Um convidado indesejado

Não sei se acredita em histórias de terror, assombrações e assuntos do gênero, mas tenho algo muito, mas muito bizarro para compartilhar. E isso, cabe a você querer acreditar ou não... Eu ainda tenho um certo trauma disso, mesmo que já tenha acontecido há anos, mas sabe como é, traumas sempre viverão dentro de nós.

Me lembro como se fosse ontem, eu tinha por volta dos meus nove ou dez anos, não me recordo bem, mas isso não importa muito, não é mesmo? Quero ir ao que interessa. Nunca fui um garoto muito obediente, confesso, mas sempre ouvi de meus pais, que, garotos desobedientes costumam receber uma visita inesperada de um monstro, e que carregava essas crianças com ele. Nunca acreditei, sempre zombei dos meus pais por conta disso, se é que me entende...

Sempre que aprontava algo, eles sempre vinham com a mesma história, mas nunca, nunca acreditei. Até porque, crianças desobedientes não ligam para absolutamente nada, além de aprontar até cansar, e bom, eu era uma delas, se quer saber... Posso dizer que ainda me arrependo disso, me arrependo muito. Se eu pudesse, teria ouvido meus pais, talvez hoje, não tivesse gerado tal trauma. Enfim.

Os dias foram se passando e eu fui aprontando cada vez mais, mais e mais, como se não ligasse para tais consequências. Diversas vezes levei sermão dos meus pais, mas fora tudo em vão, não ligava, queria apenas fazer o que desse na telha e sem me preocupar com absolutamente nada... Típico de crianças rebeldes e desobedientes. E por mais uma vez, ouvi a mesma história vinda de meus pais, o que acabou me dando nos nervos e respondendo-os de uma forma grossa.

- EU NÃO LIGO PARA O QUE VOCÊS DIZEM!!! VOCÊS SÓ FALAM ISSO PARA QUE EU TENHA MEDO, E ADIVINHEM SÓ?!?! EU NÃO LIGO! ISSO MESMO, EU. NÃO. LIGO!

Nesse momento, ambos viram que a situação não ia melhorar e que de certa forma, continuaria sendo assim, até eu tomar vergonha na cara ou me endireitar conforme os anos fossem passando... Sem contar que, eu era novo, o que de ruim poderia acontecer a um garoto de nove/dez anos afinal?

Realmente achei que não fosse me acontecer nada, já que meus pais viviam contando aquela bendita história sobre um homem aparecer e me roubar deles para todo o sempre... Tudo isso por ser desobediente e não ligar para absolutamente nada do que meus pais diziam ou faziam por mim. Creio que toda criança desobediente é assim afinal, não ligam para literalmente nada, só querem aprontar e se divertir. Mas como eu disse, nem tudo são rosas e no final, a consequência vem. E bom... Uma hora veio.

Certa vez, eu estava bagunçando por toda a casa, como se não ligasse para literalmente nada do que rolava ao meu redor naquele momento. Sei que quebrei diversos itens dos meus pais, sem medo do que poderia acontecer comigo, e justamente nesse dia, eles haviam passado o dia fora, só voltariam durante a noite. Para a minha sorte, passaria o dia inteiro sozinho, fazendo o que eu bem quisesse, afinal, eu tinha a casa inteira para mim... Só para mim.

Enquanto fazia minha bagunça, comecei a ouvir passos no andar de cima, mas como? Eu estava sozinho em casa, isso não fez o menor sentido, literalmente não fez. Por um breve segundo, achei que fossem meus pais querendo me pregar algum tipo de peça, para que assim, eu ficasse esperto e atento ao que estava acontecendo naquele momento. Apenas parei, olhei para cima por míseros segundos e esbravejei.

- VOCÊS ACHAM MESMO QUE VOU CAIR NESSA?? EU NÃO TENHO MAIS CINCO ANOS!! OU SERÁ QUE ESQUECERAM DISSO?!?!

Fui andando devagar até o andar de cima, assim que cheguei, acendi as luzes, olhando para um lado e depois para o outro, mas sem conseguir ver nada... Abri a porta que estava ao meu lado direito, não vi nada, entrei no quarto para que pudesse vasculhar um pouco melhor, sem sucesso, realmente não havia nada por ali.

Saio do quarto, indo em direção do corredor, onde abro a porta do banheiro, e por muita sorte, não vejo absolutamente nada de tão anormal assim, mas confesso que senti pequenos calafrios vindos de meu corpo inteiro, o que não era algo normal de se acontecer... Era isso que eles chamavam de medo? Era uma sensação ruim e desconfortável.

Pela primeira vez na vida, senti medo de alguma coisa, posso dizer que foi uma sensação horrível e que não recomendo a ninguém, mesmo sabendo que as pessoas sentem medo todos os dias, independente do que for, elas irão sentir medo. Assim que fechei a porta do banheiro, engoli seco e segui em frente, indo para o meu quarto, que ficava literalmente de frente para o quarto dos meus pai, o qual já havia adentrado.

Antes que eu pudesse abrir a porta do meu quarto, o telefone de casa toca, me fazendo gritar no mesmo instante. Foi a coisa mais tosca que eu já fiz em toda a minha vida, coloco a mão em meu peito, podendo sentir meu coração disparar, quase sair pela minha boca. Corro até a sala, onde o telefone se encontrava, e assim que o atendo, ouço apenas uma respiração, me fazendo ficar sem entender nada, me deixando ainda mais e mais irritado com toda aquela situação agoniante e angustiante.

- EU JÁ FALEI!! VOCÊS NÃO VÃO CONSEGUIR ME ASSUSTAR COM ISSO, ESTÃO ME OUVINDO??? SEI QUE FORAM OS DOIS QUEM CORRERAM LÁ EM CIMA, EU NÃO SOU BOBO, OK???

Ao terminar de falar, a respiração sessa, logo, dando lugar para uma risada no mínimo arrepiante, que me fez desligar aquele maldito telefone na mesma hora. Eu já não sabia mais o que fazer, realmente fiquei amedrontado com o que acontecera ali, estava sozinho e só queria bagunçar em paz. Talvez dessa vez, eu tivesse aprendido a lição, ou talvez meus pais só quisessem me pregar um susto. Estava errado, pois esse era só o começo.

Os passos pelo andar de cima voltaram de repente, me fazendo ter ainda mais medo do que antes. E dessa vez, decido ir até o andar de cima, para que assim, eu possa saber quem estava ali. Eu já nem sabia mais se eram ou não meus pais, só queria que aquilo parasse imediatamente. Fui correndo até o andar de cima e mais uma vez, não consigo ver nada, apenas uma temperatura muito baixa, o que era estranho, já que estava relativamente quente da outra vez.

Vou andando com cautela até o meu quarto, pois não havia conseguido checa-lo antes... Me aproximo bem devagar, até que por fim, cheguei ao local, respiro fundo ao finalmente tomar coragem para abrir a porta. Estava tudo tão escuro, que não enxergava nada, assim, decido acender as luzes, vendo uma silhueta no mínimo estranha em minha cama. A criatura olhava diretamente para mim.

Confesso que... Estava prestes a desmaiar quando me deparei com tal criatura sentada em minha cama. Pareceu ser um homem, mas usava uma cartola toda surrada e vestia um tipo de trapo em seu rosto, um terno no mínimo duvidoso e surrado também... Unhas grandes e pretas. Antes que eu pudesse sair do quarto, ele dá leve batidinhas no colchão, no intuito de que eu sentasse ao seu lado. Engulo seco e suspiro.

- O-o que você quer comigo...? Olha... Eu prometo não desobedecer mais os meus pais, mas me deixa ir embora, por favor! Não quero ser levado, não quero... Não quero.

A criatura nada disse, apenas gargalhou, exatamente como aquela gargalhada do telefone. Foi exatamente aí onde comecei a ligar os pontos, eu realmente não estava sozinho, e meus pais sempre estiveram certos afinal... A tal criatura existia, mas sempre caçoei e tirei onda quando ambos me falavam sobre. Nunca levei a sério... Lá estava eu, prestes a ser levado pela criatura. Mais uma vez, e ele fez o mesmo gesto, para que assim, eu sentasse ao seu lado. Com muito medo e coragem, decido me sentar ao seu lado.

A criatura tinha um cheiro extremamente forte de morte, como se estivesse totalmente podre por dentro e por fora também. Ao me sentar perto da criatura, ela decide falar algo... Algo que me lembro até hoje, me causando um enorme calafrio.

- Ainda não é sua hora, garoto... Portanto, não se preocupe, mas já vim atrás do que eu queria. Espero que não se importe, é claro.

Ao terminar de falar, a criatura simplesmente se levantou, e mais uma vez, fez um gesto para que eu o seguisse. Não disse nada, apenas o segui... Ele andou até o quarto dos meus pais, confesso ter achado um pouco estranho, já que eles não estavam em casa. Pelo menos era o que eu achava.

Assim que chegamos, vejo meus pais... Mortos dentro do guarda roupa, eu não soube como reagir, não soube o que sentir, apenas fiquei pálido e desmaiei ao ver tal atrocidade. Já a criatura, apenas gargalhou e foi sumindo aos poucos, até finalmente sumir por completo.

Horas depois, finalmente havia acordado, e assim que revi tal cena, meu estômago revirou, me fazendo vomitar no local. Eu realmente não sabia o que fazer, ou o que dizer. Apenas chorei copiosamente... Tentei ligar para a polícia, que veio horas depois até a minha casa, e ao verem o que tinha rolado ali, tentaram entender o que havia rolado.

Contei tudo, mas foi tudo em vão, ninguém acreditara em minha história, apenas fui levado com eles. Toda minha família foi notificada, e assim que souberam, me chamaram de monstro, aberração, assassino! Mas por quê? Afinal, eu não havia matado meus pais... E sim, aquela criatura.

Anos se passaram, e hoje...Me encontro numa clínica de reabilitação, contra a minha vontade. Fui colocado aqui a força, já que eu era novo e não podia fazer muita coisa, infelizmente. Posso dizer que durante esses anos todos, acabei piorando muito.

Me lembro como se fosse ontem, o dia em que aquela criatura apareceu e levou meus pais, e me trancando nesse lugar infernal, onde eu não deveria estar... Nunca entendi o porquê disso, nunca entendi o motivo de ter vindo parar aqui. Por que raios uma criança de dez anos mataria os próprios pais?? A troco do que? Nada faz sentido... Nada!

Mas não adianta chorar pelo leite derramado, acho que isso tudo, é por causa das minhas desobediências, tudo o que causei quando mais novo... Talvez, essa seja a tal consequência de todos os meus atos até o dia da morte de meus pais. Eu só... Eu só queria ter feito tudo diferente, e não teve um dia em que não pensei nessa possibilidade. Agora... Agora é tarde demais, já não há mais o que ser feito, apenas aceitar que estou sendo taxado como louco. Principalmente por algo que eu jamais pensei em fazer, e tudo por causa daquela criatura maldita.

Talvez esse seja o meu último relato, antes de chutar o pau da barraca e acabar com toda essa dor, todo esse sentimento e remorso que tenho de mim mesmo. Não faz mais sentido estar aqui, principalmente por algo que não cometi... É, já estou decidido, esse será o meu último relato antes de ir embora de vez.

Se você encontrar essa carta, saiba que eu jamais matei meus pais, e que jamais faria tal crueldade... Eu apenas fui uma criança rebelde, nada além disso. Talvez tudo isso pudesse ter sido diferente, mas infelizmente não foi... Enfim, essas são minhas últimas palavras, e cuidado... Talvez aquele mesmo homem que me visitou, possa visitar você também, bom... Boa sorte.

- Pronto para ir...? Finalmente sua hora chegou, garoto.

- Por que demorou tanto...? Não foi o suficiente me ver sofrer por tantos anos?

- Talvez... Mas acho que aprendeu a lição. Podemos...?

- ... Podemos.

B Folk
Enviado por B Folk em 15/10/2020
Código do texto: T7088207
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