POSEIDON — CLTS 12

by: Johnathan King

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Quando bate o crepúsculo, os destroços do velho Submarino HSE — 23, também conhecido como “Poseidon”, uma alusão ao deus grego dos mares, há muito tempo naufragado nas profundezas do oceano, começa a se agitar. Do seu interior surgem vultos fantásticos.

O primeiro a aparecer é o capitão do submarino, de uniforme bem cuidado, quepe de bico longo, botas devidamente polidas, medalhas penduradas no peito do casaco azul e branco. Ele grita:

— Ligar motores, homens!

Então tudo se movimenta. Os motores do velho submarino se aquecem e as hélices se põem a girar. Os tripulantes se colocam em seus lugares e o antigo monstro de ferro começa a sua viagem sobrenatural. A água do oceano de um azul cintilante, se torna turva num instante.

O que era um fim de tarde se torna noite, de repente. Tudo ao redor parece vibrar. Cardumes de peixes das mais variadas espécies surgem aos borbotões, dando um show de encher os olhos. As águas-vivas brilham no escuro como se fossem vagalumes dançando dentro de uma floresta.

Acima da água, no céu, as nuvens escurecem e do meio delas surgem relâmpagos que cortam a escuridão. Gaivotas soltam guinchos lamentosos, como velhas viúvas que carpissem os mortos.

O Poseidon segue em frente, imponente. A parte externa do casco é coberta com uma fina camada especial de borracha que absorve o som, deixando o submarino mais silencioso. Com um deslocamento de 18.550 toneladas, numa estrutura de ferro com cerca de 170 metros de comprimento. A sua tripulação é formada por 150 marinheiros, incluindo o capitão.

Algumas milhas depois, o homem avista uma luz que se aproxima do submersível velozmente. Usando a luneta, observa que se trata de um imenso redemoinho vertical, formado de uma poeira negra com camadas de cores brilhantes e aleatórias. Chama o seu imediato, e logo outros tripulantes se aproximam.

À medida que o Poseidon se avizinha daquela estranha forma, mais ela ganha corpo e uma força que vem de dentro de sua fenda os atrai, irresistivelmente, para o seu interior. De súbito, tudo se apaga, o som tão costumeiro do motor desaparece, as luzes vez por outra piscam como se fossem voltar a qualquer momento e eles entram numa espécie de túnel onde nada é perceptível além de pequenas estrelinhas coloridas que voejam em torno do submarino capturado.

Por algum tempo impossível de se precisar, os tripulantes flutuam imersos numa não consciência dos próprios sentidos, e se deixam levar para um lugar no mar abissal onde a realidade alterada os espera.

Quando despertam, o oceano está sobre suas cabeças como se agora fosse uma espécie de céu, e abaixo, onde eles se encontram, a água desapareceu. De alguma forma inexplicável, no entanto, o Poseidon flutua em pleno ar como se ainda estivesse mergulhado dentro d'água.

Os motores voltam a fazer barulho, as hélices giram e o Poseidon navega por um oceano impossível dentro de um universo paralelo. Nas alturas, um cemitério de fosforescentes navios naufragados ondula no céu de água, como estrelas erráticas. Embaixo, criaturas disformes surgem da terra milhas abaixo de onde o submarino está e se espalham por todas as direções. Seres monstruosos de variadas formas e tamanhos imagináveis.

Um grupo distinto destas criaturas se aproxima do Poseidon. Comparados às outras, são seres medianos, cujo rosto e o tronco lembram a imagem de uma mulher. Os cabelos são longos, numa tonalidade esverdeada, e os olhos são pequeninos e totalmente pretos como se fossem olhos de demônio, os seres têm patas de leão e asas de dragão.

As sereias monstruosas os observam pelas escotilhas e exploram com curiosidade o casco de ferro do submarino, enquanto os ocupantes do Poseidon observam fascinados as estranhas visitantes.

O oceano ou onde ele deveria estar, é rapidamente engolido por uma densa névoa branca que cobre tudo e impossibilita que a tripulação enxergue qualquer coisa na frente deles. O capitão se preocupa. O risco de colisão com alguma outra nau é o que ele mais teme.

O submarino penetra pelo interior desconhecido da neblina. As sereias com patas de leão se enraivecem e se lançam contra o casco, emitindo gritos medonhos e arranhando a sua lataria com as unhas. A visibilidade prejudicada faz com que os rostos delas apareçam e desapareçam cobertas pela névoa, mas antes mesmo que elas consigam provocar alguma avaria mais grave à nau, os homens ouvem um urro medonho e as sereias monstruosas partem apavoradas pela sombra que se forma além do nevoeiro.

Eles mal têm tempo de respirar e logo surge um ser demoníaco de tamanho colossal, uma espécie de humanoide alado com cabeça de polvo, de cuja boca saem repugnantes tentáculos, perseguindo as sereias. Elas fogem para todos os lados, mas ele consegue pegar uma que fica para trás.

Diante dos olhos perplexos dos tripulantes, ele a parte ao meio expondo suas vísceras que flutuam lentamente em direção ao solo. Ela não morre imediatamente. As duas partes se contorcem, enquanto ela grita por alguns segundos que parecem horas.

Depois de devorar a criatura, o titã investe contra o frágil casco do submarino e o agarra ameaçando quebrá-lo em dois pedaços. As hélices atingem o corpo da fera e quando ele solta o Poseidon, o capitão grita:

— Lançar torpedos, homens.

Os torpedos atingem o alvo em cheio na região torácica, o monstro urra de dor e cambaleia para trás. Isso agita a névoa, que dança de maneira violenta e sincronizada, e parece aumentar de intensidade, como se tivesse consciência própria. O capitão lança mais torpedos na direção da criatura. O monstro solta um novo urro, recua e desaparece no meio da neblina.

À medida que a névoa vai se dissipando, um novo cenário fantástico se mostra diante dos olhos incrédulos e maravilhados dos tripulantes do Poseidon.

Uma grandiosa cidade se revela para o capitão e a sua tripulação. Era, definitivamente, a joia da coroa da bizarrice daquele lugar, era preciso ser vista para que se acreditasse em sua existência.

Uma cidade com templos e palácios gigantescos, colunas altíssimas, e esculturas colossais representando deuses espalhadas por todos os lados. Tudo em ruínas. Definitivamente aquela era a lendária Atlântida dos textos de Platão.

As sereias retornam cautelosas. Ficam de longe, apenas observando. O capitão manda desligar os motores do submarino, tudo para de funcionar e as hélices deixam de girar. Ele sai da nau e encara a cidade. Outros ocupantes do Poseidon fazem o mesmo.

Ao longe observam seres que caminham pelas ruas. São altos e usam roupas diáfanas de cores claras. Parecem muito com seres humanos mas possuem grandes olhos que não lhes tiram a espectral beleza. Da maneira como andam, aparentam não se dar conta da presença dos tripulantes. Caminham pelas ruínas sem olhar fixamente para lugar algum como se estivessem hipnotizados. Um deles, uma fêmea, passa perto do capitão e ele pode sentir seu cheiro de flores frescas.

Ela para um instante e o encara. A pele da criatura é tão fina que se pode ver as enervações delicadas sob a camada de epiderme. Então ele recorda que um dia teve uma esposa, uma mulher de quem, naquele momento, sente uma imensa saudade.

A tripulação inteira assiste àquela cena sem pronunciar uma palavra, talvez com receio de quebrar o encanto de tanta beleza em meio aos prédios destruídos.

De repente, um som metálico começa a ser ouvido à distância. Fica alto, mais perto, intenso. Uma rajada passa em cima da cabeça de todos, e os deixa atordoados. É um avião sobrevoando o que era para ser o fundo do oceano.

Logo se torna dois, depois três, quatro e muitos mais. São aviões de todos os modelos, tamanhos e épocas diferentes da história, passado e futuro misturados num mesmo momento. Todos voltam correndo para dentro do Poseidon.

As sereias se dispersam de maneira louca e abrupta, batendo umas nas outras. O capitão e a sua tripulação só tinham uma única certeza agora: estavam no Triângulo das Bermudas.

Os motores do submarino voltam a funcionar e as hélices giram velozmente uma vez mais. No ar o sinal é dado. Os aviões começam a atirar na direção do submarino. O zumbido dos tiros disparados pelas armas embutidas nas aeronaves ecoa nas alturas.

O céu brilha com a chuva de balas. O Poseidon tenta encontrar refúgio seguro dentro dos muros de Atlântida, mas uma barreira impede o acesso à cidade. O lugar parece protegido por uma espécie de campo de força invisível, mesmo estando abandonada e em ruínas.

Um forte rugido ecoa no ar.

O titã com cabeça de polvo ressurge no meio da batalha. Ele ataca os aviões, que mudam o alvo, e miram suas armas na sua direção, e atiram.

O capitão do Poseidon aproveita a distração proporcionada pelo monstro para escapar furtivamente, mas é atingido por um avião em chamas, provocando um forte abalo na estrutura do submarino. Tudo palpita dentro e em redor do Poseidon, que tomba.

E quando o sol desponta no horizonte, o som da batalha e o clamor das vozes começam a diminuir. Pouco a pouco o barulho dos aviões cessa e os movimentos se vão tornando mais lentos e os rumores perdem a intensidade. Os homens e os monstros vão ficando sem vida e sem cor, e se transformam em sombras cada vez mais esbatidas.

Quando clareia o dia, o velho submarino volta a ser um monte de ferragens abandonado e silencioso no fundo do oceano, uma vez mais aguardando o próximo crepúsculo para voltar a existir.

FIM

Tema: VIAGENS SUBMARINAS

Johnathan King
Enviado por Johnathan King em 27/07/2020
Reeditado em 29/07/2020
Código do texto: T7018484
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