocanhava anzol pelo simples prazer de morrer.

Demorou para que entendesse quem de fato era o Pai, e o Pai tampouco fez-se conhecer, até o dia em que o Pai tomou o filho pelo braço e o levou à praia, e os dois juntos viam como o sol refletia no mar formando pequenos triângulos que se moviam incessantemente, em um tom esverdeado, e no alto do céu escarlate, muitos eram os pássaros que voavam procurando comida. O Pai, espantando-se ele mesmo com as palavras que lhe saíam por entre os lábios de um vermelho sangue, disse : Outros países deveria conhecer, de homem bruto e ignorante no mundo bastava ele, que o filho fosse pegar o maior peixe do mundo, que sabia, sim sabia - pois homem de cultura e confiança lhe havia contado - é um peixe que vive no mar do Caribe, lá pelos lados da ilha de Cuba. Embarcou de clandestino em um navio alemão, e depois de fazer uns tantos amigos filipinos que trabalhavam na cozinha, escutar de um peruano as maravilhas que só se encontram nas escuras águas do pacífico, e vomitar durante treze dias seguidos sofrendo pelo mareio que se sente em mar aberto, virou marinheiro. Não chorou, resignou-se quando um anjo apareceu-lhe em sonho, contando que seu Pai morria no mar. A Mãe chorou a morte do marido. A Mãe de pele branca e falar calabrês, que bem mais parecia uma figura alienígena naquele lugar de caiçaras. Que triste sorte para seu avô materno, que deixando Buenos Aires – primeira escalada em uma aventura sul-americana que lhe resultou lucrativa – perdera a filha para o pescador pobre, e sem filha seguiu a São Paulo onde industriário fez-se próspero como jamais pudera imaginar, tornando-se o mais pobre dos mais ricos homens. E a Mãe ficou com o Pai, homem bonito, e os dois foram viver no vilarejo, e da pesca e da ilusão viveram, e muitos filhos foram nascendo. Alguns nasceram fraquinhos, saiam do ventre já meio mortos, contrariados, e não demoravam muito iam minguando, até que regressavam para as entranhas da terra de onde haviam saído tão pouco tempo fazia. Júnior nasceu forte como um agulhão-de-vela, espadaúdo como o Pai, e os olhos azuis da Mãe.

Era tragado por Oceano, figura meio humana meio peixe, com chifres e tridente, que lhe sussurrou ao ouvido assim: Júnior, a correnteza te leva para junto de teu pai que também morreu no mar, pois ainda que a água arraste tudo em um devir perpétuo sem nunca regressar, o destino de tua família é imutável, é eterno, e o mar te leva a Cuba, onde teu pai te espera para que realizes a aventura de capturar o maior peixe do mundo, e na semana que vem, quando um menino de nome Cicinho, filho de Dona Cândida, encontre teu monstruoso corpo boiando na água, e digam que está todo inchado e fede e está morto, saiba Júnior, que é tudo mentira, pois na verdade estarás em Cuba, bebendo cachaça e comendo daquela carne gostosa do maior peixe do mundo em companhia de teu pai.

Esteban Donato Ardanuy
Enviado por Esteban Donato Ardanuy em 16/04/2020
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