O CASARÃO INFESTADO DE MEMÓRIAS (terror/opressivo)

Casas Coloniais: 60 Ideias de Projetos com Fotos Perfeitas
 
‘As memórias que insistem em não se apagar, se preservam nos objetos, no ar, no ambiente de forma às vezes assustadora, independentemente dos moradores e do passar do tempo‘
 
 
 
Quando Dilson depois de aposentado e sua família, Luna a esposa e seus dois filhos Maria Bela e Francisco se mudaram do Tocantins para o interior de Minas Gerais, não poderiam imaginar que o casarão tão sonhado para seu descanso laboral, fosse se tornar um problema mental em sua família.

Tantos anos de trabalho árduo de Sol a Sol, conquistando suas migalhas que se tornaram grãos e com o passar dos anos se frutificaram, se multiplicaram e geraram um silo de esperança, para melhores dias. Como um sonho pode se tornar um pesadelo desastroso, Dilson e a sua linda família sequer poderiam supor. Logo ele que um poeta da natureza, homem de muita fé e no vigor da maturidade, que imaginava passar seus dias merecidos da aposentadoria, curtindo o campo, o alvorecer dos filhos ao lado de sua amada Luna, se via numa sinuca de bico, pedir aos céus para que tudo aquilo terminasse ou entregar os pontos e voltar para o Tocantins, d’onde não deixara saudades, apenas suor e cansaço, mesmo que a gratidão pelas conquistas morasse dentro dele.
 
Luna era a sua maior âncora e a velha D. Verdannis, governanta do Padre Luiz contou-lhes o motivo do problema que estavam passando e foi assustador, mas, fez com que compreendessem o que estava acontecendo. Ela mesma fará o relato que vem a seguir, em tópicos porque as lembranças, por causa da idade, já lhe falham.   
 
 
Há muitos anos, talvez os anos de 1910, viveu naquele casarão uma família abastada de posses, mas, sem amor entre os seus, apenas uma convivência parda de cada qual pelo seu quinhão herdado. Eram os Pinheiros dos Santos, um casal com três filhos, dois rapazes e uma mocinha e a avó materna deles, dos nomes não me recordo mais, apenas da maioria dos fatos. Assim que herdaram o casarão, davam festas para os mais nobres da região, sempre com muita música e comida, até que a divisão das posses de cada um começou a ser invadida pelos gastos dos outros, não queriam mudar o seu modo de vida, ninguém abria mão de ostentar, mas, não cuidavam de fazer o dinheiro crescer, ia tudo sem controle ralo abaixo. Então os problemas de convivência começaram e as discussões eram constantes.  A avó reclamava de tudo, do barulho, das suas joias sendo penhoradas sem o seu conhecimento, dizia que queriam deixá-la na miséria, que com certeza a abandonariam num asilo pulguento.

Os rapazes gastavam seus vinténs em bordéis, mulheres brejeiras e se embebedavam rotineiramente, eram inúteis e cruéis, por muitas vezes se aproveitavam de moças de família do lugar e as deixavam expostas à beira de riachos ou estradinhas vicinais.

A mocinha era um túmulo e nunca gastava mais do que o necessário, escondera muito bem os seus bens e sua voz quase nunca era ouvida naquele casarão, ninguém sabia o que se passava por sua cabeça, era um peixe fora d’água dentro daquele aquário de tubarões.

O casal tinha seu casamento de fachada e as brigas entre eles já andavam partindo para as ‘vias de fato’. Agressões físicas eram comuns de ambas as partes, nem com maquiagem escondia mais as manchas roxas na face.

Acabaram-se as festas, o dinheiro herdado sumiu e o confinamento levou aquelas pessoas à falência familiar. Por dentro o casarão era um vazio de fazer eco, tudo que foi possível foi vendido e a mocinha se recusava a tocar na sua parte para socorrer os seus, eles receberam de graça e eles mesmos destruíram o seu patrimônio, arrumou suas coisas e partiu sem deixar um tchau que fosse. Eles que se explodissem e fizessem um ‘mea culpa’, mas, ela não chegou a lugar nenhum, seus irmãos com a ajuda de dois marginais a alcançaram e mataram, roubando tudo o que ela tinha levado e depois a enterraram atrás de um alpendre abandonado. Voltaram para casa para contar ao restante da família, óbvio depois de pagar aos comparsas o combinado.

A notícia do macabro feito caiu tal e qual uma bomba na mente da avó, ela era a única que recebia alguma atenção por parte da neta, seu coração não resistiu e para não ter gastos, resolveram enterrá-la numa cova rasa no chão da cocheira, sem remorsos tampouco uma oração, assim o amealhado de forma parda teria menos um para usufruir, pobres e vazias almas aquelas.

Não demorou muito para que se dilapidassem mutuamente e o caos e a barbárie acabou com o que restava daquela família, a mãe não sobreviveu à última surra que levou, foi colocada debaixo de uma laranjeira no quintal atrás da casa, o irmão mais velho bebeu até o fígado explodir e para calar os seus gritos de dor, foi sufocado pelo pai, que descartou o corpo também no chão da cocheira, aproveitou para soltar os dois cavalos, pois não teria como alimentá-los mesmo.

O irmão sobrevivente passou a mão nos parcos vinténs que ainda restavam e ganhou a estrada, mas, morreu pouco tempo depois num bordel, onde seu corpo foi parar ninguém nunca soube e o pai enlouqueceu e saiu andando trôpego por uma estrada, até ser atropelado por um caminhão, sem identificação, foi parar numa cova rasa qualquer.

O casarão ficou abandonado por quase uma década, até que um senhor recém enricado resolveu restaurar a sua estrutura e colocá-lo à venda. Por anos a fio o casarão teve vários donos e várias modificações, até ser alugado por vocês. Tive relatos das aparições da família desmoronada que não abandonava o solar, assustando e até enlouquecendo os moradores, por este motivo este casarão teve tantos donos. Os Padres que passaram por aqui já a benzeram tantas vezes, mas, de nada adiantou, os fantasmas não querem deixar as suas memórias no limbo do tempo. Desta vez são vocês os moradores, D.Vernannis completou assim o relato.
 
Dilson não sabia mais o que fazer se ia até a cocheira, onde agora existiam quatro cavalos, parecia ouvir um chacoalhar de ossos às vezes até gemidos, os baios ficavam batendo os cascos no chão meio irritados, alguma coisa os assustava também, tirava-os de lá e juntamente com a família iam dar uma volta para acalmá-los, mas, no retorno tudo recomeçava. Por outras o feno acondicionado lá na cocheira caia do nada, como que tivesse sido retirado de lá com algum esforço, era apavorante.

Luna era doida por laranjas e ao tentar colher algumas, sentiu como que se a terra se afofasse sob seus pés e um choro contido desequilibrou a moça, fazendo com que ela largasse a cesta no chão e corresse para dentro de casa.

Alguns pequenos objetos na sala ainda pertenciam às famílias que por lá haviam residido, um vasinho, alguns bibelôs de louça e um pote cilíndrico para a colocação de guarda-chuvas. Sempre que Maria Bela por algum motivo os mudava de lugar, mais tarde eles retornavam a antiga posição, como se os seus donos não autorizassem que eles fossem mexidos. Se dependesse de Maria Bela, ela nunca mais tocaria neles.

Francisco por sua vez andava se sentindo preso ao terreno do solar, pois cada vez que tentava se afastar do terreno da casa sozinho, sentia como se alguém apertasse o seu pescoço, uma vez insistiu e por pouco não desmaiou de tanta falta de ar. Mais uma vez Dilson como pai zeloso que era do bem estar dos filhos, pediu a intervenção do Padre Luiz para que ele benzesse toda a propriedade, mas, sempre era em vão, tudo permanecia sombrio. Algumas noites eram de calma, n’outras se ouvia barulhos de festa e gritos pedindo silêncio e que eram acompanhados de mórbidas gargalhadas. Aquele lugar era assombrado de verdade a família concluiu.

Luna pensou quem sabe se desenterrassem os ossos dos falecidos e lhes dessem um enterro digno. Talvez a paz voltasse a reinar por ali, afinal sem a devida benção, as almas vagam num limbo mantendo os seus antigos vínculos, pelo menos era no que eles acreditavam.  

Dilson juntamente com Luna e o Padre Luiz tomaram as providências legais para que isso fosse feito, mas, qual o desespero deles ao chegar a casa e encontrarem Francisco todo roxo com os olhos esbugalhados junto ao portão, como se tivesse sido sufocado. Se não bastasse isso, uma dor descomunal tomou conta deles, ao gritarem por Maria Bela e ela não responder, foram procurá-la e a cena encontrada foi horrorosa. Maria Bela estava entre os cavalos sendo pisoteada pelos baios assustados e pouco se via dos restos da moça.  O pobre padre presenciou a força do demo, quando enlouquecido de dor Dilson dilacera o próprio peito com um tiro de revólver e a adaga invisível do desatino total, faz Luna ter um ataque cardíaco e desencarnar à sua frente. O pobre Padre Luiz de joelhos, só clamava aos céus por socorro, pois nada mais podia fazer...




* Imagem - Fonte - Google
* decorfacil.com
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 04/06/2020
Reeditado em 05/06/2020
Código do texto: T6967620
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.