ENTRE QUATRO PAREDES

Têm uns três dias que eu não vejo Mathias. Confesso que sinto saudades dos olhinhos pequenos e do jeito nervoso dele. Acho que ele sumiu em algum buraco. Sei que se ele não tornar a aparecer vou sentir muita tristeza. Mathias Ferraz, um nome pomposo para um rato. Sim, Mathias é só um rato! Dei esse nome porque quando ele surgiu aqui no porão achei muito parecido com um antigo professor de matemática que eu tive: miúdo e irrequieto. Não sei dizer se foi uma homenagem ao meu velho mestre.

Eu acho que estou há quase dois meses nesse porão. Perdi a noção de tempo. Tenho dificuldade para saber quando é dia ou noite. Acendo uma vela. Sento-me no chão sujo e me pego olhando para as muitas caixas com mantimentos que consegui juntar. São elas que me mantém vivo, elas e o machado de gume afiado, ainda manchado de sangue, que são os responsáveis por eu não ter virado um morto-vivo.

Lá fora eu nem sei se ainda existe alguém que eu possa chamar de humano. De vez em quando eu percebo, por uma fresta no assoalho, que eles ainda estão vagando, sujos e esfomeados. Tenho certeza que se sair desse esconderijo não vou conseguir ficar vivo nem meia hora. Minha esperança é que um dia eles desapareçam ou tenham a sua existência maldita encerrada por algum motivo.

Uma sonolência invade meu corpo. Penso em todos aqueles que ficaram para trás. Às vezes acho que seria melhor eu ter morrido. Devo ser a pessoa mais solitária do mundo e eu não queria isso para mim. Quando foi a ultima vez que eu escutei uma musica?

Um leve barulho e meus sentidos disparam em alerta. Rapidamente minhas mãos se apossam do machado. Será que eles descobriram que tem alguém aqui em baixo? Espero que a minha morte seja rápida, mas juro que arranco a cabeça de um deles antes de morrer...

A sensação de alívio é indescritível, quase como um sorriso de criança em fim de tarde, quando vejo Mathias me olhando e esfregando suas patinhas dianteiras.

Jogo-lhe um pouco de comida e vou dormir. Amanha é outro dia.