LUZ, CÂMERA... AÇÃO! - CLTS 11

Gabriel, como uma grande parte das crianças e adolescentes no mundo, sofria com bulling dos colegas de escola. Isso afetou a infância do menino. Nasceu com uma malformação nas pernas, fazendo com que ele andasse de maneira diferente, os dentes eram grandes e pra frente o que fazia com que ele também tivesse dificuldade de falar e para completar, logo após o parto teve que fazer uma cirurgia na cabeça, nascera com um tumor maior que seu próprio crânio, devido a isso, gerou uma grande cicatriz que começava acima da sobrancelha e terminava no meio do topo.

A crueldade infantil era tanta que Gabriel vivia da escola para casa, não fazia nada, além disso. Já havia tentado tirar sua própria vida algumas vezes, mas não aguentava a dor de seus cortes, não tinha força para montar uma forca e nem coragem para se jogar de alguma ponte. Chegou até a pedir para que seus pais tirassem sua vida, o que entristecia muito a família.

Os anos passavam e Gabriel acabou se acostumando com as chacotas e brincadeiras de mau gosto, as dores nas articulações pela postura incorreta e as enxaquecas eram mais graves que as palavras que escutava diariamente, mas mantinha-se recluso, sem contato com os outros.

Já com dezesseis anos ele percebia sempre os comentários sobre as festas que seriam dadas nas casas dos colegas, mas nunca era convidado. Tentava se enturmar aproximando¬-se de alguns adolescentes, principalmente os que haviam chegado a pouco na escola, mas logo os alunos antigos faziam com que ele não conseguisse.

Muitas vezes quando conseguia contato com alguém, os mais antigos e debochados seguiam as chacotas dizendo para que ninguém chegasse perto dele porque era contagioso. Gabriel então desistia e continuava sua vida infeliz.

Na sua casa era diferente, seus pais faziam tudo para que ele se sentisse bem, tentavam com que enxergasse suas qualidades, falando de suas notas, de sua inteligência e habilidades com a escrita. Ele lia muito e via muitos filmes principalmente de terror. Gostava de filmes do Jason e Jack Estripador, tinha muitos quadros em seu quarto que era o seu refúgio. Era naquele cantinho especial que criava suas próprias histórias e onde sempre era o personagem principal.

O que assustava os pais era o tipo de contos que ele criava, sempre com muita violência e a maioria dos personagens morria e o principal também, sendo que nunca era o mocinho e sim o vilão.

No final do ano teria a festa de despedida dos alunos do terceiro ano, seria na própria escola, dessa vez, ele não precisava ser convidado, era aberto a todos os alunos. Achava que enfim seria o momento que poderia aparecer e mostrar que não era o monstro que todos chamavam.

No mês de outubro, dois antes da festa que seria em dezembro, Gabriel tentou entrar para a equipe de organização da festa que teria o tema “Dia dos Monstros”, e isso ele entendia muito. Sabia que seria muito difícil participar, não conseguia ao menos falar com os colegas, então andar junto ou palpitar parecia mais difícil ainda, mas estava cansado de chorar por pena de si mesmo, iria arriscar-se.

No dia em que a professora responsável começou a falar de como seria a decoração, os alunos entraram em alvoroço, todos dando vários tipos de opinião, até que Oliver, um menino que já havia repetido dois anos, mas que era muito popular por ser o capitão do time de futebol e considerado o mais rápido entre os jogadores disse:

- Professora! Poderíamos colocar o Gabriel como personagem principal, podemos deixa-lo recepcionando as pessoas, com essas perninhas tortas, iria ser aterrorizante.

Todos riram, e Gabriel nada fez, apenas sentia o golpe, assim era sua vida, ouvir e ficar quieto, mas professora por sua vez não gostou do que ouviu e respondeu:

- Sim Oliver, mas pode ser que você não passe de ano e então quem é que não vai se formar? Piadinhas você sabe fazer, mas estudar não é o seu forte.

Gabriel deu uma risada tímida junto com alguns outros colegas.

- O que foi professora? Vai defender o dente de coelho? Disse Rodrigo o filho de outro professor.

Mais risadas e a professora então interrompeu a todos gritando:

-O QUE É ISSO? VAMOS RESPEITAR OS COLEGAS!

- Mande-me pra diretoria. Disse Rodrigo ironicamente, sabia que o pai passaria a mão na sua cabeça e não faria nada.

A professora saiu da sala irritada com tudo aquilo, foi o momento onde Jéssica pegou uma folha de papel e colocou na cabeça de Gabriel e disse:

- Esconda essa cicatriz nojenta, menino repugnante.

Jéssica era a namorada de Rodrigo e ficou muito irritada com a risada de Gabriel que mais uma vez nada disse. Outro professor entrou na sala. Pedro era mais bruto com voz forte e rouca, também motivo de risadas dos alunos, porém na frente dele, nada era dito.

- Não quero mais saber de piadinhas, agora vamos definir a comissão organizadora. Quem gostaria de participar e quem gostaria de liderar?

Todos levantaram as mãos, e claro que Gabriel ficou fora do grupo que organizaria a festa. Mais uma decepção dentre tantas que já tivera em sua intensa e irônica existência. Ninguém entendia tanto de terror quanto ele, tudo que já havia estudado e lido, a maioria daqueles boçais nunca tocara em um livro, e além do mais usaria sua própria historia de dor e sofrimento como inspiração, mas excluído mais uma vez, nada que fosse surpresa. Quanto mais o tempo passava, mais tinha certeza que estava nesse mundo a passeio e essa vinda, se dependesse dele seria curta.

Voltou para casa sozinho como sempre, porém não sem antes ouvir xingamentos e desrespeitos que já era de costume, seus dias eram assim, dois mundos que nunca conseguiu unir, casa e rua revelavam realidades completamente distintas. Ao chegar em casa calado, carregava consigo todas as atrocidades que sofria, não sentia-se bem, ainda assim foi interrogado por seu pai:

- E aí filho, vai dominar o cenário da festa? Que cara abatida é essa? Está sentindo alguma coisa?

Ele meneou a cabeça negativamente, apenas chorou e correu para seu quarto, só conseguia pensar em ser o melhor, nada menos, seria o novo contador de histórias de terror, mas teria de ser do seu quarto, não poderia aparecer, pois assim não seria convidado a fazer papel de monstro em seus próprios contos. A dor era tanta que entre soluços e ideias adormeceu a tarde toda.

Desde esse dia, começou a escrever mais histórias e dessa vez seria o mais macabro que ele conseguisse, inclusive utilizando os nomes dos colegas que mais o maltratavam.

O esperado evento chegou, a festa começou às dezoito horas, num anoitecer de um sábado abafado e lua cheia, aspecto perfeito para o melhor conto de um menino estraçalhado pela sua própria história. A música alta inibia o volume de seus gritos, que de uma cadeira afastado de todos eram dados a plenos pulmões, desferia xingamentos de raiva para todos que ali estavam, grunhia, latia e fazia caretas, tudo escondido de trás da mascara do Jason. Chegou cedo, antes de todos, para que pudesse ficar de certa forma escondido de seus colegas, não poderia caminhar entre eles, a deficiência de suas pernas o entregaria. Analisou o andamento daquela festa que fazia parte de vários de seus contos e que várias vezes detalhou em outras escritas. Era simples fazer aquela festa melhor, precisava um pouco mais de sangue e tensão, algo que não foi dado por quem a organizou, e que faltava era o charme de quem já havia lido e visto muito terror. Lembrou-se de Quasímodo ao ver a linda Raquel passando a sua frente e disparando um sorriso tímido, mesmo sem saber quem era o mascarado. Gostaria de levantar e pegá-la em seus braços, mostrar que era uma fera abraçando sua bela, porém, se levantasse daquela cadeira sabidamente seria motivo de risadas e até agressões. Gabriel apenas observou de longe a alegria de todos que ali estavam, engoliu o fato de não ser bem quisto por pessoas que nunca havia feito mal algum, ali ficou, deprimido e com vontade de ir embora, inundado em sua tristeza. Com sua caneta e papel, como companhias, pronto a seguir escrevendo coisas que apenas sua mente criativa poderia fazer.

Percebeu que os colegas bebiam algo escondido, Rodrigo carregava em baixo de sua fantasia algumas garrafas e pensou em falar para os professores, mas sabia que isso geraria consequências para ele. Apenas esperou, era conhecedor do que acontecia quando se bebia. Seu tio era alcoólatra e perdia completamente a noção de mundo depois de alguns copos.

A raiva aumentou ao ver que Oliver beijava Raquel, a menina que ele nutria uma paixão platônica e impossível. Aquela visão destruiu sua noite a ponto de ele então escrever versos poéticos, mas com mortes em evidência. Em um deles inclusive questionando se o amor demonstrado por seus pais era de verdade ou seria pena.

“A vida me confunde a todo o momento,

Eu minto que acredito nisso tudo.

Mas acho que apenas me aturam,

Pra que minha história tenha menos tormento.”

Guardou o poema sórdido em seu bolso e voltou a interagir visualmente com a festa.

Viu Rodrigo quase caindo por cima de Jéssica, foi o momento que seu sangue subiu ao seu cérebro e apagou sua visão. Por que somente eles podiam ser felizes? Pensou irritado. Levantou-se com a mesma dificuldade de sempre e foi ao banheiro, alguns dos adolescentes tentaram derrubá-lo após perceberem sua presença, mas dessa vez ele escorou seu corpo contra a parede e não se deixou cair, conseguiu chegar a seu destino.

Dentro do banheiro e com muita raiva, arremessou o recipiente de sabonete líquido contra o imenso espelho, fazendo quebrar em muitos pedaços. Por segundos voltou a si, mas apavorou-se ao ouvir a voz de Oliver, sabia que seria humilhado. Entrou em uma das cabines e dessa vez a coragem ficou lá fora. Oliver entrou sozinho, cambaleando pelo excesso de álcool que eles estavam ingerindo, resvalou nos cacos, caiu e bateu a cabeça na pia, desmaiando na hora. Gabriel abriu a porta, viu o desafeto principal de sua vida ali, caído, indefeso e a mercê de qualquer coisa, levou o dedo indicador em sua jugular e percebeu que o mesmo estava vivo, pensou em sair, mas olhou em volta , agachou-se, pegou um pedaço do espelho que refletia a máscara do seu personagem favorito e foi como se Jason o incentivasse a fazer o pior e ele fez. Foi nas pernas do garoto desacordado, cortou ambos os tendões de Aquiles e antes de sair do banheiro disse:

- Vai capitão, mostre-me seu jogo, vamos ver quem corre mais agora.

Ao sair do banheiro, trancou a porta por fora e colocou a placa de interditado. Sabia que por a escola ter vários banheiros, ninguém questionaria a falta de um. Enquanto retornava a sua cadeira que até então era seu refúgio, percebeu que Jéssica vinha a seu encontro, parou e esperou. Ela perguntou sem perceber quem era atrás da máscara:

- Olá Jason, você viu por acaso viu o Rodrigo?

Para não ter que falar e entregar sua verdadeira identidade apontou para a saída da festa e a menina também um tanto embriagada foi na direção indicada. Gabriel esperou ela sair na rua e foi atrás. Parou na porta e ficou observando Jéssica que olhava para os lados e não via ninguém, voltou a olhar para a porta e lá estava mais uma vez o Jason e mais uma vez pergunta:

- Cara! Você tá de sacanagem? Onde ele está?

E novamente sem dizer uma palavra, aponta para a sala de manutenção da escola que ficava ao lado da entrada principal, estava completamente escuro, ela foi e entrou. Gabriel chegou logo em seguida, acendeu a luz, mostrou seu rosto e antes que ela pudesse começar os xingamentos, ele ligou um grande ventilador de hélice metálica que estava sem proteção frontal e jogou contra a menina, escalpelando parte de sua cabeça. O sangue jorrou em suas fantasias, algo que não causou desconforto a Gabriel, festa de terror sempre tem muito sangue.

Voltou à área da festa, quando foi sentar, Rodrigo chegou antes retirando a cadeira fazendo com que caísse no chão, alguns colegas que estavam por perto riram e agora até Gabriel ria também, a felicidade mesmo que momentânea estava dentro dele. Depois de se recuperar e conseguir levantar, chegou perto de seu agressor e disse que Jéssica estava o procurando e que o esperava na sala de manutenção. Quase que caindo e andando muito devagar de tanto beber, Rodrigo foi à direção à rua. Gabriel o seguiu de perto, não poderia deixa-lo ver o estrago que havia feito. Chegou junto e com uma marreta que estava ao lado da porta, desferiu alguns golpes no rosto de Rodrigo dizendo:

- Olhe as cicatrizes na cabeça de sua amada e de um sorriso... Ah, você não tem dentes né?

Dessa vez, não conseguiu fazer em silêncio, alguns alunos ouviram e foram na direção do barulho vendo os colegas no chão desacordados, cobertos de sangue e o Jason com a marreta na mão. Raquel foi a primeira a chegar ao local e ele não demorou a tirar a máscara e declarar-se:

- Olá Raquel, agora podemos ficar juntos, somos todos iguais...

- O que você fez seu monstro? Gritou a menina desesperada.

- Monstro? Agora somos todos iguais.

- Você nunca será igual a nós.

Sem pensar duas vezes, Gabriel pulou como um animal selvagem em direção à menina e mordendo seu rosto algumas vezes dizendo:

- Agora você é igual a mim!

A cena era de horror, alunos ensanguentados, gritos de pânico, alguns estavam em choque, outros chorando. Em meio aquela loucura que se instalou, alguns colegas conseguiram buscar socorro. Ao perceber que o professor Pedro vinha em sua direção para agarrá-lo, Gabriel então parecendo voltar a si, olhou a seu redor orgulhando-se das imagens que ele causara, enxergando ali, a capa de um livro que sempre quis escrever ou o pôster de seu filme que passaria nos principais cinemas do mundo, retirou o pedaço de espelho que estava em seu bolso, colocou novamente a máscara de seu maior ídolo, sorriu sozinho e sem pestanejar rasgou seu próprio pescoço.

Já no quarto do filho, após o funeral onde apenas eles e o padre estavam presentes, os pais buscavam explicações para tudo que aconteceu. Revirando as anotações de Gabriel, perceberam que havia muita semelhança entre os fatos e os contos escritos por ele. Era premeditado ou foi apenas o acaso? Aquele menino que foi esquecido pela vida escreveu então o filme que ele tanto queria, porém, os personagens eram reais.

TEMA: Escola