BÁBA RÁBIA, a bruxa

A visagista de vinte anos Yanka era gótica,se vestia de preto,usava piercings e tatuagens. Ela passeava pela feira semanal observando artesanatos pelas tendas. Numa delas havia uma caixa com cintos e bolsas usadas. Uma pequena bolsa de gobelin com alça de corrente a agradou e decidiu comprá-la.

Em casa ela percebeu que dentro do forro havia algo,soltou alguns pontos com a agulha e retirou de lá um anel de fossilia em forma duma serpente.

O olho da cobra era uma opala,conhecida como pedra da lua,preferida pelas bruxas. Ela enfiou o anel no dedo e passou a usá-lo.

Dois dias depois ela foi num shopping center e quando comia um hamburger na lancheria,duas jovens ruivas se aproximaram dela sorrindo:

-Seja bem vinda ao nosso círculo das bruxas mestra,estávamos há muito tempo a sua espera.

Eu sou Clotilda e minha irmã Clarinda. As duas usavam também um anel de jade em forma de serpente.

-Eu me chamo Yanka,não pertenço a nenhuma seita de bruxas,voces estão enganadas.

-O anel que voce usa é o nosso símbolo do círculo Bába Rábia. O anel

procura sózinho sua descendente,voce foi escolhida para herdar os poderes de nossa antiga mestra.

Nós costumamos nos encontrar na última sexta feira do mes,viremos buscá-la com prazer.

Em casa Yanka procurou na internet sobre o assunto. Realmente havia existido na idade média uma bruxa de nome Bába Rábia. Ela havia fundado um vilarejo só para mulheres,como curandeiras,adivinhas e praticantes de magia. O povoado das bruxas era mal visto e foi incendiado pelos vizinhos. Mais de cem mulheres morreram queimadas.

Bába Rábia jurou retornar para se vingar de seus assassinos. A lenda dizia que a cada cinquenta anos,o espírito da bruxa retorna e se apodera do corpo de uma jovem para continuar sua vingança,matando os parentes dos atepassados que as assassinaram.

Na última sexta feira do mes,ao chegar do trabalho,as duas ruivas a esperavam num carro em frente o edifício onde ela morava.

-Venha conosco Yanka,hoje se comemora a festa Yule na nossa roda do ano. O círculo aguarda com euforia sua presença mestra. Clotilda acariciava seu anel no dedo sorrindo.

Yanka entrou no auto sem reagir,influenciada por uma espécie de transe que comandava seu corpo.

Após duas horas de viagem, elas chegaram num povoado cinzento com casarões de madeira antigos e apenas duzentos moradores. No final do vilarejo havia uma grande vila totalmente reconstruída e iluminada.

A campaínha da porta era um chocalho do craneo duma Taipan. Um longo corredor conduzia a uma sala espaçosa onde cinquenta mulheres,vestidas com um manto preto de tecido brilhante aguardavam sentadas.

Yanka observava o ambiente decorado com plantas carnívoras,Droseras,Aldrovandas,Nepentes,alimentadas por aranhas e insetos. Na frente havia um altar feito de ossos do craneo de reptílias,pintados com tinta fosforescente. Num mastro havia o esqueleto enroscado duma víbora,representando a mãe cobra. O aroma do incenso emanava uma energia mística no recinto.

A ruiva Clotilda pegou o microfone e iniciou um discurso em frente o altar: - Minhas irmãs,finalmente eis chegado o grande dia,nossa mestra

Bába Rábia está de volta e irá transferir seus poderes para sua herdeira designada. Iremos efetuar as provas,segundo a lei.

Clarinda disse para Yanka:- Levante sua mão e mostre seu anel em louvor.

Yanka levantou a mão exibindo o anel de serpente no seu dedo,como resposta,todas as bruxas também ergueram suas mãos,mostrando seus anéis iguais,num gesto de saudação.

Clotilda ofertou um cálice feito de ossos,com uma bebida de ervas para Yanka. Ao sentir o sabor amargo na boca,seus olhos escureceram e ela caíu ao chão desfalecida.

Uma bruxa da platéia gritou: -Ela está morta também! Vamos sepultá-la no santuário no porão,junto com as outras farsantes.

Clotilda decepcionada,se aproximou de Yanka e percebeu que seu corpo estava frio.

Inesperadamente Clotilda levou um tapa na cara perdendo o equilíbrio.

Yanka levantou-se totalmente dominada por Bába Rábia.

Sua voz furiosa ecoava no recinto:- Como ousam duvidar de mim,suas

jabiracas? Temos que efetuar o ritual da minha consagração no campo santo,então poderei me apossar definitivamente desse corpo jovem e continuar nossa vingança. Traga meu cajado,sua Tarântula!

Clarinda estendeu a ela um estojo contendo um pequeno cajado de marfim.

Bába Rábia atirou o cajado com fúria contra a porta,deixando-o cravado na madeira. O cajado se movia devagar,até se virar numa Naja negra.

As bruxas aplaudiam e sapateavam de entusiasmo,enquanto ela sorria maldosamente.

Depois ela se aproximou do palanque,onde estava a carcaça de ossos da víbora enroscada,proferindo as palavras num antigo latim:

- 'Serpentibus,Colubrum redit ad vitam,ordum maleficarum'

A fossilia passou a criar cartilagens e nervos, se transformando numa gigantesca Titanoboa que mostrava os dentes pronta para atacar.

As bruxas deram para trás de pavor,num alvoroço.

Bába Rábia acalmou os ânimos:- Isso é apenas ilusão,voces precisam praticar mais magia negra. Não havia cobra nenhuma,tudo fora uma fantasia de ótica induzida.

Sem dúvida alguma,aquela era mesmo Bába Rábia. Ela estava de volta obcecada por sua sede insaciável de vingança.

Pela ruela poenta do vilarejo,andava uma mulher idosa de cabelos brancos,apoiada numa vara de vime,rumo ao casarão.

Ela abriu a porta interrompendo a festa Yule das bruxas dizendo:

- Bába Rábia,meus antepassados já te mataram outras vezes,eu estou aqui para matá-la outra vez! Ela gesticulava sua mão mostrando um dedo decepado.

Bába Rábia respondeu:- Como se atreve me ameaçar,sua lambisgoia?

Lá de fora se ouvia o barulho de tochas de fogo e enxofre,sendo atiradas contra o casarão.

Aconteceu um grande incendio e todas bruxas morreram intoxicadas e queimadas.

No dia seguinte,alguns moradores juntavam os cadáveres,para sepultar numa vala.

Uma jovem de nome Wanda,achou nos escombros um anel e o enfiou no dedo,sem ser vista.

Em casa no seu quarto,ela mirou-se no espelho com um sorriso maléfico.

Ninguém havia percebido que durante a correria do incendio,Bába Rábia tinha trocado de lugar e se apoderado do corpo daquela jovem.

No futuro,ela tornou-se conhecida como Bába Wanda,por ter distribuído frutas envenenadas pelo povoado e ter matado todos os moradores.

O vilarejo continuou desabitado,coberto por vegetação,tornou-se um antro de caninanas e corujas,é tido como mal assombrado.

Cinquenta anos depois,numa grande cidade,um grupo de estudantes visitava o museu nacional de artes. Uma jovem aluna admirava maravilhada a coleção de artefatos antigos,expostos numa vitrine.

Na mesma semana havia a notícia,que o museu tinha sido assaltado.

O único objeto roubado era um anel de fossilia em forma de serpente, a única prova concreta no mundo,da existencia da espécie da Titanoboa

Cerrejonensis,causando uma imensurável perda para a arqueologia.

Inventaram uma estória na internet sobre a joia furtada,que o anel era maldito por ter pertencido a uma bruxa,uma energia vampira de nome Bába Rábia,fanática por reptílias.

Numa outra cidade,duas irmãs conversavam: - Tudo indica,que nossa mestra está de volta,vamos reunir o círculo.

Na sala a mãe comentou admirada:- Aonde voces vão vestidas desse jeito,parecem duas bruxas!

As duas saíram sorrindo sem resposta.

FIM

TEMA--BRUXAS

VOCABULÁRIO:

Titanoboa Cerrejonensis- Nome científico da cobra assassina que comia as outras. Com 17 metros de comprimento era a maior das reptílias,fossílias encontradas,comprovaram sua existencia.A mesma cobra gigante do filme Harry Potter.

Lambisgoia- Palavra antiga usada para as espécies de cobras peçonhentas.

Taipan-Nome de uma perigosa cobra venenosa

Naja- Conhecida como a mãe cobra

Jabiraca- Mulher feia,deformada.

Tarântula- Grande aranha,usada como termo de trapalhona,incompetente.

Palavras sarcásticas e ofensivas,são elogios para bruxas.

NACHTIGALL
Enviado por NACHTIGALL em 15/07/2020
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T7006419
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