O Lobisomem e a pescaria

Encontramos um lobisomem na pescaria

Meu nome é Paulo, não vou dizer onde ocorreu o fato, e, por motivos óbvios, vou alterar o nome dos meus amigos, mas posso afirmar a vocês que o que vou contar é verdadeiro.

O relato se passa lá pelos idos dos anos de 1990.

Cláudio, o mais velho de nós, já trabalhava vendendo verduras numa feira na cidade, e lá conheceu um senhor que ofereceu para que a gente fosse pescar no sítio que ele tinha comprado há pouco tempo. Ele falou para meu amigo que também gostava de pescar, mas não tinha tido tempo para ir até o açude que ficava ao fundo de sua nova propriedade, próximo a uma mata. Então, Cláudio nos convidou e fomos, era uma sexta, chegamos no final do dia, queríamos passar à noite lá.

Chegando lá, o seu Adão, dono do Sítio veio nos receber animadamente, mas disse que, infelizmente, não poderia ir conosco, pois estava meio resfriado e o melhor remédio para isso era uma boa noite de cama. Na hora até gostamos, afinal, ele não era nosso amigo e nem o conhecíamos e só nós três seria aquela farra de gurizada pescando, tomando vinho e rindo ao redor de uma fogueira.

Ele nos explicou como chegar ao açude e lá fomos nós, tudo corria bem, já tínhamos pescado algumas traíras e carpas, o açude era bom de pesca. Deixamos as linhas na água e conversávamos e comíamos peixes que assávamos na fogueira, que estava alta com muita lenha, até parecia fogueira de arraial de São João, pois a noite era de lua cheia, mas o lugar era escuro mesmo assim, estávamos bem felizes, contando mentiras um pro outro, histórias repetidas que conhecíamos de trás para frente, mas ríamos de qualquer forma!

Foi quando eu ouvi um rosnar vindo pela direita de onde estava, era um pomar bem fechado que tinha por ali, chamei atenção de Cláudio e João, pedi silêncio, paramos de rir e ouvimos o som de galhos secos sendo pisados, de forma pesada e lenta, dava para notar que era um bicho grande, algo estava nos espreitando nas sombras.

Estranhamos aquilo, eu gritei: “quem tá ai?”, não tive resposta, mas notamos que o bicho parou, ficou um silêncio estranho, toda a mata estava quieta, e do nada ouvimos um uivo muito alto e forte, com certeza era um lobo, mas não existem lobos na nossa região, só tinha ouvido algo parecido com aquele som em filmes de lobisomem, nos juntamos grudados na fogueira e começamos a falar baixinho: “o que é isso?”, “Pai do Céu, só pode ser assombração”, tremíamos, foi que notamos que a coisa estava arfando mais próximo a nós, já dava para ver um vulto escuro se movendo entre as árvores e, novamente, uivou alto, agora parecia mais um urro, um grito para nos assustar e ele conseguiu, chegamos a nos abaixar, como se isso adiantasse!?

Então o monstro saiu de trás das moitas e árvores, foi a nossa vez de gritar, hoje a cena é até engraçada de lembrar, nos abraçamos e ficamos pulando de medo, os três apavorados, o bicho era enorme, pelos escuros, braços muito longos e a parte mais apavorante eram as pernas, pareciam quebradas, com os joelhos para trás, e curtas, e o pior, o ser estava caminhando sobre essas duas pernas e não de quatro como deveria ser, parecia um orangotango, mas não era um, a gente sabia que era um lobisomem e que ele iria nos matar ali mesmo, nenhum de nós tinha armas, apenas pequenas facas de pesca.

Aqueles olhos amarelos, pareciam dois faróis a nos fitar, vinha rosnando cada vez mais alto e mais próximo de nós, ele se abaixou, agora caminhava como uma onça pronta para dar o bote, nós estávamos sem reação, eu rezava, Cláudio chorava e João era o que parecia menos assustado, mas também tremia, então ele falou: “quando eu gritar pula, vocês pulam!”. Não entendi, só consenti com a cabeça, mas sem olhar para ele, pois não conseguia tirar os olhos daquele horror peludo que estava a menos de 2 metros de nós, dava para sentir o cheiro de podre vindo dele.

O Bicho sentou e uivou alto, se encolheu, notamos que ele daria o bote fatal, e ele deu, mesmo grande ele era ágil, todavia, nós também éramos, João berrou: “Pula agora!”, e nos empurrou, caímos os 3 no açude.

Ouvi um berro de dor, virei para a margem e vi a besta-fera tentando sair de cima da fogueira, o bicho havia dado o bote errado, conseguimos sair a tempo e ele acabou caindo em cima da fogueira.

Olhei pros lados e vi que meus amigos estavam ali e bem, todos olhavam para o bicho que tentava rolar na grama para apagar o fogo que o queimava, dava para sentir o cheiro de pelo e pele queimando, mas era época de estiagem e tudo estava seco, quanto mais ele rolava mais se queimava, chegava a deixar rastros de fogo na relva seca!

Ele se levantou, urrava de raiva e de dor e saiu em disparada para o lado em que veio, para nossa sorte, ele não era inteligente a ponto de saber que poderia apagar o fogo na água do açude!

Ficamos ali na água mais uma hora, quando vimos ao longe um clarão, como se algo pegasse fogo alto.

Tomamos coragem e saímos do açude, conversamos baixinho sobre o que fazer, a fogueira já está só em brasas, resolvemos voltar pro sítio, afinal, não tinha como nos protegermos ali sem o fogo.

Fomos quase que abaixados, pé sobre pé, em silêncio, apenas fazíamos sinais e parávamos a cada som diferente que ouvíamos, quando estávamos quase chegando conseguimos ver que a casa do sítio estava pegando fogo, era daí o clarão que tínhamos visto lá do açude!

Como nós demoramos para chegar até ali, quando vimos, a casa já estava toda destruída pelas chamas, gritamos pelo Seu Adão, mas nada de ele responder, então resolvemos sair dali, não tinha o que fazer, paramos num orelhão e avisamos aos bombeiros e fomos cada um para sua casa!

No outro dia, ficamos sabendo que os bombeiros fizeram o rescaldo na casa incendiada e só acharam um corpo lá, que estavam fazendo os exames, mas tudo indicava que era do Seu Adão, o proprietário da casa, pois ele morava sozinho e não tinha família por ali. Dias depois foi confirmado que foi o dono do sítio a vítima.

Continuamos amigos, ficamos mais unidos ainda, somos compadres e seguidamente falamos sobre o ocorrido, mas apenas entre nós, não contamos para ninguém até hoje, nem as nossas esposas, na verdade, elas até sabem, mas acham que foi uma brincadeira, uma história nossa baseada na tragédia da casa incendiada.

Falamos e falamos sobre aquilo e até hoje não conseguimos chegar ao consenso se aquele demônio correu até a casa do seu Adão e de alguma forma fez com que o fogo pagasse nela ou se o próprio seu Adão era o lobisomem.

Vamos morrer sem saber a resposta, mas uma coisa é certa, nunca mais vimos ou ouvimos relatos daquela fera na nossa região, graças a Deus. Mas mesmo assim, nunca mais pescamos!

Boa noite!

Eldorado do Sul, 19/08/2020, Nilvio Alexandre Fernandes Braga