UHF -350MHZ - ( ESPECIAL HALLOWEEN 20) - MINICONTO

— Não instalem esse aparelho!

O homem gritava a plenos pulmões. Parecia um daqueles pregadores de rua que Lais sempre achou serem doidos.

— Esse apalho emitirá um sinal quando todos estiverem conectados. Suas antenas servirão de fonte para emitir o sinal. Então eles surgirão e será o fim da humanidade. Não instalem esse aparelho.

— Saia daqui seu velho de merda!

Alguém empurrou o homem e ele caiu de bunda na calçada.

Laís se lembrava que depois daquilo uma confusão se instalou na fila e por isso ela desistiu de pegar o kit digital que o governo estava dando.

O sinal analógico de TV estava sendo desligado em todo o país e o governo estava distribuindo gratuitamente o kit que continha uma antena e um receptor.

Laís esperava pacientemente na fila para pegar seu kit quando a confusão começou. Alguém acertou a cara do outro com um murro e a confusão estava armada.

Ela então desistiu. Simplesmente saiu dali e voltou para a casa.

Talvez o que realmente precisava era aposentar sua velha TV de tudo e comprar uma moderna de LED.

Laís foi para a cada e alguns dias depois o caos se instalou e o mundo nunca mais foi o mesmo desde então.

***

Ao contrário de Laís, Maria das Dores conseguiu pegar seu kit e voltou para a casa feliz, afinal iriam assistir TV com imagem e sim de qualidade. Pela primeira vez ela iria assistir a novela das nove sem aquela chideira.

O governo dava o aparelho mas não queria nem saber como as pessoas iriam instalar a coisa.

Zé, seu marido, disse que ia instalar ele mesmo e assim economizar um bom dinheiro. Um técnico não faria o serviço por menos de cem paus.

E ele fez um bom trabalho. Não havia segredo nenhum, bastava instalar a antena, puxar o fio, conectar no aparelho e fazer a busca de canais, como os caras ensinavam na televisão. E então era uma maravilha só. Diversão e entretenimento para toda a família.

No dia 23 de abril de 2023 o sinal analógico foi desligado em todo o país, e então alguma coisa aconteceu.

***

Os sobreviventes (não eram muitos) achavam que era alguma coisa no ar. Mas Laís sabia que era a TV.

No dia que aconteceu Laís se lembrou do homem na fila para pegar o aparelho, gritando a plenos pulmões para as pessoas não instalarem aquela coisa.

Laís acreditava que era coisa do próprio governo, ou alguma espécie de ataque terrorista.

Ela se lembrava que estava assistindo TV quando aquela imagem cheia de barras coloridas cobriu a tela.

Ela achou estranho, achou que era problema do canal e então mudou, mas nada aconteceu. Levantou-se e mexeu no aparelho e nada.

— Mas e isso agora?

Laís ficou frustrada pois iria perder o programa que mais gostava na TV.

Então ela resolveu sair.

Trocou de roupa, pegou sua bolsa e passou pela sala para desligar a TV e então percebeu que a imagem havia mudado. As barras haviam sido substituídas por uma linha vermelha que parecia pulsar e emitia um ruído de estática agudo.

Laís desligou a TV e saiu.

Ela abriu o portão e viu sua estranha vizinha, Maria das Dores parada no meio da rua.

Sua boca estava aberta e quando Laís se aproximou dela quase gritou de susto.

Os olhos da mulher estavam brancos e da boca aberta da mulher vinha um som que ela podia jurar que era o chiado de uma TV.

Laís afastou-se e então percebeu que havia mais pessoas na rua na mesma situação que Maria.

Ela levou as mãos à boca abafando um grito.

— Meu Deus! Mas o que é isso?

De repente um vento estranho começou a assoprar, e Laís começou a recuar na direção de sua casa.

Algumas pessoas que não estavam catatônica como as outras fizeram o mesmo.

Laís lembrava-se que ouviram um barulho, e era como ouvir uma buzina muito forte.

Então a coisa surgiu entre as nuvens. Uma coisa grande e terrível.

Laís lembrou-se das palavras do homem aquele dia na fila e estremeceu.

" ...Então eles surgirão e será o fim da humanidade…"

Ela gritou e saiu correndo. O vento que aquela coisa fazia estava arrancando o telhado da casa. Era como um aspirador que sugava tudo.

Laís correu, gritando em estado de pânico e passou pela sala.

Ela vou a TV, mas agora ela não era a TV. Era uma coisa. Uma criatura feita de luminosidade. A TV fazia parte daquela criatura que possuía pequenos tentaculos espalhados pelo corpo.

Laís gritou novamente em estado de pânico e continuou a correr. Foi até a cozinha, abriu uma das gavetas do gabinete da pia e pegou uma faca.

Ficou olhando para a porta por alguns instantes, esperando que a coisa emergisse porta adentro mas nada aconteceu.

Mesmo assim ela recuou. Lembrou-se do porão. E era o lugar onde ela estava agora.

Ela tinha bastante comida. Fazia um mês que estava escondida e tinha comida para mais dois.

As vezes ela ouvia os sons do mundo lá fora e era como ouvir a TV ligada.

Luis Fernando Alvez
Enviado por Luis Fernando Alvez em 20/10/2020
Reeditado em 20/10/2020
Código do texto: T7092291
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