Ponto de Vista de um Fantasma

Sim sim, definitivamente estou morto. A sensação é, como posso colocar em palavras: desesperadora?

A primeira vez em que acordei realmente para a realidade, foi quando estavam me enterrando, e quando jogaram terra por cima de meu caixão. Eu estava desesperado e passava por entre todo mundo gritando por socorro. Depois fui sete palmos abaixo tentando reanimar ao meu corpo, porém inutilmente fiquei lá até que os bichos começaram a me comer. Eu vi o meu próprio esqueleto...

A primeira coisa que eu me perguntei depois que recobrei minha consciência foi: E agora, para onde eu vou? Me lembro de pensar se eu deveria ir para o céu ou o inferno. Porém eu não encontrei nenhuma forma de ir a nenhum desses lugares (o céu principalmente, óbvio). Não deveria aparecer alguma coisa tipo um guia espiritual para guiar as almas para seus respectivos destinos?

Depois eu comecei a pensar que era um teste de encontrar por si próprio. O único lugar que eu pensei que poderia ser o céu, seria a estrela mais brilhante... Mas as estrelas são bolas de fogo enormes, então provavelmente são vários infernos... Acho que não vale a pena uma viagem até uma estrela só pra comprovar minha teoria, acabei por ficar aqui mesmo na terra.

É estranho porque você não tem mais aquela sensação de tempo e de rotina que a vida diária te proporciona. Simplesmente acabou!!! E toda a sua existência foi apagada. É muito mórbido estar morto, você se sente totalmente sozinho o tempo todo e não há como voltar, de modo algum.

Por incrível que pareça, acho que depois de um tempo eu me acostumei com esse estado...

Eu comecei a acompanhar a vida de uma ex-colega de trabalho, e habitava na mesma casa que ela. Então era comum eu vê-la se trocar, dançar para músicas, e até mesmo quando ela dormia. Eu ficava lá basicamente o tempo todo. Acho que me apeguei à aquela casa, e aquela sensação de voyager (Quando se está morto, você não sente mais tesão em acompanhar a sua vizinha gostosa no banho... Sinceramente que chato)

Alguma coisa mudou depois de um mês lá dentro, eu comecei a poder sentir cheiros, principalmente o dela, que era o mais marcante dentre todos os odores. Fiquei um bom tempo andando com ela lado a lado, como se fosse sua própria sombra, a cheirando em todos os momentos. Depois pude notar que meu corpo reagia a luz ambiente, porque a minha presença gerava uma sombra muito pequena, numa espécie de blur em qualquer superfície... Era como se eu estivesse voltando a vida!!!

Acho que minha presença gerou algum tipo de influência negativa na moça, porque ela começou a ter quadros depressivos e crises de ansiedade. Sinceramente eu não me senti nenhum pouco culpado. Eu não me importava com o que acontecia com ela, só queria fazer algo com ela, seja cheirar, lamber, tocar... Tanto faz.

Conforme minha presença foi ficando mais forte dentro de sua casa, ela começou a ficar mais sensível a mim, de modo que ela sabia quando eu estava por perto. Ela ficava falando "Quem está me olhando? Para de me perseguir por favor". E quando era de noite, as vezes ela se sentava na cama olhando fixamente na minha direção, como se soubesse que eu estava lá.

Uma vez no espelho, ela conseguiu ver parte de meu reflexo.

Foi uma surpresa, porque eu também não tinha me visto até o momento. Era uma forma feia, cadavérica e com um olhar macabro em direção a moça. Ela gritou e saiu correndo. Até eu me assustei com a minha imagem, mas sinceramente, eu não me importava. Só queria ficar perto dela, como se eu estivesse obcecado pela vida que havia nela.

Antes que ela saísse apavorada da casa, eu a tranquei dentro do quarto.

Eu sabia que aqueles eram os meus últimos momentos com ela, então comecei a abraçar e a beijar. Eu pude sentir a temperatura do corpo dela e toda a vida que ela transbordava, e acho que ela também sentiu a minha temperatura, e não só isso, mas como também minha pele necrosada e aquele cheiro de morte que eu emanava.

Ela caiu desmaiada no chão, e eu ainda não estava satisfeito. Comecei a enforca-la enquanto colocava minha língua dentro da boca dela. Eu estava a ponto de mata-la quando o corpo dela ficou gelado e eu perdi a vontade de continuar o ato. Eu sai da cena e fui embora o mais rápido que eu podia dali. Depois de muito tempo dentro daquela casa, eu já tinha um outro endereço em mente: A estrela mais próxima.